Marcos Chagas e Daniella Jinkings
Repórteres da Agência Brasil
Brasília - A saúde pública brasileira pode ser considerada um exemplo da necessidade de o Estado investir mais no Sistema Único de Saúde (SUS) e nas universidades federais e estaduais para garantir uma das necessidades básicas do cidadão e assim que ele busque sua felicidade. A especialista em transtornos afetivos e coordenadora do laboratório de psiquiatria da Universidade de Brasília (UnB), Maria das Graças de Oliveira, destacou que a rede pública enfrenta um quadro “caótico”, o que inviabiliza, por exemplo, o tratamento de cerca de 12,4 milhões de pessoas com uma doença conhecida como transtorno bipolar.
Esse transtorno afetivo é caracterizado por uma oscilação brusca de humor, quando passam por momentos de “pseudofelicidade” ou euforia, para logo depois entrar em depressão. A psiquiatra disse que do total de pessoas com transtorno bipolar, 1,8 milhão sofre do tipo 1 da doença, o estágio mais grave.
“Na verdade, nem os serviços públicos nem os serviços privados tem capacidade de atender a um contingente desses. Não tem serviços de saúde mental para todo mundo”, ressaltou a médica.
Maria das Graças acrescentou que a maioria dos brasileiros, principalmente os mais pobres, portadores do transtorno bipolar não contam com atendimento ambulatorial e, muito menos, psicoterapia. Para dar essa oportunidade de atendimento pelo SUS, seria necessário investimentos maciços nos hospitais públicos e universitários, especialmente em equipamentos de alto custo no mercado.
A coordenadora do Laboratório de Psiquiatria da UnB cobrou das próprias universidades públicas a responsabilidade por pesquisas de desenvolvimento de tecnologias que permitam “abordagens psicossociais” mais viáveis economicamente para atender um número maior de pacientes bipolares que vivem momentos de uma “felicidade artificial”. “É óbvio que a indústria farmacêutica não vai fazer isso, ela vai pesquisar medicamentos. Quem tem que pesquisar [isso] somos nós da universidade. Eu diria que temos o dever ético de fazê-lo”.
Pesquisas científicas demonstram que essa doença, que oscila entre momentos de euforia e depressão, geralmente é diagnosticada com mais precisão entre os 18 e 25 anos. Segundo ela, estudos mais recentes mostram que, em muitos casos, os portadores da bipolaridade já apresentam os sintomas de um humor patológico desde a infância.
Essa pseudofelicidade, no caso do transtorno bipolar, é caracterizada por estados de impulsividade, arrogância, pensamento acelerado, fala rápida e com atropelo de palavras sem permitir a terceiros participarem da conversa, pouco período de sono e, o mais grave, atos de inconsequência que lhe trazem repercussões negativas a curto prazo.
Maria das Graças aposta nas trocas de experiências entre as pessoas com bipolaridade, pela formação de grupos de apoio, criando uma “rede de proteção”, em que a pessoa e seus familiares se sintam acolhidos. Ela foi uma das responsáveis por viabilizar, em 1999, a Associação Brasileira de Familiares Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata) que atua no Hospital das Clínicas de São Paulo.
“O motivo é sentir que você não está sozinho no mundo. Isso já é muito bom. Já tem, psicologicamente um efeito de proteção coletiva”, disse a psiquiatra. Ela acrescentou que o grupo funciona como uma forma de o paciente aprender a lidar melhor com a doença, a partir das experiências de outra pessoa.
Um grupo parecido atua a cerca de dois anos em Brasília, é o Núcleo de Mútua Ajuda a Pessoas com Transtornos Afetivos (Apta), também concebido por Maria das Graças e outros profissionais da Faculdade de Medicina da UnB. Os integrantes reúnem-se todos os sábados, entre as 15h e as 16h30. Para participar dos encontros, basta entrar em contato com a Faculdade de Medicina pelo telefone (61) 3107-1978.
Edição: Talita Cavalcante