Comunidade guarani-kaiowá quer sepultar índia assassinada em terra reivindicada

09/01/2007 - 23h43

José Carlos Mattedi
Repórter da Agência Brasil
Brasília - O sepultamento da índia guarani-kaiowá Kurutê Lopes, 70 anos, assassinada na noite de segunda-feira (8) por pistoleiros,pode ocorrer hoje (10) à tarde ou amanhã cedo no próprio local ondeocorreu o crime, na Fazenda Madama, localizada entre os municípios deAmambai e Coronel Sapucaia, no sudoeste do Mato Grosso do Sul. A decisão foi tomadapela comunidade indígena da região, que, pararealizar o velório, aguarda a confirmação do Ministério Público Federal (MPF) da cidade deDourados de que não haverá conflitos com os fazendeiros.Olocal escolhido para o sepultamento é considerado um tekoha (terra de ocupação tradicional dos Kaiowá),chamada pelos índios de Kurusu Amba. No último sábado (6), 50 famílias guarani-kaiowá ocuparam a fazenda. Dois dias depois, pistoleiros atacaram a tiros o grupo, eocorreu a morte de Kurutê.  O índio ValdeciGimenez, 28 anos, também foi ferido com três tiros nas pernas (não corre risco de morte). Quatro indígenas também foram presos pela Polícia Civil, sob a alegação de roubode uma carreta - entre eles,Francisco Fernandes, 38 anos, líder dos Kaiowá.Asinformações são do coordenador regional do Conselho IndigenistaMissionário (Cimi), o missionário Egon Heck. Segundo ele, a comunidadeindígena solicitou a ajuda do MPF, por meio do procurador da RepúblicaCharles Pessoa. O objetivo é evitar “uma reação de fazendeiros e das milíciasque atuam na região a mando dos latifundiários”, garantindo tranqüilidade ao velório. Segundo o delegado da Polícia Civil da região de Coronel Sapucaia e Amambai MarceloBatistela Damasceno, não houve mais presos além dos quatro indígenas. “Os índios foram presosapós roubarem uma carreta, e estão à disposição da Justiça. Quanto àmorte da índia, o caso está com a Polícia Federal, pois é competênciadela”, resume o delegado.Heckalega que os índios utilizaram o caminhão para pedir ajuda a seus“irmãos de aldeias vizinhas”, não se tratando de um furto. “Era uma buscadesesperada, frente a uma agressão sofrida”, disse ele. A atuação da Polícia Civil no caso, deacordo com o missionário, é "sempre a mesma", com os matadores ficandolivres e os índios indo parar atrás das grades. “É mais uma açãopolítica do que uma ação legal”, diz ele.Segundoo escritório regional do Cimi, já existe um estudo preliminar sobre a terrareivindicada pelos Guarani-Kaiowá, feito por antropólogos da FundaçãoNacional do Índio (Funai), que indicariam ser a área em litígiopertencer à comunidade indígena. Os conflitos pela terra na região remontam aos anos 80. Cerca de 35 mil a 40 mil Guarani-Kaiowá vivem em Mato Grosso do Sul. Eles habitam cerca de 30 áreas indígenas, que têm ao todo cerca de 50 mil hectares. A maior parte dessa população vive em áreas superlotadas, demarcadas pelo antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) nos anos 20. Ao lado das cidades de Dourados e Amambai ficam as áreas indígenas mais populosas e problemáticas.Durante os anos 60 e 70, com a expansão do agronegócio na região sul de MS, milhares de índios foram expulsos de suas terras originais, à beira de córregos da região, e levados para essas áreas já demarcadas. Depois dessas transferências forçadas, aumentaram os índices de violência e pobreza entre os índios, e surgiu o movimento pela retomada das terras. Os conflitos com fazendeiros levaram à morte de líderes como Marçal de Souza (1983) e Marcos Verón (2003).