Brasília - A garantia de mais recursos para o caixa dos Estados foi a tônica dos discursos de 16 governadores durante a audiência pública da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado destinada a discutir a reforma tributária. Com algumas diferenças regionais, o discurso era uniforme: todos defendem a reforma, mas querem garantir que não haja perdas de arrecadação, todos querem mais dinheiro.
O mineiro Aécio Neves (PSDB) abriu a série de discursos e exigiu o cumprimento do acordo fechado com o presidente Lula para a repartição dos recursos da Contribuição sobre Intervenção de Domínio Econômico (Cide). "É fundamental o resgate dos 25% da Cide para os Estados investirem em rodovias", afirmou.
O texto aprovado na Câmara prevê a divisão destes 25% entre estados e municípios, sendo que a maior parte fica nas mãos dos governadores. A proposta conseguiu desagradar tanto os governos estaduais quanto os municipais. Os governadores porque não querem abrir mão da integralidade dos 25% e os prefeitos porque consideram os 6,25% a que têm direito um montante irrisório. No Senado, surgiu a idéia de criar um fundo paritário entre União, estados e municípios para gerir os recursos de investimento da Cide.
Os governadores aproveitaram a deixa de Aécio para dizer que a proposta não é vista com bons olhos. O também tucano Geraldo Alckmin (SP) foi o mais conciso dos governadores. O paulista defendeu que a unificação das leis sobre o ICMS e a redução de 44 para 5 alíquotas sejam aprovadas agora junto com os demais pontos consensuais da reforma. Ele entende que os "tributos indiretos" – IPI seletivo, ISS e a transição do ICMS para o destino – devem ficar para uma discussão futura. "A unificação será um instrumento a mais para o combate à sonegação de impostos no país", argumentou. Ao propor que os detalhes da reforma sejam tratados na legislação complementar, Alckmin avalia que com a medida a reforma seria mais enxuta e justa.
Um ponto defendido pelo governador paulista e que contou com o aval de todos os governadores é o fim do repasse dos recursos do Pasep para a União, no montante de 1% da arrecadação estadual. Além de acabar com o repasse para a União, os governadores condenam a transferência dos recursos da contribuição para o BNDES. "É um contra-senso a imunidade recíproca do Pasep não existir. Isso é tão obvio que dispensa qualquer discussão", disse o governador do Pará, Simão Jatene (PSDB).
Primeiro do Nordeste a falar, Paulo Souto (BA) fez um alerta no plenário do Senado: como está, a reforma traz perdas objetivas para os estados. Segundo Souto, a desoneração de produtos da cesta básica e dos medicamentos de uso contínuo entre outros pontos da reforma provoca perdas para todas as unidades da Federação. "Só na Bahia, a perda é de R$ 150 milhões a R$ 250 milhões anuais. Precisamos de alternativas que recomponham as perdas", disse.
Uma das alternativas é o Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR), que foi aprovado pela Câmara e corre o risco de ser extinto pelo Senado. Os governadores do Norte, Nordeste e Centro-Oeste não gostaram nada da mudança e consumiram boa parte de seu tempo na defesa por um Fundo diferente do aprovado pelos deputados. A proposta dos governadores é de que o repasse de recursos seja feito diretamente para os governos estaduais e que seja aplicado em obras de infra-estrutura, mas o relator da reforma no Senado, Romero Jucá (PMDB/RR) revelou depois da reunião que está mais inclinado a substituir o fundo por uma vinculação dos orçamentos da União e do BNDES. A garantia para os governadores de que o dinheiro seria efetivamente repassado viria já na reforma ao se estabelecer que o percentual de 35% dos recursos incidiria sobre o montante executado e não sobre o previsto.
Ex-presidente da comissão da reforma tributária na Câmara dos Deputados no governo passado, o governador gaúcho, Germano Rigotto (PMDB), defendeu a inclusão dos insumos agrícola numa alíquota especial do ICMS, a exemplo da tributação diferenciada de medicamentos e cesta básica. O objetivo é evitar o aumento do custo da produção agropecuária, denunciado na semana passada pelo presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Antônio Ernesto de Salvo.
Outra preocupação dos governadores é relativa ao Fundo de Compensação das Exportações. Todos os governadores de estados produtores pediram regras claras para o fundo, além de reivindicarem o aumento de R$ 6 bilhões para R$ 8,5 bilhões já em 2004. "Parece que estamos pedindo favor ao propor o aumento dos recursos. A realidade é que muitos estados, em especial o Rio Grande do Sul, vão continuar perdendo mesmo com um Fundo de R$ 8,5 bilhões", disse Rigotto. "Não basta definir o número de R$ 8,5 bilhões. É preciso definir o valor, a fonte de sustento e os critérios de distribuição. Dizer que há dinheiro sem dizer se está embutido o seguro causa mais instabilidade", completou Simão Jatene (PA);
A polêmica proposta de fixar uma data retroativa a 30 de setembro para o fim da concessão de incentivos fiscais foi um dos temas que dividiu os governadores. Aécio Neves e Geraldo Alckmin foram dois dos que apoiaram a retroatividade para 30 de abril como propôs o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT/SP). A governadora do Rio de Janeiro, Rosinha Matheus (PMDB), no entanto diz que se é para pôr fim aos benefícios concedidos depois de 30 de abril, que a reforma acabe com todos os benefícios já concedidos.O governador de Alagoas, Ronaldo Lessa, avalia que a data inicial de 30 de setembro é razoável e não vê razões para mudanças.
O relator Jucá afirmou que está disposto a manter a retroatividade a 30 de abril. Jucá propõe uma alternativa para acomodar os benefícios concedidos entre 30 de abril e 30 de setembro. A saída seria criar um "filtro" segundo o qual o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) encaminharia ao Senado uma lista de benefícios que poderiam ser mantidos. O Senado daria a
palavra final sobre o assunto. Diante de tanta polêmica, Jucá já avisou que provavelmente seu parecer sobre a reforma não sai mais na quarta-feira.
Raquel Ribeiro e Iolando Lourenço