Lula parte 2: "Quero que todos governem para um país de classe média"

17/09/2008 - 22h25

Ana Luiza Zenker
Repórter da Agência Brasil
Brasília - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, em entrevistaexclusiva à TV Brasil que vai ao ar nesta noite, no programa 3 a 1,acreditar que a proposta enviada pelo governo ao Congresso Nacionalpara uma política tributária pode ser votada ainda este ano. De acordocom Lula, essa proposta é praticamente um consenso entre os setoresenvolvidos. “Eu participei de debate com o colégio de líderes, euparticipei de debate com os empresários. Todo mundo concorda com apolítica tributária”, disse.Além disso, o presidente afirmou que o aumento no número de pessoasna classe média facilita o governo. “Tudo que eu quero na vida é quetodos os governantes governem para um país de classe média”, disse.Confira abaixo o segundo trecho da entrevista concedida pelo presidente Lula ao jornalista Luiz Carlos Azedo, apresentador do programa 3 a 1, àdiretora de jornalismo da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Helena Chagas, e ao jornalista convidado Cristiano Romero, do jornal Valor Econômico.TV Brasil: A política do governo é de estimular oconsumo, estimular a utilização do crédito popular, mas tem gente quegosta de poupar dinheiro para depois comprar, para não pagar prestação.Nós temos uma pergunta de uma cidadã de Palmas (TO): “Eu gostaria deperguntar ao presidente porque não foi cumprida a sua promessa dereduzir as tarifas bancárias e aumentar os juros da poupança”.Luiz Inácio Lula da Silva: Primeiro que eu não me lembro de terfeito promessa sobre tarifa bancária, mas a verdade é que o BancoCentral e o Ministério da Fazenda estão trabalhando. Já houve váriasreuniões, já foram tomadas medidas para reduzir o custo que os bancoscobram das pessoas que fazem depósito. E a poupança hoje paga 8,7% comuma inflação de 6,3%, o que é um ganho razoável se levar emconta que a poupança é um investimento em que a pessoa não paga impostode renda. Obviamente que se a inflação subir, a poupança sobe. O que nósnão queremos é passar a falsa idéia de antigamente. Quando a inflaçãoestava em 80%, a gente recebia 80% de juros na poupança e achava queestava ganhando alguma coisa, quando na verdade a gente não estavaganhando nada. Agora, eu posso dizer para essa poupadora que ela estáganhando pelo menos 2,5% ao ano do capital que ela poupou.TV Brasil: Ela tocou num ponto muito importante da classe média. Osenhor assumiu a presidência governando um país de pobres. Hoje osnúmeros da economia mostram que o Brasil é um país onde a maioria é declasse média. Como será a partir de agora, nesses próximos dois anos,governar para a classe média? Qual o foco neste setor?Lula: Tudo o que eu quero na vida é que todos os governantesgovernem para um país de classe média. Mas para esse país ser de classemédia, você precisa elevar aqueles que estão no degrau de baixo. E é oque está acontecendo no Brasil. É muito mais fácil você governar quandoas pessoas ganham mais dinheiro, têm ascensão social, têm casa própria,um carro. Os problemas vão ficando mais sofisticados e eu acho que éisso que todo mundo quer para o Brasil. Eu pelo menos não acho isso umador de cabeça, eu acho isso uma coisa extraordinária, perceber que aparte mais pobre da população está em ascensão nesse momento. E a pautade reivindicações é outra. Se você pegar a pauta de reivindicação de umconjunto de pessoas que trabalham na construção civil e a pauta dereivindicação de um conjunto de pessoas que trabalham, por exemplo, naFiocruz [Fundação Oswaldo Cruz] ou numa Volkswagen, vai perceber que apauta é totalmente diferente, porque eles estão em estágios sociaisdiferentes. E eu fico muito feliz em saber que o povo está tendo umaascensão e que agora a gente vai cuidar de discutir mais imposto derenda, mais a tributação, a gente vai ter que discutir como melhorar aqualidade da escola, como estamos fazendo. Ou seja, esse é um bomproblema para qualquer governo, lidar com gente que está comendo.TV Brasil: Já que esse é um bom problema para osenhor, o governo mandou para o Congresso um projeto de reformatributária e não fala de imposto de renda, não aborda a questão doimposto de renda, que é um imposto no qual a classe média se sentesuper taxada, não só por ele, mas também pelos impostos indiretos. Ogoverno também enviou ao Congresso a proposta de recriação da CPMF(Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), só que agoracom um outro nome. Eu queria que o senhor falasse um pouco sobre isso.Quando o governo, não só esse, mas também outros governos propuseram aoCongresso a reforma tributária, no final, o que se pediu ao Congressopara aprovar foi justamente o imposto sobre o cheque, que inclusive éconsiderado um imposto injusto, porque ele é regressivo e atinge todasas pessoas, tendo conta bancária ou não, pois os empresários incluemisso nos preços dos seus produtos.Lula: Você não pode ser injusto comigo. O governo não mandouproposta para o Congresso Nacional. O Congresso Nacional, através dossenadores e deputados, fez um projeto de lei para criar uma taxa ligadadiretamente à área da saúde. E mandamos [o governo] uma políticatributária para o Congresso Nacional, que é uma política tributáriaquase que consensual, porque eu participei de debate com o colégio delíderes, eu participei de debate com os empresários. Todo mundoconcorda com a política tributária. Agora, entre concordar e votar lá,tem uma diferença enorme. Eu estou convencido que nós votaremos esseano essa política tributária. Agora, vamos ser francos, eu sempre disseque no Brasil, quem paga imposto de renda é quem vive de salário. Nóspagamos 27,5%, pagamos em cascata, no fundo ninguém paga 27,5% do valorque ganha. As pessoas que são contratadas como empresa, como pessoajurídica, pagam 15%. É uma coisa engraçada. Você pega os países ricos,eles têm uma taxa de tributos alta. Os países pobres têm uma taxa detributos baixa. Você pega a carga tributária de um país aqui na AméricaLatina, é 12%. Maravilhoso, só que não pode investir em educação, nãopode investir em saúde, o Estado está praticamente atrofiado. Nós aquino Brasil temos uma política tributária alta. Já reduzimos, pordesoneração, mais de R$ 40 bilhões. Agora você veja, eu acho umabsurdo, porque quando tira a CPMF você deveria fazer um artigoprocurando qual o empresário que reduziu em 0,38% [o preço] do produtoque ele fabrica, porque não está pagando a CPMF. A verdade é que aqueleimposto era um imposto justo. E ele cobrava das pessoas que tinhammais. Nós queríamos que esse imposto fosse todinho para a saúde, paraver se a gente leva a saúde brasileira a um patamar de qualidadeinvejável. Lamentavelmente não foi para a saúde, não foi aprovado. Nóstínhamos feito o lançamento do PAC da Saúde, onde nós prevíamos colocarmais R$ 24 bilhões, não foi possível, agora estamos colocando aospoucos, para a gente poder melhorar a saúde. TV Brasil: Presidente, nós temos uma pergunta agora de Rio Branco,no Acre: “Eu gostaria de saber por que o salário mínimo ainda é tãobaixo”.Lula: Eu acho que o saláriomínimo é baixo aqui no Brasil e é baixo em qualquer país do mundo. Épor isso que ele se chama salário mínimo. É aquilo que o Estadobrasileiro pode pagar para todas as pessoas que recebem o salário dogoverno, sobretudo o salário que recebe da Previdência Social. Umgrande número de empresas no Brasil já não paga mais o salário mínimo,já paga um pouco além. E nós estamos trabalhando nesses cinco anos paraaumentar o salário mínimo. É importante lembrar que ele teve um aumentoreal de mais de 50%. E está no Congresso Nacional um projeto de leipara que a gente reajuste todo ano automaticamente o salário mínimo comrelação ao PIB (Produto Interno Bruto) e com relação à inflação.Criarmos uma média para aumentar, para não ter que ficar discutindosalário mínimo todo ano. Foi um acordo proposto pelo movimentosindical, e eu espero que o Congresso Nacional aprove, porque issoseria extraordinário para os trabalhadores que ganham o salário mínimodaqui a alguns anos terem o seu poder aquisitivo bem mais elevado.TV Brasil: O senhor vai vetar a mudança do fator previdenciário,que vincula a elevação do salário mínimo ao reajuste dasaposentadorias?Lula: Se for aprovado no Congresso o acordo entre os líderes,certamente que eu não vetarei. Agora, o Ministério da Fazenda estádiscutindo isso com a Câmara dos Deputados, para mostrar o que implicaisso no custo da Previdência. Porque o governo não quer dar mais ou nãoquer dar menos, o governo quer fazer aquilo que é possível fazer. Senós temos uma arrecadação para a Previdência Social e você aprova umacoisa que significa aumentar o custo da Previdência Social, você temque se perguntar sempre de onde se vai tirar o dinheiro para pagar.Essa é uma pergunta que todo mundo tem que fazer, os deputados, ossenadores. E eu não tenho que fazer a pergunta, eu tenho que dizer"posso" ou "não posso". Se tiver dinheiro em caixa, você pode. Se nãotiver, você não pode. E você sabe que eu não tenho medo de vetar aquiloque tem que ser vetado, porque eu não vou ser irresponsável de prometerpagar uma coisa que depois eu quebro o Estado brasileiro e oprejudicado será o próprio trabalhador. Quando a gente está noCongresso, eu já fui congressista, a gente fica "eu acho, eu penso, euacredito". Naquela mesa do presidente você não acha, não pensa nemacredita. Você veta ou não veta.(continua)