Vinicius Konchinski
Repórter da Agência Brasil
São Paulo – O mesmo protozoário que causa a doença de Chagas pode ser também um agente decisivo no combate a outras doenças cardíacas. Uma pesquisa do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-USP) aponta o Trypanosoma cruzi como o gerador natural do que pode vir a ser um novo remédio contra o acúmulo de colesterol em veias e artérias.
O Trypanosoma cruzi é produtor de uma enzima chamada transialidase. Estudos feitos ao longo de quase dez anos pelo InCor-USP já comprovaram que, em animais, essa enzima faz com que placas de colesterol fixadas nas artérias se desmanchem, reduzindo assim o risco de enfartes.
As pesquisas sobre a enzima são coordenadas pela diretora do Laboratório de Inflamação e Infecção do InCor-USP, Maria de Lourdes Higuchi, que se dedica, desde o início de sua carreira como pesquisadora, a estudar a doença de Chagas.
Ao longo de anos de trabalho, Maria de Lourdes percebeu que os doentes de Chagas tinham uma vantagem em relação a outras pessoas e isso chamou a sua atenção. “Nenhum doente tinha histórico de aterosclerose [acúmulo de colesterol nas veias]”, disse ela. “Resolvemos então começar a estudar os motivos disso.”
Nesses estudos, a pesquisadora descobriu que a enzima transialidase, produzida pelo Trypanosoma cruzi, “rouba” das células humanas ácido siálico. Esse ácido ajuda as bactérias a se unir ao colesterol e se prender nas paredes arteriais, formando blocos de gordura. Sem ácido siálico nas células, porém, as placas de gordura se desmancham.
Segundo Maria de Lourdes, a ação da enzima no combate ao acúmulo de colesterol já foi testada e confirmada em coelhos. A pesquisadora, agora, busca recursos para iniciar estudos sobre seus efeitos em pessoas com problemas cardíacos.
“Se tivéssemos uma condição ideal de trabalho e o apoio de uma grande empresa, poderíamos terminar as pesquisas em três ou quatro anos”, contou. “Estamos atrás do financiamento.”
O cardiologista José Antônio Ramires, diretor da Divisão de Cardiologia Clínica do InCor-USP, disse que espera que esse financiamento venha em breve pois o tratamento a partir da transialidase pode ser “uma mudança de paradigma”. “Seria um grande benefício para os pacientes”, disse.
De acordo com Ramires, cerca de um terço das mortes registradas no Brasil é causada por doenças cardíacas. Dessas mortes, metade se deve à aterosclerose.
Estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam ainda que esses números tendem a aumentar no país. Segundo Ramires, com isso, o Brasil deve ser a nação com maior número de mortes por doenças cardíacas até 2030.
Edição: Lílian Beraldo