Sabrina Craide
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Umadas principais conseqüências da falta de terras para os índiosno Mato Grosso do Sul é o crescimento da violência nasaldeias do estado, segundo a Fundação Nacional de Saúde(Funasa), que cuida da saúde indígena. Neste ano foramregistrados 14 casosde assassinato entre índios e 13 casos de suicídio apenas na reserva de Dourados.“Essenúmero está sendo superior aos [dos] anos anteriores. Nãosó o numero é superior, mas a forma de levar a esteassassinato está sendo de uma crueldade extrema”, explicaZelik Trajber, coordenador técnico de saúde da Funasano Distrito Sanitário Especial Indígena no Mato Grossodo Sul. Segundo ele, esse número pode ser quadruplicado se forconsiderada toda a região sul do estado.Para Trajber, falta a presença do poder público na região.Ele também culpa a concentração de índiospor metro quadrado pelos altos índices de violência.“Enquanto não houver uma definição de terra,os conflitos continuam. Os conflitos pela demarcação,pela definição da terra e as conseqüências denão ter terra”, afirma.Deacordo com o assessor jurídico do Conselho IndigenistaMissionário (Cimi) da regional de Mato Grosso do Sul, RogérioBatalha Rocha, o estado tem o pior quadro de violência contrapovos indígenas no Brasil. “Os índices deassassinatos aqui no estado nos últimos meses sãoalarmantes, chega-se a registrar um assassinato por semana. É umaanálise que já vem sendo feita há muito tempoque remete a esta problemática da terra”, afirma.Rochaacredita que os conflitos internos são ocasionados pela faltade terra na região. Ele explica que, antigamente, quando haviamais espaço, se houvesse um desentendimento entre os índios,havia a possibilidade de uma família se deslocar para outrolocal, o que não é possível hoje.“Com aperspectiva de ampliação dos territórios, você'distensiona' essas relações familiares que sãomuito presentes para os guaranis e permite que eles vivam na suacultura. Eles se dividem em grandes grupos familiares, o quehoje não é possível, por causa do pouco espaço”,afirma.Segundoele, são registrados assassinatos, estupros epequenos furtos, mas apenas no âmbito das aldeias. “Apesar dehaver todo esse índice de violência entre os guarani,que eles mesmos acabam sendo vítimas desta violência,você não vê nenhum caso, nenhum registro deagressões de indígenas contra não indígenas”,ressalta.Oantropólogo Marcos Lima também ressalta a falta deespaço como origem dos conflitos internos. “Antigamente, oíndio que via que estava perdendo poder se mudava paralonge e formava outra área indígena. Quando havia umracha interno, quem estivesse mais enfraquecido politicamente ia paraoutro canto. Mas você só pode fazer isso se tem um amploterritório. Se você está em uma áreapequena, tem que lidar com o conflito que mora ao lado”, explica.Ocoordenador do Cimi em Mato Grosso do Sul, Egon Heck, lembra que,além dos conflitos entre os próprios índios, háproblemas de disputas de terras com não-índios. Elecita o caso da luta pela terraindígena Kurusu Ambá, onde já ocorreramdois assassinatos de lideranças. “Existe uma situaçãoarticulada de negação da terra aos Guarani aqui nesseestado”, afirma.Aindígena Teodora de Souza, que é membro da comissãode professores Guarani-Kaiowá de Mato Grosso do Sul, diz que aconvivência em um pequeno espaço de terra écontrária à cultura indígena.“Antigamente,quando tinha algum tipo de problema que não era resolvido alinaquele espaço, as pessoas procuravam outros lugares e iammorar naquele outro lugar com aquela família grande. E hoje,se a gente tem um determinado problema, vai para onde? Somosobrigados a conviver naquele mesmo espaço. Isso vai gerandoviolência, vai gerando outros problemas, como depressãoe uma série de outras conseqüências sérias para opovo indígena”, avalia.O administrador-executivo daFundação Nacional do Índio (Funai) na regiãosul do Mato Grosso do Sul, Eliezer Cardozo, diz que a entidade estáfazendo convênios para contratar mais advogados para acompanharos índios presos. Segundo ele, há na regiãoproblemas com drogas, estupro e roubos. “Há todo tipo deviolência que você possa imaginar”, diz.Nesta semana, foi criada uma Comissão Parlamentar deInquérito (CPI) para investigar questões relacionadas à saúde indígena no Brasil, após mais de seis meses de negociação.