Interesses privados no espaço público

20/02/2009 - 11h25

Paulo Machado
Ouvidor Adjunto da EBC
Brasília - As políticas públicas chegam até os cidadãos por meio deserviços públicos, sejam eles prestados diretamente pelo Estado ou outorgadospor este a empresas privadas, cabendo à mídia a função de verificar como sãoexecutados, informando aos   cidadãossobre sua eficiência e eficácia em atingir as metas e os objetivosestabelecidos e em atender às necessidades das populações a que eles sedestinam. Assim, a mídia, seja ela privada, estatal ou pública, torna-se umespaço para argumentação e discussão das políticas públicas em face dosinteresses dos cidadãos em busca do bem-estar comum.Na Agência Brasil,como agência pública de notícias, essa missão torna-se imprescindível, poisnenhuma outra agência tem condições de fazer esse papel de verificação comtanta liberdade e isenção, uma vez que ela não depende do patrocínio deempresas privadas para sobreviver. São todos, os cidadãos que pagam por suamanutenção, e, portanto é um espaço público que não pode ser utilizado paradiscutir o interesse de alguns “privilegiados” em detrimento do interesse detodos.  Foi contra o que considerou uso indevido do espaço públicoque protestou o leitor Victor Santos Vigneron em sua mensagem enviada àOuvidoria, em 29 de janeiro, referindo-se à matéria Oi determina fim de multa por rescisão decontrato ou mudança de planos”. Segundo ele: “esse texto está um pouco fora do lugar numa agência pública denotícias. Parece até uma propaganda institucional da empresa! Frases como “A Oijá tinha sido pioneira (...)” só reforçam a sensação de que a notícia serveantes à empresa do que à função informativa (pública!) da EBC. O tema da portabilidade numérica aparece apenas de formamarginal.”Em resposta ao leitor aABr argumentou que: “Acreditamos que a notícia de que uma operadora detelefonia tenha tomado uma atitude que beneficia os consumidores, como o fim depagamento de multa por rescisão de contrato, interessa a todos os cidadãosbrasileiros, especialmente aos leitores da AgênciaBrasil. [...]Nesse sentido, informar os cidadãos das oportunidades que lhessão oferecidas é dever de uma agência pública.Não podemos esquecer de que as empresas de telefonia são concessões públicas e,na condição de  operadoras deste serviço, é direito do cidadão ter acessoàs informações sobre inovações tecnológicas das empresas. Como nenhum cidadãoconsegue viver hoje sem telefone, é seu direito saber se a tarifa cobrada pelosserviços é adequada à tecnologia oferecida pela empresa. O início da vigênciada portabilidade numérica trouxe grandes benefícios aos consumidores, poispermitiu a troca de operadora com a manutenção do número do telefone. Porém, asregras não prevêem o fim da multa por rescisão de contratos de fidelidade, oque dificulta ao cidadão exercer plenamente a sua liberdade de escolha.Ainformação de que a empresa de telefonia Oi “já tinha sido pioneira aoestabelecer a venda de aparelhos desbloqueados” serve para informar aosleitores qual a política da empresa, e para não fazer “propaganda institucional”.É preciso muito cuidado ao se discutir interesses privadosem espaços públicos. A abordagem de um assunto a partir do ponto de vista deuma única fonte é, por si só, parcial e tendenciosa. Geralmente faz o leitordesconfiar do por quê ouviu-se apenas um diretor de uma empresa privadaempenhado em promover seus produtos. Seria essa a melhor fonte para tratar daquestão?O direito à portabilidade (possibilidade de mudança deoperadora, de plano de serviço ou de local de instalação de um telefone, semter que mudar de numero) abordado por essa única fonte faz parecer que é maisuma concessão, uma política da empresa para com seus clientes, um benefícioespecial para quem usa seus serviços, ou seja, só para alguns “privilegiados”.Continuando nesse tipo de abordagem, a Agênciadiscute o impacto da medida nas receitas da empresa. Qual é a importância dessainformação para o usuário que sabe que paga uma das tarifas mais altas do mundopor um dos serviços de pior qualidade?A ABr vinha cobrindo o assunto desde agosto do ano passado.No conjunto da cobertura foi discutida a política pública sob diferentes pontos de vista e de interesses. Mas aoretomar a questão, na matéria citada pelo leitor, em nenhum momento é lembradoque a portabilidade é uma política pública do Estado brasileiro, regulamentadapela Anatel   (http://www.anatel.gov.br), que estabelecedireitos e deveres de usuários e empresas, além de um cronograma com prazoslimites para sua implantação. Também não informa que o assunto está didaticamenteesclarecido em uma cartilha (*) disponibilizada na página eletrônica da agênciareguladora para distribuição gratuita. Os leitores poderiam ter sidoinformados, por exemplo, de que as prestadoras de serviços de telefonia  em geral, e não uma em particular, estãosimplesmente cumprindo uma determinação do governo federal, dentro do prazolegal estabelecido, e que visa a atender uma antiga demanda dos usuários contraos interesses das empresas.Ou seja, a ABrpoderia ter aproveitado a oportunidade para fazer uma avaliação sobre aimplantação dessas medidas ouvindo novamente as autoridades, usuários, órgãosde defesa do consumidor e até os representantes de empresas concessionárias,como fez no ano passado por ocasião do lançamento da discussão sobre o assunto.Dessa forma, todos os lados envolvidos estariam contemplados e o leitor poderiatirar suas próprias conclusões sobre a eficiência e a eficácia das medidastomadas pelo governo para benefício da população em geral, sob o ponto de vistade seus direitos e do bem comum e não particularmente sobre o ponto de vista deuma das operadoras sobre os “benefícios” oferecidos exclusivamente para “seusclientes”. A maneira de como enfocar um assunto pode ser decisiva para o leitorsaber se ele deve confiar ou desconfiar das informações. As recentes medidas sobre a portabilidade e o desbloqueio detelefones celulares precisam ser discutidas e avaliadas dentro de um contextomais geral. Em que medida as multas pela rescisão de contratos impedem que osusuários usufruam o direito à portabilidade numérica? Qual seria a eficáciadessa política pública em termos da qualidade dos serviços prestados e daliberdade de escolha do consumidor? Essas preocupações, presentes na respostada ABr ao leitor, estão ausentes na matéria.  Até a próxima semana.‘(*) –http://www.anatel.gov.br/Portal/verificaDocumentos/documento.asp?numeroPublicacao=124336&assuntoPublicacao=Anatel%20inicia%20implementa%E7%E3o%20da%20portabilidade%20num%E9rica%20%20&caminhoRel=null&filtro=1&documentoPath=biblioteca/releases/2006/release_30_08_2006mm.pdf