CPI do Tráfico de Pessoas ouve bolivianos sobre denúncia de trabalho escravo em São Paulo

17/10/2011 - 19h57

Elaine Patricia Cruz
Repórter da Agência Brasil

São Paulo - A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Tráfico Nacional e Internacional de Pessoas do Senado esteve hoje (17) em São Paulo para ouvir três trabalhadores bolivianos sobre denúncias de trabalho escravo em uma confecção que fabricava peças de roupa para as lojas Zara. Os parlamentares também tomaram os depoimentos de duas pessoas sobre tráfico de pessoas para exploração sexual. Os depoimentos ocorreram sob sigilo, na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).

“Os poucos estudos existentes [sobre o tema] colocam São Paulo como um centro receptor muito forte, principalmente para o trabalho escravo e prostituição”, disse a presidenta da CPI, senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB). De acordo com ela, os depoimentos indicaram a existência de bolivianos contratando outros bolivianos para trabalhar no Brasil em condição análoga à escravidão. “O que precisamos deles [dos bolivianos que foram ouvidos] são os contatos dessas pessoas. Como esses colombianos ou bolivianos chegam aqui? Com que promessa eles chegam aqui? Duvido que eles venham para cá sabendo que vão trabalhar 16 horas por dia”, completou.

De acordo com o padre Roque Pallussi, coordenador do Centro de Apoio ao Migrante, o tráfico de pessoas é o terceiro mercado mais rentável do mundo, atrás apenas do tráfico de drogas e de armas. Ao falar na audiência pública realizada na tarde de hoje (17) na Alesp, o padre disse que grande parte dos imigrantes que chega ao país – vindos principalmente da China, Coreia, Bolívia, do Paraguai e Haiti – tem como destino a cidade de São Paulo para trabalhar principalmente em confecções. “Cerca de 80% vão para a área de fast fashion [moda rápida], que é o trabalho na costura, mas de rápida produção”, disse. Segundo ele, os trabalhadores dessas confecções têm seis meses descontados de trabalho como parte do pagamento de dívida que contraem com o transporte para o Brasil.

Pallusi defendeu ainda que o combate ao tráfico de pessoas passe, primeiramente, por um plano de educação tanto no Brasil como no país de origem de pessoas vítimas do tráfico, além de campanhas de informação sobre o problema, legislação mais dura para os traficantes, existência de uma rede integrada internacional de combate ao tráfico e melhor preparação das forças policiais que atuam na fronteira.

Este ano, segundo Carlos Eduardo Pellegrini, delegado da Superintendência Regional da Polícia Federal (PF) em São Paulo, 22 inquéritos foram instaurados no estado para investigar o tráfico internacional de pessoas. “A estatística da Polícia Federal de tráfico internacional de pessoas, aponta que, em 2010, foram instaurados 74 inquéritos [em todo o Brasil] e, em 2009, 43 inquéritos. Na história da Polícia Federal, nestes 20 anos, tivemos 867 inquéritos por tráfico internacional de pessoas”, disse.

Ao falar na audiência pública, o delegado da Polícia Federal declarou que o maior desafio do órgão é investigar a entrada de pessoas no país. Pellegrini também disse que é preciso que o país dê mais efetividade aos tratados internacionais aos quais aderiu. “Precisamos buscar instrumentos jurídicos. Por exemplo: o tráfico internacional de órgãos. O Protocolo de Palermo retrata essa situação, o Brasil aderiu a ele mas ainda não houve aplicação efetiva sobre isso”.

Segundo o delegado, um aspecto positivo é a proposta da Polícia Federal de criação de uma delegacia especializada em direitos humanos, que está sendo analisada pelo Ministério da Justiça. “Isso deve facilitar e dar mais eficácia ao tratamento dos crimes de tráfico de pessoas”, disse.

Para a senadora Vanessa Grazziotin, falta também uma legislação específica para o tema. “A legislação [existente hoje] é muito dispersa, e não trata muito da penalidade. Primeiro temos que juntar tudo [na CPI], fazer um apanhado de que temos e propor uma legislação mais forte. Temos que colocar a polícia para agir na porta de entrada [do tráfico]”, defendeu.

Já o senador Paulo Davim (PV), integrante da comissão, disse que faltam também políticas públicas para evitar o tráfico de pessoas. “Ninguém sairia da Bolívia para São Paulo, submetido a um trabalho análogo ao escravo, se lá tivesse políticas sociais estáveis que dessem condições de segurança para si e para sua família. O mesmo ocorre nas regiões Norte e Nordeste. Se essas pessoas tivessem políticas sociais que dessem a estabilidade que ele e a família precisam, seguramente não viriam para São Paulo a fim de se submeter a essa forma de trabalho”, declarou o senador.

A CPI do Tráfico Internacional de Pessoas foi a primeira a ser aprovada na atual legislatura. Ela foi instalada no dia 27 de abril com a intenção de fazer um mapeamento da situação do tráfico de pessoas no país, mudar a legislação para tipificar o crime de tráfico e contribuir para a formulação de políticas públicas e campanhas educativas para tentar acabar com esse tipo de crime no país. Até o momento, a comissão já realizou diligências em Manaus, Belém, Salvador e no Rio de Janeiro. Há previsão de que ela ainda ocorra nas cidades de Goiânia, do Amapá, de Recife e Campo Grande.

 

Edição: Aécio Amado