Brasília, 5/7/2003 (Agência Brasil - ABr) - Obras públicas que não funcionam apesar de recentemente concluídas, direcionamento e graves irregularidades em licitações foram alguns dos mais freqüentes problemas encontrados pelos fiscais da Controladoria-Geral da União nos 26 municípios sorteados no mês passado para receberem fiscalizações especiais quanto à aplicação de recursos federais.
Entre as irregularidades em licitações chamou a atenção dos fiscais que atuaram em Independência, no Rio Grande do Sul, a participação do próprio prefeito do município no processo licitatório para fornecimento de material de construção, através de sua firma individual. A empresa foi declarada, pelo próprio prefeito, vencedora da licitação.
O total de recursos fiscalizados nas 26 áreas passou de R$ 100 milhões, aplicados pelas administrações municipais, por órgãos dos governos estaduais ou diretamente por organismos do governo federal. A operação envolveu mais de 250 fiscais da Controladoria. Uma síntese de cada um dos 26 relatórios está disponível a partir de hoje no endereço eletrônico da CGU (www.presidência.gov.br/cgu).
Para o Ministro do Controle e da Transparência, Waldir Pires, o resultado da fiscalização em cada uma das 26 áreas - com toda a sorte de vícios em licitações e muito gasto de dinheiro público em obras que se degradam sem funcionar - confirma a tese de que consolidou-se o sentimento da impunidade entre gestores públicos inidôneos ou descuidados.
"Mas as constatações reforçam, também, a necessidade de que insistamos em nossa luta para devolver à função pública o compromisso com a honestidade, identificando os beneficiários da corrupção, para que eles recebam as penas da lei e o desprezo da sociedade", disse Waldir Pires, lembrando que o apoio da imprensa é essencial para alcançar esses objetivos.
Algumas das edificações que nunca chegaram a funcionar, apesar de terem consumido recursos públicos oriundos do pagamento de impostos, são um matadouro municipal e uma granja comunitária no município de Amajari, em Roraima, obras que consumiram, juntas, R$ 918 mil dos cofres públicos.
A granja comunitária e o abatedouro municipal foram construídos por meio de convênios firmados entre a Prefeitura Municipal e a Superintendência da Zona Franca de Manaus. A granja custou aproximadamente R$ 294 mil e o matadouro R$ 624 mil. Os dois projetos ficaram prontos no final de 1998, mas nunca funcionaram porque, segundo a Prefeitura, a companhia de energia elétrica não tem capacidade para fornecer a energia necessária ao seu funcionamento, fato que deveria ter sido levado em conta quando da elaboração do projeto.
O sistema de abastecimento de água, construído no município cearense de Santa Quitéria (povoado de Lisieux), pela administração municipal anterior à atual, também nunca funcionou. A baixa qualidade dos serviços realizados e do material utilizado levaram à inutilização da obra, que não teve continuidade na atual administração devido às suas precárias condições técnicas.
Os fiscais da CGU constataram a inutilidade do sistema, que custou aproximadamente R$ 240 mil, sendo R$ 218 mil de recursos da Fundação Nacional de Saúde (Funasa/ Ministério da Saúde). O convênio foi lançado no SIAFI em abril deste ano com a situação de inadimplência efetiva e prestação de contas impugnada.
No município de Vicentina, Mato Grosso do Sul, um ginásio de esportes recentemente construído com recursos do Ministério do Esporte e Turismo (R$ 142,9 mil) e contrapartida do município (R$ 34,9 mil) está sem condições de uso porque a cobertura desabou e até o período da visita dos fiscais da CGU não tinha sido feita a recuperação.
A Prefeitura do Município de Tancredo Neves, na Bahia, adquiriu uma fazenda no valor de R$ 472,7 mil, com recursos do Ministério da Agricultura, descentralizados pela Caixa Econômica Federal. O objetivo era desenvolver a agricultura familiar no município. Ocorre que houve distorção na avaliação das benfeitorias, com o estado da casa de farinha considerado bom e o da pocilga, regular. A fiscalização constatou que o estado das duas instalações é ruim, com recuperação economicamente inviável. E o projeto não prevê a utilização da casa de farinha, que representou 41% do valor total da fazenda (R$ 195 mil).
Em Japaratinga, Alagoas, o Ministério da Integração Nacional firmou convênio com a Prefeitura para a realização de obras de pavimentação de ruas, no valor total de R$ 735 mil, sendo R$ 700 mil de recursos dogoverno federal e o restante de contrapartida municipal. A empresa vencedora da licitação foi a Uchôa Construções Ltda, que disputou o certame com apenas uma empresa, a Construtora Ativa Ltda. Dentre várias irregularidades constatadas no processo, os fiscais destacam o fato de os sócios-gerentes da Construtora Ativa serem empregados da Uchôa Construções Ltda.
Novo indício de direcionamento de licitação foi constatado em Vicentina, no Mato Grosso do Sul. Lá, o Ministério da Integração Nacional descentralizou recursos da ordem de R$ 303 mil ao município para obras de contenção de enchentes. O edital da tomada de preços foi publicado em apenas um jornal regional e somente a empresa Frason Construções e Projetos Ltda mostrou-se interessada. Os fiscais constataram ainda a similaridade do orçamento previsto pela prefeitura com os valores constantes da planilha orçamentária apresentada pela Frason e um sobrepreço da ordem de 62% em relação ao mercado.
Em Pitimbu, na Paraíba, a análise do convênio celebrado entre a Fundação Nacional de Saúde e o município para execução do sistema de abastecimento de água da localidade de Praia Azul, no valor de R$ 615,7 mil, mostrou que a empresa Link Engenharia, vencedora da tomada de preço, apresentou proposta no valor de R$ 850 mil, 38% superior ao valor global da obra previsto no edital. Mesmo assim, a prefeitura celebrou o contrato em novembro do ano passado.
A empresa Santa Maria Comércio e Representações Ltda, vencedora de uma licitação feita em Pontal do Araguaia, Mato Grosso, para aquisição, com recursos do SUS, de uma unidade odontológica móvel, apresentou proposta idêntica ao orçamento do convênio, cujo valor é de R$ 77 mil, e com data anterior à publicação da carta-convite, o que revela indícios de fraude no processo licitatório.
No mesmo município, a empresa Ensercom Engenharia, Serviços e Comércio Ltda. foi a única participante de uma licitação para a execução das obras de esgotamento sanitário local, com redes coletoras e ligações domiciliares. O convênio, feito entre a prefeitura e a Funasa, envolve recursos federais superiores a R$ 212 mil, com contrapartida municipal de R$ 21,7 mil. Os fiscais da CGU constataram que não houve publicidade adequada do certame licitatório.
Outros indícios de irregularidades em licitações foram observados ainda em Pontal do Araguaia, no Mato Grosso, e Jaguaré, no Espírito Santo, onde uma empresa beneficiada foi o Laboratório Franco, de uma parente do prefeito e do presidente da comissão de licitação da prefeitura.
Recursos da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), que só devem ser aplicados em projetos de melhoria de infra-estrutura, qualidade ambiental, saúde e educação, foram utilizados, em Jaguaré, no Espírito Santo, para montagem e execução de um show pirotécnico durante um rodeio (R$ 15 mil) e para ajuda financeira à Associação Jaguaré Esporte Clube, entidade desportiva profissional (R$ 40 mil).
Em Prudentópolis, no Paraná, constatou-se que a CFEM não vem sendo cobrada pelo Departamento Nacional de Produção Mineral à maioria das olarias que operam no município. De 17 olarias visitadas apenas duas apresentaram comprovação de recolhimento. As demais informaram que não foram fiscalizadas pelo DNPM ou pela prefeitura nos últimos dois anos. Como na região existem cerca de 65 empresas desse setor, estima-se que deixou-se de arrecadar cerca de R$ 30 mil com a CFEM nos últimos dois anos. No município constatou-se também que, de 13 projetos de mineração ainda em fase de pesquisa da lavra, três estão explorando indevidamente os recursos minerais.
Em muitos municípios fiscalizados, programas de financiamento ao produtor rural ou de incentivo à geração de emprego e renda, operados pelo Banco do Brasil e Banco do Nordeste, vêm apresentando problemas como alto índice de inadimplência, desvio de finalidade ou simples abandono, em decorrência, principalmente, da falta de fiscalização e de assistência aos mutuários. Em Tandredo Neves, na Bahia, entre dez financiamentos concedidos pelo Banco do Nordeste, no programa Proger Urbano, do Ministério do Trabalho e Emprego, sete estavam inadimplentes, segundo constataram os fiscais da CGU na agência do banco, no município vizinho de Santo Antônio de Jesus. (RE)