Moradores de Caxias sentem saudades da política feita com paixão

08/09/2006 - 1h27

Spensy Pimentel
Repórter da Agência Brasil
Duque de Caxias (RJ) - A procissão eleitoral passa ao longe, nas ruas da VilaTenório. "Olha lá. Em pleno feriado de 7 de setembro. Você acha quealguém está contente de estar ali? Duvido que tenha alguém que nãoesteja sendo pago. A política da paixão acabou, hoje é só a política dacompra."  Enquanto visitamos as ruínas da antiga mansão de Tenório Cavalcanti,Fábio Tenório Cavalcanti Francesconi, 44 anos, neto dele, conta qualfoi a política que ele conheceu na infância, morando com o avô:"Comício, não tinha essa de anunciar. Decidia que ia para tal cidade,ia alguém na frente, arrumava um caminhão para a gente subir. O velhocomeçava a falar e dali a pouco juntava 5 mil, 10 mil pessoas ouvindo.As pessoas vinham porque tinham interesse".  O neto lembra das caminhadas com o avô na avenida Rio Branco. "Eleparava a avenida. Subia num caixote e juntava 5 mil pessoas. Vai juntarhoje sem pagar, sem dar lanche e transporte? Eu desafio qualquerpolítico a fazer isso."  A paixão com que os militantes defendiam seus candidatos e partidos écomparada, por ele, à atitude das torcidas de futebol. "Se dois gruposadversários se encontravam na rua, o pau comia", conta. "O políticofazia, se preocupava em fazer e atender a população. Hoje você compra ocabo eleitoral, o líder comunitário, como se compra o pão na padaria."  A explicação para a mudança, diz Fábio, reside tanto na atitude dospolíticos de hoje como na percepção que o povo construiu disso: "Opessoal age na matemática. Pega uma maleta de dinheiro, senta e mapeia:tanto para o líder de tal local, que tem tantos votos, tanto paraaquele outro. E o povo foi ficando malandro: se o político só aparecemesmo de quatro em quatro anos, quando ele vier aqui, vou depenar –peço telha, casa, dinheiro, tudo. Assim, acabou a empolgação".Fábio, que hoje é advogado, recebeu, publicamente, do avô, a herançapolítica, quando se candidatou a deputado em 1982 e 1986. "Eraassistencialismo? Era. Era coronelismo? Era. Mas, era tão maisbonito...", diz ele. "Na campanha, as pessoas traziam bebês para passara capa preta na cabeça deles. Diziam que fechava o corpo da criança."  A nostalgia do neto é compartilhada por outras pessoas que conviveramcom Tenório, como David Muniz de Almeida, 87 anos, conterrâneo dele. Emsua casa, em Palmeira dos Ìndios, David guarda uma quantidade dedocumentos sobre Tenório: fotos, livros, recortes de jornal. "Ah, eleera um Pelé, um Garrincha. Homens como ele nascem de 100 em 100 anos."  O ex-caminhoneiro também conviveu, na infância, com Graciliano Ramos,prefeito de Palmeira dos Índios entre 1928 e 1930. E ainda conheceupessoalmente Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. Para ele, não sefazem mais políticos como antigamente. "Ninguém nunca falou do roubo deum Tenório, de um Graciliano Ramos. Agora, é esse bando de ladrões quetem por aí."  "Hoje, a gente dizer, fulano é honesto, ele até se ofende, porque estáchamando ele de besta, de idiota. Rui Barbosa é que chegou a dizer quehavia de chegar a época em que o cara ia se enojar de ser chamado dehonesto", diz seu David.  Arlindo Paixão da Costa, 72 anos, morou, por décadas, ao lado da casade Tenório, no centro de Duque de Caxias. "Político de hoje é difícil agente crer. Tem que ver para crer, como diria o Tomé", afirma oaposentado. Para ele, a qualidade dos políticos anda tão ruim que odireito ao voto facultativo que lhe concede a condição de idoso é umaconquista: "Graças a Deus, vou votar porque quero".  Apesar de lamentar a baixa qualidade dos políticos atuais, Arlindodestaca alguns avanços: "Hoje o pessoal vai mais para o palanque.Certas coisas que o pessoal fala hoje num debate, se fosse antigamente,ia pra guerra". As falas agressivas de mulheres que são candidatas, porexemplo, espantam Arlindo. "Naquela época, não tinha mulher nessenegócio. Uma coisa assim ia chamar a atenção, pra dizer menos."