PF investigará irregularidades na rede de transplante de medula óssea

27/02/2004 - 18h41

Brasília, 27/2/2004 (Agência Brasil - ABr) - A Polícia Federal vai investigar as irregularidades na rede de transplantes de medula óssea. O ministro da Saúde, Humberto Costa, informou que pediu ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que a Polícia Federal abra um inquérito para investigar se clínicas particulares realizaram transplante de medula óssea sem o conhecimento e autorização do Ministério da Saúde.

A decisão do ministro foi tomada após análise do relatório da sindicância aberta para apurar denúncias de irregularidades na realização de exames e buscas para os transplantes entre não
aparentados. O relatório aponta suspeitas de que existem serviços operando à margem de qualquer autorização por parte do Ministério da Saúde, conseqüentemente, imunes a qualquer controle, acompanhamento ou mesmo conhecimento por parte do Redome (Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea).

Com base nas informações do relatório, o ministro Humberto Costa decidiu afastar o coordenador do Sistema Nacional de Transplantes (SNT), Diogo Mendes, e a coordenadora do Redome, Iracema Salatiel, por falhas administrativas na condução do caso de uma paciente do interior de São Paulo, que estava inscrita no Paraná.

A sindicância apontou ainda falhas semelhantes no procedimento do ex-diretor do Centro de Medula Óssea do Inca, Daniel Tabak, já afastado do cargo.

No caso específico dessa paciente do interior paulista, a sindicância constatou um tratamento diferenciado por parte do coordenador do SNT, tendo em vista que o mesmo passou a solicitar informações diretamente ao Redome sobre o andamento dos procedimentos em relação à paciente, bem como deu o comando para que se procedesse à pesquisa por medula
compatível também nos bancos internacionais.

A sindicância repreende também as condutas de Iracema Salatiel e de Daniel Tabak, responsáveis pela autorização para que se proceda às pesquisas. Eles teriam agido de modo a reconhecer pressão nas mensagens do coordenador-geral do SNT e a aceitá-la, mesmo que em prejuízo a outros pacientes inscritos no Redome. "Ou seja, acataram a pressão e
transgrediram os critérios por si mesmos guardados", concluiu o relatório.

A sindicância apurou que existe uma clara animosidade pessoal entre a coordenação nacional de transplantes e a atual direção do Redome e o antigo comando do Cemo e sugere que "os laços de confiança, colaboração e respeito técnico devem ser resgatados sob pena de prenunciar novas crises". A constatação motivou a decisão do ministro Humberto Costa de
fazer as alterações no comando gerencial de cada uma dessas áreas.

As ações do Ministério da Saúde, com base no relatório de sindicância e na análise jurídico-legal da Consultoria Jurídica do MS, também atingirão as áreas da regulação, financiamento e de gestão propriamente dita do sistema. O levantamento da sindicância indicou que havia
centralização excessiva no Cemo, sobreposição de atribuições, baixa resolutividade para as demandas por transplantes entre não aparentados e pouca transparência.

No caso específico da autorização para realização de transplante não aparentado pelo Hospital Português, sediado no Recife, a sindicância apontou que a Secretaria de Atenção à Saúde atuou pressionada pelo fato dado. Uma vez que o Ministério da Saúde só tomou conhecimento do caso
quando o Hospital, que ainda não estava autorizado para o procedimento, já havia captado na Espanha uma medula compatível para um garoto de 8 anos.

O relatório da comissão de sindicância conclui que a Secretaria de Atenção à Saúde do MS concedeu a autorização para que o Hospital ficasse apto a realizar o transplante de não aparentados sem, no entanto, seguir a normalidade dos fluxos e trâmites, do ponto de vista administrativos internos.

Mas reconhece que o Ministério agiu pressionado pelo fato que estava dado: "....se o Ministério não o autorizasse (o Hospital Português do Recife) a realizar o procedimento, o material importado corria o risco de se perder e o paciente evoluir a óbito, dada a contra-indicação de
sua remoção..." e conclui: "...a Secretaria de Atenção à Saúde (SAS/MS) agiu pressionada pelos fatos e pela situação concreta de um paciente...".

A sindicância frisa ainda que a capacidade técnica do Hospital Português e de sua equipe para a realização do transplante de medula entre não aparentados não pode ser questionada e que não houve furo da fila de transplantes no caso, porque todos os custos, da captação e do
transplante em si, foram pagos com recursos privados, não havendo qualquer prejuízo para o erário público.

Embora a sindicância aponte que houve irregularidade na captação do cordão umbilical por parte do Hospital Português sem a autorização do Sistema Nacional de Transplante do MS, apesar de o material ter entrado no País com o aval da Anvisa, a Consultoria Jurídica do MS fez o
levantamento e constatou que não existe, do ponto de vista legal, uma norma proibitiva para esse procedimento. Tendo em vista esta lacuna, o ministro decidiu formar uma comissão técnica para reavaliar e aprimorar as regras, normas e procedimentos para as buscas internacionais. A
comissão será formada por integrantes do SNT, do Inca e da própria Anvisa.

Com relação ao fato noticiado de que o deputado Serafim Venzon havia interferido para acelerar a realização do transplante de medula óssea de uma paciente de Santa Catarina, ficou comprovado que não houve qualquer ação, em nenhum momento, de favorecimento à referida paciente. Tendo inclusive o próprio deputado negado publicamente, em pronunciamento da
tribuna da Câmara dos Deputados, ter realizado contato com o ministro para tratar do caso.

O modelo de financiamento para captação, através de buscas internacionais, de medula e cordões umbilicais também vai sofrer mudanças, deixando de ficar a cargo da Fundação Ary Frauzino, como acontece há anos, através de repasse de recursos feitos pelo Ministério
da Saúde.

Para mudar este sistema, o ministro vai designar nos próximos dias uma comissão técnica que ficará responsável por viabilizar os necessários procedimentos licitatórios para que o MS assuma, no menor espaço de tempo e sem nenhuma solução de continuidade, a gerência de todo o
procedimento administrativo necessário para a condução das chamadas buscas internacionais.

A primeira tarefa da comissão será manter contato nos Estados Unidos com as direções dos principais e maiores bancos de medula e cordão umbilical do mundo, com vistas a rediscutir a relação de contrato do governo brasileiro com esses institutos.

Muitas das constatações gerenciais realizadas pela sindicância já haviam sido diagnosticadas e outras tantas sugestões também apontadas já adotadas pelo Ministério da Saúde, principalmente no que diz respeito aos problemas de centralização das ações de regulação e controle pelo
Centro de Medula Óssea do Inca, e a pouca resolutividade do sistema.

Anunciadas pelo ministro em coletiva à imprensa no dia 12 de fevereiro, as medidas têm por meta crescer em 90% a capacidade de transplante de medula entre não aparentados no País, saltando dos atuais 84 para 156 por ano. Para tanto, o Ministério anunciou o aporte financeiro de R$ 24
milhões e a disposição de realização dos exames e busca de todos os cerca de 600 pacientes que aguardam por este tipo de transplante no Brasil, bem como o incremento de uma política que garanta a ampliação de leitos através do credenciamento de novos centros transplantadores.

O ministro também anunciou que a partir de maio, as informações sobre as buscas e os exames vão estar disponibilizados para pacientes e médicos através de um site na Internet. Outra ação anunciada foi a de ampliação da oferta de doadores de medula, através da busca de adesão voluntária dos doadores fidelizados de sangue no País, que somam mais de 1 milhão de pessoas.