Alessandra Bastos
Enviada especial
Curitiba - "A idéia é que alguma coisa saia contigo, ainda que você deteste", diz a atriz Tânia Farias da companhia de teatro "Ói Nóis Aqui Traveiz". O grupo participa do Festival de Teatro de Curitiba com o espetáculo "Aos que virão depois de nós – Kassandra in Process, na qual, na maioria das vezes, as palmas não acontecem", conta a atriz. A peça retrata a Guerra de Tróia por meio de um olhar feminino. São sete diferentes ambientes, onde o público se locomove de um cenário para outro. Acompanha o movimento dos atores, durante quase 3 horas, e interage com eles.
É o chamado Teatro de Vivência, no qual o público se integra ao espaço vivenciando as ações cênicas, ao contrário dos espetáculos visuais passivos. Quem assiste "Kassandra" é convidado a tomar vinho, é tocado pelos atores, ouve cantos em grego, hebraico e alemão e respira diferentes aromas. "É uma forma de fazer pensar de várias maneiras, não só pelo verbo. Chamamos de ‘sensações reflexivas’", diz o ator Sandro Marques.
Cada apresentação conta com um número máximo de 60 espectadores, que são levados a um mundo sem pudores. O que nem sempre agrada. "Várias vezes acontece de alguém sair no meio da peça. Para alguns, o desconforto é interessante. Outros dizem ‘não, vou embora", conta a protagonista Tânia, que interpreta Kassandra.
De maneira proposital, a linguagem é agressiva e as várias cenas de nudez completa constrangem a muitos. "É engraçado como uma cena de luta e morte choque menos que duas pessoas fazendo carinho", questiona a atriz Carla Moura. "Isso mostra como é mal resolvida a questão da sexualidade", completa Tânia.
Outro aspecto que também causa desconforto nos espectadores é o tempo de duração: são 180 minutos em pé. "O teatro não pode estar preso a um padrão de tempo que é televisivo. Pode ter 7, 8 horas de duração. Vai quem quiser ver", afirma a protagonista.
A pesquisa do grupo de Porto Alegre durou dois anos. "A história foi concebida a partir do que pra nós era importante", conta Tânia. A luta de Tróia, que é iminentemente masculina, é vista pelos olhos de uma mulher, Kassandra.
O texto é baseado no romance da escritora alemã, Christa Wolf. Nele, o ideal heróico masculino, de poder, divide a cena com o papel ambíguo da mulher, de vítima e testemunha dos homens. "É falsa a idéia de que a Guerra começou por causa do rapto de Helena, quando na verdade o motivo era econômico", afirma Tânia. "A gente pega como uma guerra matriz. Escolhemos esse assunto em função da atualidade do tema", relata a atriz.
A idéia de "Aos que virão depois de nós – Kassandra in Process", é incitar a reflexão por duas vertentes. Pensar, por meio da Guerra de Tróia e do mito de Kassandra, as guerras atuais, seus verdadeiros motivos e conseqüências e rever valores individuais, ligados às relações afetivas.
O grupo "Ói Nóis Aqui Traveiz" apresentou, há três anos, o espetáculo "A gênese", também sobre Tróia e anuncia que deve sair um terceiro. Há Companhia existe há 26 anos e, em Porto Alegre, na Escola do Teatro Popular, realiza a Oficina para Formação de Atores. O curso tem duração de 1 ano e é destinado à comunidade. As aulas são diárias e realizadas das 14h às 18h30. Todo o curso é gratuito.