Danilo Macedo
Repórter da Agência Brasil
Brasília - A crisemundial dos alimentos, a explosão dos custos de produção,o embargo europeu à carne bovina brasileira e a maior colheitade grãos da história foram fatos que marcaram o setoragropecuário no país em 2008. O desafio agora éencontrar um novo modelo de financiamento para os produtores. Em relação à produçãode alimentos, o ano começou com características bemdiferentes das que se verificam agora, em seu desfecho. Antes era acrise dos altos preços dos alimentos, agora é aeconômica, que reduziu as fontes de crédito contratadaspelos produtores. Os custos de produção aumentaram até50% em alguns casos, influenciados sobretudo pelos fertilizantes, queatingiram, segundo classificação de representantes dogoverno e do setor produtivo, preços “abusivos”.A crise dos alimentos foi considerada a maior dosúltimos 30 anos. Uma das causas seria o aumento da demanda empaíses asiáticos, principalmente China e Índia,onde a população passou a ter acesso a produtos poucoconsumidos anteriormente, como carne. Outras causas seriam o uso domilho para produção de etanol nos Estados Unidos,algumas secas regionalizadas, devido a mudanças no clima, e oaumento do preço do petróleo, matéria-primausada na fabricação de fertilizantes. Estimulados pelos bons preços dascommodities agrícolas e com condiçõesclimáticas favoráveis, os agricultores brasileiroscolheram a maior safra de todos os tempos. Foram 143,2 milhõesde toneladas, um incremento de 9% em relação ao cicloanterior. Junto com os bons resultados no campo, uma conquista noCongresso: a Lei 11.775, sancionada em setembro, definiu as regras damaior renegociação da dívida rural jáfeita. Entraram no programa R$ 75 bilhões em débitos de2,8 milhões de contratos.O presidente da Comissão Nacional deEndividamento da Confederação da Agricultura e Pecuáriado Brasil (CNA), deputado Homero Pereira (PR-MT), disse que, apesarde não ter correspondido a todas as expectativas, arenegociação foi melhor do que qualquer contratoassinado individualmente no sistema financeiro, concedendo descontose ampliação dos prazos de pagamento. O períodopara adesão expirou no último dia 12 e os produtorestêm até o dia 31 deste mês para fazer os depósitosexigidos.Apesar de alguns produtos agrícolas teremdobrado ou até triplicado de preço, a renda dosprodutores não aumentou significativamente, justamente porcausa do novo patamar de custo de produção. O ministrodo Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, disse, em abril,que o preço dos alimentos não subiu mais, pressionandoa inflação, graças à agriculturafamiliar, responsável por 70% dos produtos consumidosinternamente. Ele avaliou, no entanto, que aquela crise duraria entrecinco e 10 anos.Em meio às incertezas quanto ao novopatamar de preço dos alimentos, o Brasil entrou na brigaglobal para defender a produção de biocombustíveisa partir da cana-de-açúcar. Vários críticosargumentaram que alimentos estavam sendo usados para a fabricaçãodo novo combustível, como é o caso do milho nos EstadosUnidos, contribuindo ainda mais para a crise. Por aqui, a crítica foi em relaçãoàs condições de trabalho empregadas na colheita.No fim de novembro, foi realizada em São Paulo a 1ªConferência Internacional de Biocombustíveis. Opresidente Luiz Inácio Lula da Silva se disse “convencido”de que o debate internacional sobre matrizes energéticas serávencido pelos biocombustíveis.Fato marcante, ocorrido no fim de janeiro, foi asuspensão das importações de carne bovinabrasileira pela União Européia, sob alegaçãode falhas no sistema de rastreamento do país, que atesta aorigem dos animais abatidos. Após o reconhecimento do problemapelo Ministério da Agricultura e a adoção demedidas para resolver as deficiências, uma centena de fazendasfoi autorizada a exportar para o bloco. Atualmente, oito estados(Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul,Goiás, Espírito Santo, Paraná e Rio Grande doSul) estão aptos, reativando um comércio que, em 2007,gerou US$ 420 milhões em dividendos para o Brasil.Depois da colheita recorde, a preparaçãopara o plantio na safra 2008-2009 foi marcada por reivindicaçõesdos produtores, que, devido à crise econômica mundial,deixaram de ter parte da produção compradaantecipadamente pelas trading companies. Esses recursosrepresentavam um terço do financiamento da safra,complementados por empréstimos do governo e por reservas dospróprios produtores.Com a nova crise, a incerteza, mais uma vez, sobresua duração, e o improvável retorno do capitalestrangeiro ao setor agrícola no mesmo volume verificado atéentão, um novo desafio se apresenta: que modelo definanciamento será adotado na agropecuária brasileira?A escassez de recursos para a agricultura e tantas incertezas devemcausar redução entre 5% e 10% no volume de grãoscolhidos no próximo ano. Diante da inviável manutençãodo modelo atual, técnicos da área econômica jácomeçaram a se reunir periodicamente para discutir possíveisalternativas. O setor produtivo ensaia uma proposta. Na apresentação do balanço doano e das perspectivas para 2009 feita pela CNA, o professor da USP econsultor da entidade Guilherme Dias afirmou que “a primeiramudança deve vir do próprio produtor, que deve seapresentar como uma firma rural moderna, capaz de sobreviver aosnovos desafios”. Ele disse ainda que, sem transparência, nãohá como montar um seguro de produção.Expansão do seguro rural, ampliaçãoda política de preços mínimos ou incorporação,pelo governo, da parte que era financiada pelas trading companies.Ninguém se arrisca a dizer qual será a saídapara uma agricultura sustentável a longo prazo no país.A única unanimidade é que o modelo atual estásuperado. Com tantas crises, no entanto, é possívelque, até o modelo ser implantado, muitas das reivindicaçõesapresentadas em 2008 se repitam ainda por algumas safras.