Alex Rodrigues
Repórter Agência Brasil
Brasília - Problemas técnicos, manifestações e discursos de políticos locais geraram alguns momentos constrangedores durante o primeiro dia da 1ª Bienal Brasil do Livro e da Leitura, que começou ontem (14), em Brasília (DF). Até a palestra do homenageado internacional do evento, o poeta nigeriano Wole Soyinka, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1986, foi prejudicada.
O primeiro constrangimento para o governo do Distrito Federal, organizador do evento, aconteceu ainda durante a cerimônia de abertura, quando um grupo de professores da rede pública realizou um protesto barulhento. Eles exigiam do governo distrital o atendimento às reinvindicações da categoria, em greve há mais de um mês.
As vaias, palavras de ordem e apitos só cessaram quando o microfone foi passado a Soyinka. Bem-humorado, o escritor de 77 anos fez piada com a situação, dizendo jamais ter imaginado que os livros e a literatura fossem capazes de provocar tamanha euforia.
À noite, contudo, Soyinka voltou a presenciar o público vaiando autoridades locais. Desta vez, no entanto, a manifestação teve outro motivo. Quem esteve no auditório do Museu da República para assistir à palestra do nigeriano teve que, antes, ouvir o presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal, deputado distrital Patrício (PT), e o secretário de Cultura, Hamilton Pereira, discursarem solenemente, produzindo um visível desconforto entre a plateia que quase lotou o auditório do Museu Nacional. Patrício chegou a apontar seu colega de partido como o melhor secretário de cultura da história local.
Após vinte minutos como figurante, o nigeriano voltou a arrancar risos da plateia ao brincar e dizer que, durante todo o dia, nada havia saído conforme planejado. Soyinka afirmou ter compreendido a manifestação dos professores porque ela seria semelhante às que os docentes nigerianos fazem para exigir seus direitos.
"Não sei se entendi bem os detalhes [do protesto de de manhã], mas entendi a paixão dos professores. Na Nigéria, eles também costumam sair às ruas. Só que lá é um pouco pior. Eles saem às ruas quando estão há um ano ou quase isso sem receber salários", disse o escritor.
Primeiro negro a receber o Prêmio Nobel de Literatura, Soyinka é um ativo militante político em seu país (o que o levou a ser preso por quase dois anos na década de 1960) e uma importante voz contra os governos tirânicos e ditatoriais, principalmente do continente africano. Em 2010, apoiou a criação de um partido de oposição ao grupo que governa a Nigéria. Também costuma apontar os riscos do fanatismo religioso, já tendo declarado inclusive que há, na Nigéria, um crescente perigo de uma nova guerra civil devido ao crescimento do extremismo religioso.
Autor de diversos títulos, já escreveu romances, poesias e peças de teatro. Além, óbvio, de manifestos e de outros textos políticos. Embora tenha recebido o prêmio máximo da literatura há 26 anos, sua obra permanecia inédita no Brasil. O Leão e a Joia, seu primeiro texto teatral, escrito em 1963, está sendo lançado na bienal brasiliense.
A homenagem a Soyinka, contudo, terminou sob o signo do constrangimento. Devido a problemas com o serviço de tradução simultânea, várias pessoas se levantaram e deixaram o auditório durante a palestra, sem chegar a entender o que o nigeriano tentava dizer sobre a presença dos negros iorubás no Brasil e as relações históricas entre a religião africana e outras religiões, sobretudo o catolicismo. O próprio Soyinka, que não deu sinais de ter percebido o mal-estar da maior parte do público, provém de uma família humilde de origem iorubá.
"As falas iniciais tinham que ter sido mais curtas porque a figura da noite era o homenageado. Senti que houve um uso do espaço para debater assuntos que não têm que ver com o evento. Isso para não falar do problema da tradução. Vim para conhecer o autor e o contexto da literatura africana, mas estou saindo frustrada. Espero que isso não volte a acontecer nas próximas palestras em que for necessária tradução", disse a servidora pública Valéria Lima.
"Ele [Soyinka] deu uma aula, mas a tradução foi lamentável, um constrangimento. Perdi muito do conteúdo porque falo e entendo mal o inglês. Já as vaias fazem parte de qualquer manifestação e é bom que as pessoas possam se manifestar politicamente, mas acho justa a homenagem da Câmara Legislativa [ao autor] e o fato de nossos representantes participarem da vida social da cidade", comentou o cineasta Renato Barbieri.
"Estou desde cedo prestigiando a programação e tinha uma grande expectativa em relação à palestra [de Soyinka], mas ela ficou prejudicada pela tradução. Não consegui acompanhar e entender nada", afirmou o morador do Guará, Deusaniro Júnior.
Com a declarada meta de transformar Brasília na "capital brasileira do livro e da leitura", a bienal tem um custo inicial estimado de R$ 6,8 milhões. Os recursos vêm dos cofres do governo distrital, do Ministério da Cultura, de patrocínios privados e de locações de estandes. A programação é toda gratuita e a expectativa dos organizadores é atrair a cerca de 500 mil pessoas durante os dez dias de evento.
Edição: Andréa Quintiere