Vitor Abdala
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro – Apesar de ser uma legislação reconhecida internacionalmente como “avançada”, o Estatuto das Cidades brasileiro, aprovado em 2001, ainda não se traduziu em melhorias efetivas para as cidades do país. Essa foi uma das constatações de um painel que discutiu o estatuto no Fórum Urbano Mundial das Nações Unidas (ONU), na tarde de hoje (22), no Rio de Janeiro.
Segundo a pesquisadora Ermínia Maricato, do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da Universidade de São Paulo (USP), o estatuto (Lei 10.257, de 2001) é uma legislação “avançada” para uma sociedade “excludente e conservadora”. “As cidades brasileiras não estão melhorando e as últimas chuvas mostraram isso. Temos, por exemplo, grandes problemas em transporte coletivo e drenagem”, disse.
O principal ponto do Estatuto das Cidades discutido durante o painel foi a questão da definição de “função social da propriedade urbana”, que prevê que um imóvel que não cumprir uma função social pode ser objeto de desapropriação, para fins de moradia popular.
De acordo com Ermínia, um dos problemas do estatuto é que ele não prevê o que é uma “função social”, já que isso deverá ser definido pelos planos diretores de cada município. “Na maior parte das cidades que eu conheço, nós estamos estacionados aí [na fase do plano diretor]”, disse.
Para o secretário nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, Celso Carvalho, o Estatuto das Cidades poderia ter sido aplicado de forma mais eficaz se a “função social” fosse definida por um critério nacional, em vez de critérios municipais.
Mas Carvalho acredita que, já que os municípios ganharam essa incumbência legal, o governo federal e os estados deveriam ajudar nessa tarefa. “O Estatuto das Cidades joga para o município a tarefa de fazer a intervenção no mercado privado de terras. Portanto, falta que o governo federal e os estados apoiem os municípios e a organização popular para que, na luta pelo plano diretor, se consiga implantar esses instrumentos”, disse o secretário.
Segundo ele, o Ministério das Cidades tem procurado ajudar os municípios nessa tarefa e que algumas cidades já conseguiram, em seus planos, criar áreas de interesse social para fins de moradias populares.
Ele explicou que um estudo do ministério, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), está sendo feito para avaliar os planos diretores de 500 municípios e saber como está sendo aplicado o Estatuto das Cidades nessas áreas.
O mexicano Carlos Morales-Schechinger, do Instituto de Estudos em Habitação e Desenvolvimento Urbano da Universidade Erasmus, de Roterdã, na Holanda, classificou o Estatuto das Cidades como “a melhor lei do mundo”, mas disse que o Brasil tem o grande desafio de provar que esse estatuto pode ser aplicado.
“Não vejo muita coisa acontecendo. Por exemplo, ninguém está aplicando o IPTU progressivo [aumento progressivo do Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana para punir propriedades sem função social]. Por favor [Brasil], não nos desaponte”, disse o pesquisador mexicano, que é especialista em políticas de terra.
De acordo com William Cobbett, gerente da entidade internacional Cities Alliance (Aliança das Cidades), ligada ao Banco Mundial, o Estatuto das Cidades costuma ser mais criticado pelos brasileiros do que pelos estrangeiros, que consideram a lei brasileira um bom exemplo de regulamentação urbana.
“O mundo exterior tem uma boa impressão do Estatuto das Cidades, mas os brasileiros não. Os brasileiros não estão satisfeitos com o progresso do estatuto. Os brasileiros pensam: sim, é uma boa legislação, mas ele não está mudando nossas cidades do jeito que pretendíamos”, disse Cobbett.