Ana Luiza Zenker
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Tiago tem 22 anos. Há três, depois de uma luxação no cristalino de um dos olhos e de passar por vários médicos, entre geneticistas e oftalmologistas, foi diagnosticado que ele tem homocistinúria - uma doença considerada rara decorrente de um erro inato no metabolismo.Os testes Instituto de Genética e Erros Inatos do Metabolismo (Igeim), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mostraram que ele não respondia adequadamente a um dos medicamentos mais baratos, a peridoxina e que ele deveria tomar uma fórmula de complementos alimentares. De acordo com a mãe, Simone Allan Arede, cada lata do medicamento custa R$ 1 mil. Por mês, Tiago - que por causa da doença não pode comer pão, nem carne, entre outros alimentos - consome sete latas da fórmula.Ainda em 2006, a família entrou na Justiça para conseguir que o Sistema Único de Saúde (SUS) fornecesse a medicação, já que a homocistinúria ainda não tem um protocolo clínico definido e, conseqüentemente, os remédios para o seu tratamento não estão na lista do Ministério da Saúde. No entanto, mesmo com a tutela antecipada de uma juíza, o fornecimento da fórmula ainda não foi garantido para Tiago. “Aí começou a burocracia, de chegar lá e não receber o remédio”, relata a mãe.De acordo com ela, ainda que o estado do Rio de Janeiro, onde a família mora, pague o deslocamento para o tratamento em São Paulo, nem os medicamentos mais baratos são fornecidos. “O que acontece é que eles [estado e município] vão empurrando um para o outro, eles enrolam”, reclamaSegundo Simone, o governo argumenta que, além de ser de alto custo, a medicação é de difícil importação. Simone diz também que, dos pacientes com a mesma doença com quem ela tem contato, nenhum recebe a fórmula de forma correta. “Às vezes a gente recebe dois, três meses seguidos, aí fica seis sem receber, não tem todo mês certinho, não consegue fazer um tratamento certinho, como tem que ser”, lamenta.Para Simone, o principal problema é a falta do protocolo clínico, que define um procedimento-padrão no diagnóstico e tratamento da doença e determina que medicamentos devem ser utilizados pelo paciente, incluindo as dosagens indicadas.De acordo com o promotor de Defesa da Saúde do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), Jairo Bisol, numa situação dessa, de ausência de protocolo, uma das saídas é justamente procurar o Ministério Público, seja para, num primeiro momento, tentar uma solução administrativa, diretamente com o gestor do sistema de saúde, seja para judicializar a questão. Ele lembra que, para isso, a primeira opção é buscar um advogado particular, no caso de famílias que possam arcar com os custos, ou a defensoria pública. Ele lembra, no entanto, que mesmo não havendo nenhuma das duas possibilidades, ainda assim é possível buscar o MP.“O Ministério Público também tem a obrigação de encaminhar o problema para o gestor, para as instâncias do sistema que são capazes de oferecer uma resposta para os casos futuros. O sistema tem que ter essa abertura para uma permanente renovação, adequação à realidade e o cumprimento da sua função de oferta de ações de serviços de saúde”, afirmou.O promotor admite que um certo enrijecimento do sistema de saúde é um problema já constatado pelo MP, de cristalização dos protocolos clínicos. “Mas isso faz parte da luta, isso faz parte da construção do SUS, ele não é um sistema pronto, não é um sistema definitivamente implantado, tem uma série de problemas ainda a serem enfrentados. Um deles é essa agilidade maior do sistema em adaptar os seus protocolos clínicos à casuística das doenças raras, então me parece que é um interesse público bem claro aí que deve ser manejado, defendido pelo Ministério Público”, defende.Uma outra dica de Bisol para as famílias que enfrentam esse tipo de problema é se unir em associações, “para que busquem, na união delas, uma maior força política, que pressione o sistema a sair da inércia e buscar respostas para o tratamento que elas demandam”.No entanto, mesmo orientando os pacientes a buscar a Justiça, o promotor também ressalta que o sistema tem que se proteger da ação de quadrilhas que utilizam desse expediente para desviar recursos do SUS por meio de medicamentos e procedimentos de alto custo. “É importante salientar que esse problema é delicado porque tem uma dupla face. De um lado a necessidade de garantir os procedimentos de atenção à saúde desses cidadãos portadores de doenças raras, porque eles têm esse direito; de outro a necessidade de proteger o sistema da destruição, dos assaltos de quadrilhas organizadas, de máfias ou então de uma avalanche descriteriosa de medidas liminares que impedem o gestor de conseguir o melhor equacionamento na aplicação dos recursos de que ele dispõe”, concluiu.