Testemunhas ouvidas pela Justiça dizem que Ustra comandou torturas que causaram a morte de Luiz Eduardo Merlino

27/07/2011 - 20h18

Elaine Patricia Cruz
Repórter da Agência Brasil

São Paulo - O coronel reformado do Exército, Carlos Alberto Brilhante Ustra, ordenou as sessões de tortura que levaram o jornalista Luiz Eduardo Merlino à morte, em julho de 1971, durante a ditadura militar, foi o que disseram as testemunhas de acusação ouvidas na tarde de hoje (27) pela juíza Claudia Lima, da 20ª Vara Cível de São Paulo, no centro da capital paulista. Ustra foi comandante do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operação de Defesa Interna (DOI-Codi) do 2º Exército, em São Paulo.

“Foi uma prova irrefutável da então participação do major Ustra [na época Ustra era major] no comando dessas torturas abomináveis. Não houve contradição entre as testemunhas”, disse Joel Rufino dos Santos, uma das testemunhas e que trabalhou com Merlino no Jornal da Tarde, de São Paulo. Em seu depoimento, Santos declarou que, quando foi preso, o jornalista já havia morrido. Mas um dos torturados, conhecido na época como Oberdan [Santos não soube dizer se este era um nome ou um apelido], fez-lhe um relato sobre os últimos momentos de vida de Merlino.

“Depois de uma tortura implacável no pau de arara, ele [Merlino] foi mandado para um hospital e, para salvá-lo, teriam que amputar as pernas. Mas os torturadores decidiram não fazer isso e o deixaram morrer”, contou-lhe Santos, que também disse ter sido torturado pessoalmente por Ustra enquanto esteve preso. “Ele era o comandante das torturas. Ele me torturou pessoalmente”.

“Ele (Ustra) não só tinha ciência, como era o mandante. Era chamado de major. A tortura aliviava ou aumentava dependendo da autorização dele”, declarou a professora Eleonora Menicucci de Oliveira, que esteve presa por três anos e oito meses durante a ditadura militar. Assim como Merlino, Eleonora foi militante do Partido Operário Comunista (POC). Ela declarou à juíza ter presenciado uma das sessões de tortura a que o jornalista foi submetido. “Numa das torturas de Merlino, eu estava presente. Eu estava na cadeira do dragão e ele, no pau de arara. O Ustra entrou e saiu da sala várias vezes”, disse, ressaltando que “Merlino foi assassinado sob tortura na Operação Bandeirante entre os dias 14 e 16 de julho de 1971”.

A também militante do PCO, Leane de Almeida, que esteve presa na mesma época do jornalista, disse ter ouvido Merlino gritar por três dias após sessões de tortura. E que viu Merlino ser colocado no porta-malas de um carro no dia em que ele morreu.

O ex-ministro dos Direitos Humanos Paulo Vannuchi foi mais uma das testemunhas ouvidas pela juíza. Ao sair da a 20ª Vara Cível, Vannuchi falou sobre o depoimento que deu e disse que relatou ter visto o jornalista ser levado para perto de sua cela, onde foi atendido por um enfermeiro. “Um jovem foi trazido e deitado numa mesa, para receber uma massagem de um enfermeiro que usava uma calça oliva e usava um nome boliviano. Essa massagem ocorreu na porta da minha cela por cerca de uma hora, a 1 metro de distância. Quando o enfermeiro se afastou, perguntei o nome dele e ele respondeu: Merlino”, disse Vannuchi.

Segundo o ex-ministro, que na época era estudante de medicina, a massagem estava sendo feita em uma das pernas de Merlino, que “tinha um quadro de cor escura [na perna], a chamada cianose, com risco de gangrena”. Vannuchi disse ainda que Ustra comandou todas as sessões de tortura a que ele foi submetido, em fevereiro de 1971, quando esteve preso.

Para Vannuchi, o julgamento deste caso pode fazer com que o Supremo Tribunal Federal (STF) reveja sua decisão sobre a Lei da Anistia. "Essa ação de hoje é civil. E uma condenação civil já quebra a impunidade. É uma declaração que pode declará-lo torturador e responsável pelas mortes, obrigando o Supremo a refletir se deve manter a decisão do ano passado ou reformá-la", disse.

Esta é a segunda ação movida pela família de Merlino contra Ustra. A primeira, que pretendia declarar Ustra torturador, foi extinta em 2008. Esta, que reclama danos morais, está sendo movida pela irmã de Merlino, Regina Merlino Dias de Almeida, e pela ex-companheira do jornalista, Angela Mendes de Almeida.

“O objetivo não é ter uma indenização. O objetivo é ter reconhecimento do Estado e da responsabilidade do coronel Ustra no assassinato de Merlino”, disse a jornalista Tatiana Merlino, sobrinha de Merlino. Segundo ela, o valor da indenização, caso a ação seja vitoriosa, será determinado pela própria juíza e o dinheiro será doado para uma instituição de direitos humanos.

“Não é o julgamento que vai tirar a dor. Além disso, esta luta não é só por esse morto, mas também pelos mortos de hoje, já que a polícia continua matando e torturando”, disse Angela Mendes de Almeida.

À Agência Brasil, o advogado do coronel Ustra, Paulo Alves Esteves, disse que seu cliente reafirma que “jamais participou de qualquer ato de agressão ou de violência contra qualquer pessoa tanto em sua vida civil como profissional” e que “nunca determinou nada contra ninguém”. O advogado reafirmou que as testemunhas de defesa de Ustra, vão prestar depoimento por carta precatória. As testemunhas arroladas pela defesa são o atual presidente do Senado Federal, José Sarney, o ex-ministro Jarbas Passarinho, um coronel e três generais da reserva do Exército.

 

Edição: Aécio Amado