Presidente da Funai nega descumprimento de acordo em Mato Grosso do Sul

30/09/2008 - 6h00

Vinicius Konchinski
Repórter da Agência Brasil
São Paulo - O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), MárcioMeira, respondeu, nessa segunda-feira (29), a acusações de que não estaria cumprindo acordo firmado com o governador de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli(PMDB), sobre a realização de estudos antropológicos na região suldo estado. “Isso não é verdade”, disse ele, em entrevista à Agência Brasil.Meira reafirmou que otrabalho de antropólogos da Funai está suspenso até a publicação de uma novainstrução normativa pela fundação, assim como o acordado com o governosul-mato-grossense no último dia 15, ao contrário do que têm afirmadorepresentantes de sindicatos de produtores rurais do estado.Segundo ele, “contra-informações” têm sido criadas paraprejudicar o andamento de estudos da Funai para identificação de terrasindígenas da etnia Guarani Kaiowá. Sem citar nomes, Márcio Meira disse que algumaspessoas de má-fé também estariam aproveitando o momento eleitoral paratumultuar ainda mais a discussão sobre o assunto.“Há gente de má-fé que quer ver o circo pegar fogo,principalmente, em época de eleição”, disse ele. “Tem gente que não estáinteressada em pacificar os ânimos por lá [em Mato Grosso do Sul]Agência Brasil: Sindicatos de produtores rurais de Mato Grosso do Sul têmafirmado que os estudos da Funai não foram suspensos, como previa o acordofirmado com o governo do estado. Antropólogos da Funai teriam sido vistos naregião.Márcio Meira: Isso não é verdade. Os estudos estão suspensosaté a publicação de uma instrução normativa que vai detalhar os trabalhos.Muitos antropólogos contratados pela Funai para realizar os levantamentostambém trabalham para a fundação em outros projetos. Os antropólogos que permanecemna região estão trabalhando nesses projetos. Inclusive, a presença deles estáservindo para explicar aos índios que os trabalhos estão suspensos. Osíndios também perguntam como andam os estudos.ABr: Por que existe este desencontro de informações?Meira: Há gente de má-fé que quer ver o circo pegar fogo,principalmente, em época de eleição. Temos uma eleição daqui a uma semana. Temgente que não está interessado em pacificar os ânimos por lá [em Mato Grossodo Sul].ABr: O que a eleição tem a ver com a discussão sobre osestudos antropológicos da Funai?Meira: Os índios também votam, também têm um peso grande naseleições da região. O desencontro de informações pode criar uma contra-informação, que pode favorecer um candidato ou outro. Essa contra-informação pode também atender à vontade de um setor que não quer queo acordo dê certo.ABr: Afinal, o que foi acordado entre governo do estado eFunai?Meira: Que caberá à Funai publicar uma instrução normativaesclarecendo exatamente qual é função dos grupos de trabalho criados nasportarias publicadas pela fundação. A instrução vai servir para esclarecerpontos duvidosos. Isso foi feito porque havia um entendimento do setorprodutivo de que estss grupos estariam demarcando terras, o que não é verdade.Também ficou acordado que os grupos só vão atuar a partir do momento em queessa instrução estiver publicada.ABr: O que também foi dito e que não é verdade?Meira: Primeiro, que os grupos estariam demarcando terras em26 municípios onde eles têm que fazer os estudos, inclusive dizendo que elesestariam demarcando 12 milhões de hectares. Os grupos não demarcam nada. Tambémé preciso esclarecer que os grupos não fazem vistorias em terras privadas deninguém. As aldeias são o objeto desse estudo. Não há vistoria em nenhumapropriedade.ABr: Qual é o trabalho dos antropólogos?Meira: O trabalho é técnico para identificação de costumesdos índios para que possamos, a partir daí, definir as áreas passíveis deidentificação como terras indígenas. Mas ainda não temos nenhuma idéia daquantidade de terras que isso vai envolver. O momento seguinte, que prevê adelimitação das áreas necessárias para os índios, ocorrerá após os estudos.Nele, todos os atores terão o direito de contestar os resultados doslevantamentos.ABr: Como será feita a indenização dos proprietários? Issoentra na instrução normativa?Meira: Isso não entra na instrução normativa, até porqueexiste uma base legal que impede. O que ficou acertado no acordo é que vamosbuscar - governo de Mato Grosso do Sul e governo federal - mecanismos para que os proprietáriosde boa-fé que eventualmente sejam afetados pelas identificações possam receberpor além das benfeitorias, o que a Funai já paga.ABr: A Constituição não veda o pagamento de indenização quenão seja pelas benfeitorias?Meira: O que a Constituição reza é que cabe à Funai pagar asindenizações pelas benfeitorias de boa-fé. Isso cobre só a casa, cabeças degado, plantação etc. Não cobre a terra. O que estamos discutindo é como oestado de Mato Grosso do Sul pode definir outra forma de indenizar os proprietários pela terra. Os proprietários foram levados lá pelo processo decolonização do estado de Mato Grosso, na época de Getúlio Vargas. Se foi oestado que fez isso, o próprio estado pode definir uma forma de indenização pordanos que esses proprietários tiverem. O Rio Grande do Sul, por exemplo, pagouas indenizações que vão além das benfeitorias. A Constituição impede que aFunai pague, mas não impede que os estados paguem.ABr: A situação dos índios Guarani Kaiowá está entre aspiores do país?Meira: Há outras regiões do Brasil onde a violência contraos índios é muito grave. O Mato Grosso do Sul, com certeza, é uma dessasregiões. Existem 40 mil guaranis vivendo em 40 mil hectares de terra. Há um confinamento muito grande. Também existe preconceito, racismo e intolerância.Por isso, que temos que resolver isso.ABr: A demarcação dessas terras seria a solução?Meira: Tenho dito que a solução das terras indígenas naregião é a solução para a área como um todo. Ela resolve tanto o problema dosíndios quanto o dos não-indígenas, pois dará a segurança jurídica necessária paratodos desenvolverem seu trabalho. Os índios saberão quais são suas terras, ondeelas começam e terminam, e os fazendeiros saberão onde começam e terminam suasterras para produzir à sua maneira. Os índios não querem virar brancos. Elesquerem continuar a ser índios e têm esse direito.ABr: É possível resolver a questão fundiária dos índios semprejudicar a produção de Mato Grosso do Sul?Meira: O Mato Grosso do Sul, o Brasil, têm terrasuficiente para produzir e se desenvolver. Nós temos condição de aumentar aprodutividade em áreas que não são terras públicas, que não são terrasindígenas ou unidades de conservação. Há áreas disponíveis no Brasil paraaumentar essa produtividade e sem prejuízos a terras indígenas. Não é umaquestão onde, ou é uma coisa ou outra. A questão é como vamos conciliar umacoisa e outra respeitando nossa diversidade cultural e meio ambiente. É o comofazer. Esta é a nossa posição e a do governo federal.