Alex Rodrigues
Repórter Agência Brasil
Brasília - Coordenador nacional de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes, o procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) Rafael Dias Marques diz que as mais de 33 mil autorizações concedidas por juízes e promotores para que crianças a partir de 10 anos trabalhem é um atentado que o Estado brasileiro comete contra os direitos da infância e adolescência. A seguir, os principais trechos da entrevista de Marques à Agência Brasil.
Agência Brasil – Como o Ministério Público do Trabalho vê as autorizações de trabalho concedidas por juízes e promotores para crianças a partir de 10 anos?
Rafael Dias Marques - A Constituição Federal é clara. Ela proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos. Entre os 14 anos e 16 anos, o trabalho só é permitido na condição de aprendiz. Portanto, as autorizações são inconstitucionais e representam uma grave lesão aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes.
ABr – Há alguma brecha legal que possibilite a concessão das autorizações?
Marques – Para o Ministério Público, o texto constitucional é claro e não há brechas. No caso de atividades artísticas, há uma convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que estabelece que, observadas certas condições, é possível admitir exceções. Nos demais casos, contudo, o que ocorre é que a interpretação dos juízes [sobre a Constituição] acaba permitindo a concessão da autorização.
ABr – Como eles justificam as decisões?
Marques - Os juízes argumentam que as crianças e adolescentes têm direito à alimentação e à sobrevivência. Alegam também que os menores, na maioria dos casos pertencentes a famílias pobres e incapazes de prover sua subsistência, devem ser autorizados a trabalhar.
ABr – Qual a posição do MPT sobre isso?
Marques - Ele nos parece totalmente equivocado. É lamentável que aquilo que parece óbvio quando se lê a Constituição Federal não seja assim tão óbvio para alguns juízes e promotores. Para os órgãos de defesa da infância e da juventude, se uma família não é capaz de prover a subsistência de seus membros, cabe ao Estado assisti-la por meio de programas sociais de geração de emprego e renda. As autorizações de trabalho concedidas com o argumento de remediar a pobreza representam uma grave lesão do Estado brasileiro aos direitos da criança e do adolescente. O Estado está incentivando [os jovens a trabalhar] e isso representa não só uma violação à Constituição Federal, mas também às convenções internacionais das quais o país é signatário
ABr - Há setores da sociedade que aceitam o argumento de que é preferível uma criança ou adolescente carente estar trabalhando, mesmo que em condições precárias ou insalubres, do que estar ociosa. Como convencê-los de que essa situação é irregular e perigosa?
Marques – Basta analisarmos os números e os dados reais. Mais de 90% dos presos do Carandiru disseram em uma pesquisa que começaram a trabalhar precocemente. Se a alegação de que o trabalho infantil afasta os jovens da criminalidade fosse verdadeira, o percentual não seria esse. O argumento é altamente excludente. A partir do momento em que a sociedade pensa que a única saída para a criança pobre é o trabalho, está perpetuando o ciclo de discriminação e se acomoda, deixando de cobrar do Estado uma política de infância e juventude mais ampla e inclusiva. O trabalho precoce provoca prejuízos irreversíveis à saúde da criança e do adolescente, atentando contra seu desenvolvimento.
ABr - O que o Ministério Público tem feito para reverter esse quadro?
Marques – Politicamente, temos provocado o Conselho Nacional de Justiça [CNJ] e o Conselho Nacional do Ministério Público [CNP], órgãos de controle da magistratura e dos promotores, para que disciplinem a questão. O CNP já expediu uma resolução nesse sentido [Resolução 66/2008]. Em relação ao CNJ, ainda estamos em processo de articulação. Outra forma de atuarmos é apresentando recursos para tentar cassar as autorizações. Infelizmente, às vezes, as instâncias superiores chancelam as autorizações. Por isso, queremos uma resolução do CNJ que norteie o assunto.
ABr - Os juízes e promotores que concedem as autorizações podem ser punidos?
Marques – Infelizmente, o sistema jurídico não prevê punição para os membros do Judiciário nesses casos, mas apenas a reversão das decisões.
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Edição: João Carlos Rodrigues