Cristovam Buarque: ''A meta é atingir 100% de alfabetização''

10/07/2003 - 13h47

Brasília, 10/7/2003 (Agência Brasil - ABr) - Enquanto o país comemora as dezesseis colocações conquistadas pelo Brasil no último Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), divulgado pelas Nações Unidas, o ministro da Educação, Cristovam Buarque, sente-se constrangido pelo resultado. "O país comemora uma vergonha", define o ministro, em entrevista à Agência Brasil, nesta quarta-feira. Um dos principais pontos para elevar o Brasil a uma posição mais distante da pobreza consiste, justamente, nos avanços na área da educação. Em uma década, o país matriculou 95% das crianças na escola nos três níveis de ensino. Mas o ministro Cristovam não se atém à maioria. Aponta o desafio do governo para os cinco por cento que ficaram fora das salas de aula. "É como uma mãe que tem dez filhos e deixa um fora da escola, sem se preocupar com o que não teve oportunidade", compara. Ele volta a falar do desejo de atingir o índice de 100% de brasileiros alfabetizados em 2006. Mas o grande desafio do ministro será conseguir os recursos necessários para atingir a meta. Até agora, o MEC tem apenas um terço do dinheiro necessário para cumprir a meta de alfabetizar três milhões de pessoas até o final do ano.

AGENCIA BRASIL - O que já se avançou nesses seis meses de gestão do MEC?
CRISTOVAM BUARQUE - Depende do que se chama de avanço. Para definir avanço na educação do Brasil, você vai ter que voltar aqui dentro de 15 anos. Educação não dá retorno. As pessoas ficam chocadas, mas Itaipu precisou de 11 anos para gerar o primeiro quilowatt. Projetos têm uma maturidade. Além disso, educação não se começa do zero, a gente já pega o processo andando.

AGENCIA BRASIL - O que o governo Lula, então, está fazendo para melhorar o futuro da educação brasileira?
CRISTOVAM BUARQUE - Vamos trabalhar em três frentes: a valorização do professor; a alfabetização de adultos e de crianças que chegaram aos oito anos sem serem alfabetizadas; e o investimento em programa de garantia da permanência das crianças na escola. Já lançamos o programa Toda Criança Aprendendo e mantemos o programa Bolsa-Escola. Estamos com um projeto pronto para criar o Poupança-Escola. Além disso, transformamos a Secretaria que era da Bolsa-Escola em Secretaria da Inclusão Social, que vai se preocupar em manter as crianças na escola. No que se refere à alfabetização, o programa está avançando. Chegamos, nessa semana, ao primeiro milhão de pessoas a serem alfabetizadas, ou seja, o convênio que vai permitir alfabetizá-las.

AGENCIA BRASIL – No começo do governo Lula, o MEC anunciou que a meta de alfabetização para 2003 é de três milhões de pessoas, mas o ministério já chegou a falar em fechar o ano com dois milhões.
CRISTOVAM BUARQUE - Está mantida a meta de três milhões e de 20 milhões em quatro anos.

AGENCIA BRASIL - O orçamento necessário para cumprir a meta de alfabetização de três milhões, em 2003, é de R$ 270 milhões. O ministério dispõe de R$ 90 milhões. De onde sairá o restante do recurso para isso?
CRISTOVAM BUARQUE - Eu não vou dizer agora de onde sai. E parte a gente ainda vai procurar, não temos ainda. Temos que acabar com a idéia de que as coisas fundamentais do país se transformam em dinheiro. Eu nunca vi ninguém dizer que só faz o filho depois do berço comprado ou só casa depois que tem casa própria. Você casa quando está com amor para casar e vai morar onde for preciso. Alfabetizar todos os brasileiros, educar todas as crianças é igual. A gente vai ter que ter esse dinheiro ou, então, vai ter que dizer ao mundo inteiro: "Aqui, a gente não quer alfabetizar, porque não tem dinheiro". Aí vai ter que explicar como é que esse país é um dos que tem maior número de turistas no mundo e não tem dinheiro para alfabetizar, como é que tem uma classe média rica, das mais suntuosas, não quer alfabetizar. A gente vai ter que levantar esse dinheiro ou dizer que o Brasil é um país como o Haiti, que não consegue alfabetizar suas crianças e seus adultos. O que são R$ 270 milhões num país que tem uma renda de R$ 1,5 trilhão? Um grãozinho de areia. Não é possível que a gente não encontre um grãozinho de areia nesse oceano de reais que é o Brasil.

AGENCIA BRASIL - O Relatório de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, divulgado essa semana, mostra que um dos principais fatores que fez o Brasil avançar no ranking foi justamente a universalização da Educação. Como garantir agora a qualidade do ensino?
CRISTOVAM BUARQUE - Primeiro, nós não chegamos ainda na universalização do ensino. Afirmar isso é falso, é fingimento. O Brasil tem ainda nas primeiras séries 5% que estão fora da escola. Quando a gente pega até o fim do ensino médio, temos de 12% a 13% fora da escola. O Brasil comemora a vergonha. A gente comemora só ter 5% de crianças fora da escola, a gente diz que tem 95% de crianças na escola. A gente comemorou sair de 65ª colocação para 49ª. A gente ainda está em 49º, o país que é a oitava economia do mundo e a gente comemora. Só no futebol que a gente não comemora o vice. No resto, a gente comemora tudo. A gente deve, claro, reconhecer que aumentou. É fingimento não reconhecer, mas é fingimento comemorar. Reconhecer é uma coisa, comemorar é outra. É mais ou menos como aconteceu no final do século XIX. Tinha gente que dizia que o Brasil já tinha 60% dos escravos livres. Enquanto tivesse um escravo, esse país não era decente. Enquanto tiver uma criança fora da escola, não estará bom. É como uma pessoa que tem dez filhos, não se importar com um que ficar fora da escola. Isso não está decente. De fato, o Índice de Desenvolvimento Humano melhorou. Sobretudo por duas coisas, a Bolsa Escola e o Fundef. Dois programas que o presidente Fernando Henrique fez que deram esse salto. Mesmo assim, pagando uma ninharia de dinheiro, R$ 15 por criança E, mesmo assim, o Fundef chega a apenas três ou quatro estados. Isso é muito pouco.

AGENCIA BRASIL – Como o governo vai lidar com o aumento da demanda de alunos que será provocada pela meta de inclusão na educação média?
CRISTOVAM BUARQUE – Estamos providenciando a criação do Fundo Nacional do Ensino Básico, que vai garantir recurso para tudo isso. Mas para isso, precisam ser aprovados os R$ 5 bilhões que estão previstos para o Fundeb. Esse dinheiro vai chegar aos estados, que vão se encarregar da execução dos projetos de inclusão no ensino médio.

AGENCIA BRASIL – O dinheiro chegará a todos os estados?
CRISTOVAM BUARQUE - Só não chega aos estados que são realmente ricos e que não precisam do dinheiro federal. O Fundef (Fundo para a Educação Fundamental) precisaria de R$ 4 bilhões. O Fundeb vai precisar de R$ 5 bilhões, não é uma diferença grande, mas vai mudar o Brasil.

AGENCIA BRASIL - E hoje, o Fundef dispõe de quanto?
CRISTOVAM BUARQUE - Hoje, a gente está pagando R$ 408 por criança, deveria pagar R$ 799. É por isso que os governadores estão entrando na justiça contra o governo federal. E eles têm razão. O governo do presidente Fernando Henrique não cumpriu a lei do Fundef. Eu como ministro continuo sem cumprir. É com vergonha que eu digo isso, mas é uma realidade. Na quarta-feira, eu me encontrei com um ministro de Angola. O país saiu de uma guerra destruído. Acabou o conflito, os meninos foram para a escola. Eles deram um jeito, contrataram 29 mil professores que para lá é muita coisa, construíram escolas onde não havia. Por que Angola consegue e nós, não? Por que a Espanha, 30 anos atrás, era igual ao Brasil de hoje e, hoje, é um dos primeiros em educação? A Irlanda e a Coréia eram piores do que o Brasil, 30 anos atrás, e hoje estão entre os melhores. Porque nesses lugares as pessoas disseram ‘aqui a gente vai colocar a educação em primeiro lugar’. Só depende da vontade dos brasileiros de fazer chegar ao Congresso, por meio do Executivo. Se a gente fizer isso, vai conseguir.

AGENCIA BRASIL – Mas o governo brasileiro tem o dinheiro disponível e a vontade política para priorizar a educação?
CRISTOVAM BUARQUE - Não se encontrou dinheiro para a saúde através da CPMF? A gente pode encontrar fontes sem aumentar a carga fiscal. Nós não arranjamos dinheiro para fazer a hidrelétrica de Itaipu? Para resolver todo o problema educacional brasileiro, nós só precisaríamos gastar, além do que é gasto hoje, em 15 anos, o equivalente a duas Itaipus. O que equivaleria a R$ 25 bilhões multiplicado por 15, menos de R$ 400 bilhões em 15 anos. A Alemanha, 13 anos atrás, decidiu-se integrar a Oriental com a Ocidental. Eles ainda gastam com isso US$ 60 bilhões por ano. É o que eles precisam fazer para integrar as duas Alemanhas. Se a gente quer integrar os dois "Brasis", a gente vai ter que gastar um dinheirinho. Mas não é o governo federal, é o federal, estadual, municipal. E não só os governos, as famílias, as pessoas, o Brasil inteiro. Ou não fazemos, é uma opção também – continuar o mesmo de 500 anos atrás. A gente pode continuar mais 100 anos assim, com vergonha, dividindo esse país em dois. A Alemanha mostrou que é possível. Você pode dizer que a Alemanha é mais rica. Se você fizer as contas, eles gastam mais proporcionalmente talvez do que a gente vai precisar gastar. Colocaram imposto em uma porção de coisa que não tinha para poder esse dinheiro trazer a Alemanha Oriental para dentro da Alemanha Ocidental. Mas, hoje, têm o orgulho de ter um grande país. O Brasil vai ter que escolher isso em algum momento de sua história. Eu acho que a hora é essa e é possível. A hora é essa porque tem um presidente comprometido com a educação, com sensibilidade social, um partido que defende tudo isso. Um dia desses, eu ouvi um comentário no jornal dizendo que eu tinha idéias que parecia Estados Unidos num país de tamanho de um Uruguai. Todas essas minhas idéias já estão no PT há muito tempo. Eu não estou botando nada que o PT não dizia antes. Se eu sou megalomaníaco, estou em boa companhia.

AGENCIA BRASIL - O próprio presidente disse que se forem alfabetizados cinco milhões, nos próximos anos, já estará de bom tamanho. O presidente está mais modesto?
CRISTOVAM BUARQUE – Eu não sei, mas acho que ele já está convencido de que é possível chegar a todos. Sejam 20 ou 15 milhões. A gente vai agora fazer o primeiro Censo da Alfabetização. O Brasil nunca fez um censo. Não vai ser de alfabetização, vai ser censo para descobrir o quanto o brasileiro saber ler

AGENCIA BRASIL - Quando vai ser isso?
CRISTOVAM BUARQUE - Não vai ser depressa, ainda estamos preparando. A gente quer saber quantos não conhecem as letras, quantos sabem juntar as letras numa palavra, quantos sabem juntar as palavras numa frase, quantos sabem ler um parágrafo inteiro, quantos sabem ler uma página inteira, quantos são capazes de ler um livro. Então o censo da capacidade de leitura de todos os brasileiros.

AGÊNCIA BRASIL – O censo será feito pelo próprio MEC?
CRISTOVAM BUARQUE - Vamos trabalhar com o MEC, Unesco, IBGE, Ipea. Estamos começando agora. O secretário [de Erradicação do Analfabetismo, João Luiz Homem de Carvalho] acaba de me dar a idéia, faz pouco tempo. Não demos ainda nem o primeiro passo.

AGÊNCIA BRASIL - O novo presidente da UNE disse que a cultura do diálogo está mudando. Como o senhor avalia esse prejuízo provocado pela falta de diálogo no governo anterior e essa aproximação atual?
CRISTOVAM BUARQUE - Eu não fico olhando para trás. Todo dia, eu me digo: ainda consigo ter esse diálogo. Faltam ainda alguns anos desse governo. O importante de um governo é manter esse diálogo até o fim. E a gente tem que se policiar todo dia. Todo dia, temos que perceber que essa capacidade de dialogar pode sumir por qualquer erro nosso. É preciso estar alerta sempre. Eu não comemoro que tenho um bom diálogo com os estudantes, eu fico é alerta para não deixar que isso desapareça com eles, com os professores, funcionários, reitores. Governo é muito difícil você terminar tão bem quando começou nas relações com os diversos segmentos. Eu vou fazer o possível para concluir assim. Eu sempre digo que bom ministro não é aquele que é aplaudido quando entra, é aquele que é aplaudido quando sai. Eu quero ser aplaudido no dia que sair.

AGENCIA BRASIL - O programa Brasil Alfabetizado já possui uma conta bancária para doações. Por que ela não está sendo divulgada para receber contribuição da sociedade?
CRISTOVAM BUARQUE - Todos os recursos de publicidade hoje são centralizados. Esse nós não colocamos ainda no centro do governo. Até porque eu acho que se colocássemos hoje poderia ter uma disputa de recurso com o Fome Zero. Eu acho que o Fome Zero é a principal campanha do governo, temos que concentrar no Fome Zero. Não vamos fazer muita divulgação até o Fome Zero já não precisar mais disso.

AGENCIA BRASIL - O que o senhor acha da proposta do presidente Lula de unificar os cadastros de pessoas que precisam receber benefícios sociais?
CRISTOVAM BUARQUE - Eu sou favorável. O que eu não sou favorável, nem o presidente, nem ninguém, é diluir. É preciso unificar sem diluir. O que é diluir? Diluir é dar uma renda a cada um sem dizer "você vai ter que estudar", "você vai ter que vacinar o menino", "você vai ter que aprender a ler". A gente vai unificar o cadastro, vai estar unificando o valor, mas vai haver a separação dos diversos programas.

Lilian Tahan e Cecília Jorge