Isabela Vieira
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro – A exibição de peças trazidas da África para o Brasil, por negros escravizados no início do século 20, está em estudo pela prefeitura da capital fluminense. Um grupo de trabalho formado por historiadores e ativistas, que será anunciado amanhã (16), terá 30 dias para apontar qual a melhor forma de mostrar ao público objetos encontrados durante escavações para as obras de revitalização no sítio do Cais de Valongo, na zona portuária.
Coordenado pela Subsecretaria de Patrimônio Cultural, o grupo de trabalho se debruçará sobre as milhares de pequenas peças encontradas no cais, que estão guardadas no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Desde fevereiro deste ano, arqueólogos da instituição encontraram no local – principal ponto de desembarque de escravos no Rio – búzios, cachimbos, pedrarias, louças, ornamentos e uma infinidade de objetos de uso religioso.
De acordo com o subsecretário da pasta, Washington Fajardo, não está nos planos da prefeitura a construção de um museu. Uma alternativa seria a exposição de peças no Centro Cultural José Bonifácio, na própria zona portuária, e que entra em restauro nos próximos dias. No entanto, ele mesmo pondera que o prédio fica "um pouco afastado" do local onde os objetos foram encontrados. "Seria interessante colocar [as peças arqueológicas em exposição] a essa distância? Essa é uma decisão que precisa ser tomada", disse.
O representante do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos do Negro (Comdedine) e integrante do grupo de trabalho, Giovanni Harvey, disse que, para decidir sobre como expor parte das peças, é preciso analisá-las "para não criar algo dissociado do contexto". "Por enquanto só há hipóteses", disse. Com a supervalorização dos terrenos na região, Harvey acredita ser possível a "ressignificação de um espaço público existente", mas não descarta a proteção do sítio histórico.
Uma das propostas é fazer do Cais do Valongo algo semelhante ao African Burial Ground, em Nova York, nos Estados Unidos, onde um antigo cemitério de negros livres e escravizados, ao ser descoberto, foi transformado em monumento. "Temos que ter alguma intervenção arquitetônica no conceito ‘menos é mais’, senão, o cais vai se degenerar", observou. Ele avalia que, assim como os portos de partida, os portos de chegada de africanos escravizados também devem ser transformados em patrimônio.
"A ilhas de Gorée, no Senegal e a de Santiago, em Cabo Verde, entrepostos de negros para o tráfico entre a África e as Américas, foram declaradas patrimônio da humanidade pela Unesco [Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura]. É preciso neste momento reconhecer a relevância do porto de chegada", acrescentou Giovanni, em referência ao Cais do Valongo.
Na tentativa de preservar a memória africana na zona portuária, a Subsecretaria do Patrimônio também pretende organizar um roteiro cultural na região. Partindo do Cais do Valongo, a ideia é estimular visitas ao Instituto dos Pretos Novos, um sítio arqueológico sobre um antigo cemitério de escravos, que também passará por reformas, ao Centro Cultural José Bonifácio e à Pedra do Sal – monumento que remete aos primeiros trabalhadores do cais, à religiosidade e à cultura negra.
Edição: Lana Cristina