Isabela Vieira
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro - Fazer com que pessoas com transtornos psíquicos possam ter uma vida comum, perto das famílias, da sociedade e das opções de lazer, longe das casas de internação, é o trabalho ao qual se dedica a psicóloga Gina Ferreira, 62 anos. Na década de 1990, ela criou um projeto que inspirou um dos principais programas do governo federal para reduzir as internações, o De Volta para Casa.
Tudo começou na prefeitura de Angra dos Reis, no sul fluminense. Em uma tentativa inédita de aproximar as famílias (a maioria pobres) de pacientes que ficavam até 16 anos internados, ela começou uma técnica terapêutica para dar autonomia às pessoas em tratamento. Por outro lado, foi atrás das famílias para mostrar que, com o apoio do sistema de saúde e a ajuda econômica, era possível conviver com os parentes que apresentavam transtornos.
”Primeiro, fomos aos hospitais, conversamos com as equipes e propusemos uma estratégia de retorno, porque os pacientes que ficam muito tempo internados precisam disso”, conta. Depois, foi de porta em porta ver em que condições estavam as famílias. Com apoio de vários órgãos da prefeitura, como de assistência social, levou programas de moradia popular, atendimento em saúde, de distribuição de cestas básicas e ajudou a reestruturar vários núcleos.
“Não se tratava de levar os pacientes para casa de um dia para o outro e dizer 'toma que é seu parente'. Começamos todo um trabalho para nos aproximar e aproximar as famílias dos pacientes”, explica a psicóloga.
Ela e a equipe promoveram encontros, passeios turísticos e visitas até que todos se sentissem bem para poder voltar a conviver. “Não foi fácil porque encontramos famílias que desistiram ou que não queriam de jeito nenhum aceitar os pacientes de volta.”
Diante da situação e convicta de que as internações de longo prazo eram prejudiciais, tentou uma nova estratégia. Apostou que, com uma certa autonomia, adquirida nas técnicas de "desinstitucionalização", muitos dos internados podiam viver em grupos ou sozinhos, sempre com apoio de uma equipe de saúde e da comunidade.
“Deparamos com a situação de dois irmãos que não tinham sido aceitos pelas famílias, mesmo depois de tudo. Estavam um pouco frustrados e precisávamos dar um jeito. Demos. Outro paciente com mais autonomia aceitou hospedá-los até a prefeitura construir uma casa para eles”, conta. “Deu certo. Com a casa pronta, até a família passou a visitá-los.”
Com acompanhamento em saúde, ajuda em relação à comida e assistência social, os pacientes em Angra dos Reis deixaram de ser vistos como um problema para as famílias em poucos anos.
Além de reconhecimento internacional, a psicóloga viu o projeto ser adotado pelo Ministério da Saúde, em 2003. O governo federal passou a pagar auxílio de R$ 320 para pacientes internados por no mínimo dois anos. Essa ajuda integra o processo de reabilitação, que inclui ainda o atendimento nos centros de Atenção Psicossocial (Caps), o retorno às famílias ou a ida às residências terapêuticas. O dado mais recente mostra que o programa De Volta para Casa atende 3.445 pessoas.
Atualmente, a psicóloga Gina Ferreira coordena o projeto Cinema na Praça, em Paracambi, no interior do Rio, com o objetivo de integrar os pacientes da Casa de Saúde Dr. Eiras à sociedade. A instituição é o maior hospital psiquiátrico privado da América Latina e está sob intervenção municipal. “É preciso criar uma rede de saúde comunitária e transformar essa cultura da exclusão.”
Edição: Juliana Andrade e Lílian Beraldo//Matéria alterada para corrigir informação.