Dorothy Stang: a caminho do projeto Esperança, seis tiros à queima-roupa

27/03/2005 - 17h19

Christiane Peres e Aloisio Milani
Da Agência Brasil

Brasília - Na estrada de terra aberta em meio à floresta, no Travessão do Santana, perto da cidade de Anapu e do projeto de desenvolvimento sustentável (PDS) Esperança, chegaria ao fim a vida de luta da irmã Dorothy Stang, que há mais de 30 anos trabalhava junto às pequenas comunidades pelo direito à terra e à exploração sustentável da Amazônia. Seis tiros à queima-roupa, iniciados por um certeiro e fatal, provavelmente na nuca. Depois de caída, ainda levou outros quatro nas costas e um na barriga.

Na manhã de 12 de fevereiro, acompanhada por um colono - única testemunha do crime -, Dorothy estava a mais de 40 quilômetros de Anapu e seguia em direção ao PDS quando foi abordada por dois pistoleiros. No caminho, o colono e a religiosa andavam sozinhos, sem nenhuma segurança pessoal, mesmo depois das recentes ameaças, relatadas dias antes, inclusive, para o ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Nilmário Miranda.

O colono que acompanhava Dorothy fugiu pela mata enquanto ainda podia ouvir as ameaças dos assassinos. Segundo ele, a freira, que integrava a Congregação Cristã das Irmãs de Notre Dame de Namur, lia trechos dos textos sagrados enquanto era ofendida por seus executores. Rayfran da Neves Sales – um dos assassinos – afirmou no depoimento à polícia que Dorothy teria lido versículos do Evangelho de Mateus antes de levar o primeiro tiro.

"Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos. Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus." Segundo padre Amaro, amigo pessoal da irmã e integrante da Comissão Pastoral da Terra em Anapu, Dorothy tinha preferência por trechos da Bíblia que evidenciavam a luta.

"Ela gostava muito de ler Isaías, Marcos, Mateus, Ester e os salmos 27, 91 e 33, que resgatam a questão da luta e a confiança em Deus", relembra o padre. Mesmo com a morte anunciada, Dorothy, aos 73 anos, não acreditava que grileiros e fazendeiros da região fossem capazes de qualquer violência "contra uma velha", como repetia sempre ao bispo da Prelazia do Xingu, dom Erwin Krautler.

A testemunha reconheceu Rayfran das Neves Sales como um dos assassinos. Executada por volta das oito horas da manhã, a religiosa foi encontrada com roupas molhadas, provavelmente pela chuva: calça pescador bege, sapatos pretos, camiseta branca e um boné branco e azul. O corpo estava caído de lado sobre a estrada de chão batido. Dorothy Stang foi assassinada como pelo menos outras 700 pessoas envolvidas em conflitos de terra nos últimos 30 anos no Pará.

Para o senador Sibá Machado (PT-AC), que conhecia a missionária e havia visitado a região recentemente, a execução deve ter sido planejada por algum novo fazendeiro. "Os mais antigos sempre tiveram debates violentos com ela, agressões verbais, mas nunca a agrediram fisicamente. Depois fiquei sabendo que o fazendeiro que está sendo acusado pelo crime [Vitalmiro Bastos de Moura] é novo na região", afirma.

O enterro da religiosa foi acompanhado por cerca de duas mil pessoas. Após velar o corpo, a procissão levou o caixão para o Centro de Formação São Rafael, onde realizava trabalho comunitário. Foi enterrada entre as árvores de um pomar. Ao lado de uma goiabeira e uma mangueira. "Irmã Dorothy não foi enterrada. Foi plantada para que sua luta dê muitos frutos", comentou o bispo dom Erwin.

Após a morte da freira, o governo enviou cerca de dois mil soldados das Forças Armadas para auxiliar nas investigações ao lado da Polícia Federal, Civil e Militar do Pará. O procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, pediu ao Supremo Tribunal de Justiça a federalização da investigação do crime. O governo federal ainda decretou a preservação de 3,8 milhões de hectares na Terra do Meio e a interdição por seis meses de 8,2 milhões de hectares na margem da BR-163. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva autorizou a implantação de um gabinete provisório para acompanhar a realização das medidas.

"Os madeireiros, grileiros e fazendeiros pensam que são os donos. Fazem o que bem entendem e se sentem acima do governo. O governo tem que mostrar a cara. Não pode acender uma vela para Deus e outra para o diabo. Se foi tomada a decisão de implementar um PDS, então toca para frente", defende o bispo.

Do arquivo da Agência Brasil (6/3/2005)