Spensy Pimentel
Repórter da Agência Brasil
Brasília – Para que estivesse em melhor situação econômica hoje, nos anos 90, época em que se implantou o Plano Real, o Brasil deveria ter apostado na poupança interna, não nos capitais estrangeiros, como estratégia para o crescimento. Já, no momento atual, o governo tem feito boas opções na política econômica.
Essas são opiniões defendidas pelo ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser Pereira, em debate realizado em São Paulo na Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento – Unctad XI, que aconteceu entre os dias 13 e 18 do último mês.
Em 1987, Bresser cravou seu nome na história contemporânea brasileira com o chamado "Plano Bresser". Ele tornou-se ministro da Fazenda do governo Sarney, com a missão de realizar ajustes no Plano Cruzado. Foi logo depois de uma declaração de moratória parcial em relação ao pagamento da dívida externa, na esteira do sucesso eleitoral do PMDB no fim de 1986.
Segundo a biografia em seu site pessoal na internet, "sem condições de realizar o ajuste fiscal e a reforma tributária que permitiria a implementação de um plano definitivo de estabilização, demitiu-se do governo no final do ano".
Em 1995, o economista assumiu o Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, onde comandou uma reforma da gestão pública. No início do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, foi ministro da Ciência e Tecnologia. Hoje, dedica-se à participação em conselhos de diversas empresas e leciona economia na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida à Agência Brasil, logo após o evento na Unctad.
Equívocos
"O meu entendimento é que a América Latina e o Brasil, nos anos 90, não cresceram - embora tivessem feitos grandes ajustes e grandes reformas nos anos 80 e tivessem mais ou menos equacionado o problema da dívida externa, que foi o grande problema dos anos 80 - porque adotaram uma política de crescimento com poupança externa.
De repente, Washington, Nova Iorque começaram a dizer que nós devíamos crescer usando mais recursos do exterior, ou seja, entrando em déficit em conta corrente e aumentando o nosso endividamento externo: endividamento externo financeiro e endividamento externo patrimonial, que é com empresas que fazem investimentos diretos.
Ora, essa política foi desastrosa para o Brasil. Por quê? Por dois motivos fundamentalmente: primeiro, porque o Brasil já estava muito endividado e você sabe muito bem que, a partir de uma relação divida / exportação de um e meio, uma vez e meia, torna-se muito mal para o desenvolvimento, torna-se muito perigoso para o desenvolvimento aumentar a divida.
Nós temos essa relação, no caso brasileiro, a três, mais de três, quer dizer, jamais o Brasil podia entrar por esse lado. Fica-se sempre com uma fragilidade financeira internacional muito grande. Se alguma coisa acontece lá fora, um espirrinho, a taxa de juros americana como agora vai subir um pouco, todo mundo fica apavorado."
Controle do câmbio
"Os países asiáticos, que não fizeram essa loucura, e cuja dívida externa às vezes é negativa, nem têm divida externa ou no máximo chegam a uma vez a exportação, esses países estão muito bem, estão crescendo muito mais, infinitamente mais que o Brasil.
Esse tipo de crescimento com poupança externa e abertura da conta capital desorganiza totalmente a economia do país, porque ela faz com que se perca o controle sobre a taxa de câmbio, e a taxa de câmbio é um preço absolutamente estratégico, que você tem que controlar."
Poupança doméstica
"Essa história de câmbio flutuante, tudo bem, câmbio flutuante até um certo ponto. Mas, tem que ser um câmbio flutuante administrado. Os economistas ortodoxos dizem que isso é um câmbio sujo. Câmbio sujo, coisa nenhuma: isso é o câmbio que tem que ser feito.
Quando você abre a sua conta capital, como nós abrimos, começa a entrar capital. O que acontece? O câmbio se valoriza. Quando o câmbio se valoriza, não só você não exporta mais, mas isso no curto prazo é uma beleza, porque todo mundo fixa, o salário aumenta pra todo mundo, fica muito mais fácil ir para Miami, que é um horror, ou para Paris, que é ótimo. Mas, depois de algum tempo, esse aumento do consumo faz cair a poupança doméstica, interna, brasileira, de forma que a poupança externa que está vindo é compensada pela redução da poupança interna, e no final não houve nenhum aumento de investimento, só houve aumento de divida.
Você pode imaginar que isso é um desastre completo, e foi exatamente isso que aconteceu no Brasil nos anos 90. Agora, neste momento há uma coisa boa: depois de duas crises, a taxa de câmbio foi para o lugar certo, e com esse nível de R$ 3,10 – entre R$ 3,10 e R$ 3,20, eu preferia –, eu creio que o Brasil pode exportar muito e, exportando muito, pode crescer e fazer o desenvolvimento acontecer.
Tem ainda a taxa de juros, que é muito grave. Agora, voltando ainda à taxa de câmbio, é fundamental que os empresários saibam que o governo vai manter essa taxa, vai fazer todo possível para manter essa taxa, porque senão ele não vai investir. Os empresários no Brasil precisam investir para exportar, porque assim eles vão estar investindo também para o mercado interno, para salários e para o desenvolvimento do país."
Controle de capitais?
"Quando você pode, primeiro faz o que o Brasil está fazendo agora. A partir de julho do ano passado, quando começou a cair demais, outra vez, a taxa de câmbio, houve um clamor, o ministro da Fazenda, o presidente do Banco Central diziam ‘não, o câmbio flutuante é flutuante, ninguém mexe etc.’ Isso era um absurdo, não fazia nenhum sentido, então uma quantidade enorme de pessoas começou a gritar, inclusive eu, e uma coisa que pesa bastante é o Fernão Bracher, que é um notável banqueiro, foi presidente do Banco Central e conhece profundamente esses problemas.
Daí chegou o momento em que o Ministério da Fazenda, em julho do ano passado, mais ou menos, começou a comprar dólar, senão teria abaixado mais (o câmbio), seria muito ruim. Eu prefiro comprar dólar a fazer controle de entrada – nunca fazer controle de saída, porque controle de saída se faz quando o país quebrou, e isso é péssimo."
Modelo
"O modelo brasileiro tem que ser brasileiro, mas, se nós tivermos alguma referência, deve ser um modelo asiático, o modelo chinês, o modelo indiano, o modelo coreano, que sempre foi muito bom. Acho que essa é a idéia, agora, mas é adaptado à nossa realidade. O Brasil é o Brasil, nós temos uma realidade muito diferente desses países."