Velocidade da degradação estrutural das obras preocupa engenheiros
Uma das deficiências está na mistura de compostos que reduz a vida útil das construções, hoje proposta em torno de 50 anos
Brasília, 19 (Agência Brasil – ABr) - Futebol à parte, o dia 19 de julho de 1992 foi o mais trágico da história do Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro. Durante a partida final do Campeonato Brasileiro, a velha grade de proteção de uma parte da arquibancada não resistiu ao entusiasmo da torcida e desabou. A corrosão afetou marquises, túneis de acesso, refletores e até os pilares de sustentação dos imensos placares eletrônicos.
Um dos exemplos mais ameaçadores dessa deterioração é o que ocorre na Ponte Rio-Niterói, um monumento de concreto e aço de treze quilômetros de extensão que cruza a Baía da Guanabara. "Antigamente as pessoas achavam que o concreto era eterno, hoje já se tem uma consciência de que ele se degrada com o passar do tempo", destaca o professor do departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB), Antônio Nepomuceno.
O professor explica ainda que o concreto, composto basicamente por cimento, proporciona uma barreira física e química de proteção ao aço, dificultando a ação dos agentes do meio ambiente. Nas regiões mais secas, há grande influência do gás carbônico e nas regiões litorâneas, encontra-se o cloreto. Como há poros no concreto, esses agentes corrosivos penetram na estrutura até atingir o aço, transformando-o em óxido. Há, então, um aumento de volume que, ao pressionar a camada protetora, provoca fissuras.
O concreto também se deteriora com o ataque de ácidos, sulfatos, congelamento da água, entre outros. Esses elementos agridem a pasta de cimento, causam um desplacamento, e deixam o concreto enrugado. "Em locais com poluição de esgoto encontra-se uma concentração muito grande de sulfato. É por isso que em algumas obras do lago norte e sul de Brasília, onde a água não é tratada, se verifica muito desgaste", diz Nepomuceno.
Esses problemas vêm se acentuando com o passar do tempo. "Hoje você pode misturar um volume maior de água ao cimento, barateando o custo da estrutura, e obter a mesma resistência que antigamente", explica o professor. Com esse procedimento, o concreto fica mais poroso, facilitando a penetração dos agentes corrosivos. É por isso que as obras de hoje têm uma vida útil, por exemplo, no centro oeste, em torno de quinze a vinte anos, muito longe do conceito atual que estabelece uma durabilidade de 50 anos. "No Brasil, adota-se uma postura de revisão muito espaçada. A manutenção das construções deveria ser feita constantemente para que o tempo de duração do concreto fosse maior", comenta Nepomuceno.
Segundo ele, o que se deve fazer para evitar a corrosão do aço é ter uma cobertura da armadura a maior possível, e utilizar misturas de cimento adequadas para cada tipo de ambiente. "Também se deve aplicar novas metodologias de cálculo, concepções diferentes do comportamento estrutural, além de muitos estudos e pesquisas na área", ressalta. Nepomuceno e uma equipe de alunos da UnB fazem experimentos confrontando avaliações de estruturas reais com os resultados obtidos de acordo com o que estabelece a norma que rege as construções. (Cecília Resende)
Pesquisa comprova ineficiência das normas nacionais no controle da fissuração em obras
Professora análisou resultados experimentais de 228 peças de concreto armado, entre tirantes, vigas e lajes
Brasília, 19 (Agência Brasil – ABr) - Datada da década de 70, a norma brasileiras para o controle da fissuração em estruturas de concreto armado, ainda em vigor, necessita de modificações no entender de especialistas. A Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), com base nos estudos da professora Maria Cascão Ferreira de Almeida, alerta que as equações propostas nos critérios vigentes são incapazes de prever eficientemente o aparecimento de fissuras em concretos armados.
Uma comissão voluntária de engenheiros lançou no início do ano um CD com uma série de outras proposta. "Esse trabalho começou há bom tempo e o meu interesse pelo assunto surgiu na graduação, quando analisava as normas de diferentes países, fazia o cálculo de previsão da abertura das fendas e cada um apresentava um valor diferente", explica Maria de Almeida. Essas divergências na proposição de uma equação para cálculo são a nível internacional.
A pesquisa da professora começou em 1978 e desde então foram feitas análises dos resultados experimentais de 228 peças de concreto armado, entre tirantes, vigas e lajes, testadas em um total de 14 estudos realizados em laboratórios de vários países. "Estudei nove equações propostas na literatura internacional e, desde o início, notei que a nossa atual era ineficiente porque oferece valores subestimados", ressalta.
O estudo é baseado nas análises obtidas com os dados já existentes."Não só falo como provo, por parâmetros estatísticos, que a norma não é eficiente", enfatiza ela. Com o apoio do Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da UFJF, esse trabalho é apontado como de grande importância prática, uma vez que a equação elaborada pela professora será proposta para adoção no futuro texto da Norma Brasileira para construção civil, atualmente em revisão. (Cecília Resende)
Leia também:
http://www.radiobras.gov.br/ct/2002/materia_150202_1.htm
http://www.radiobras.gov.br/ct/2002/materia_150202_2.htm
http://www.radiobras.gov.br/ct/2002/materia_150202_3.htm
Embraer desenvolve tecnologia para voar mais alto
Empresa fortalece parcerias para criar ferramentas que facilitarão projetos de novos aviões
Brasília, 19 (Agência Brasil - ABr) - A Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer) deu mais um passo para se firmar como uma das quatro maiores empresas fabricantes de aviões do mundo ao inaugurar, no mês passado, a primeira etapa de sua unidade industrial na cidade de Gavião Peixoto, na região de Araraquara, a 300 quilômetros da capital paulista. Dois fatores pesaram muito na escolha: o pouco tráfego aéreo na região, um facilitador para testes aeronáuticos, e a proximidade de universidades e institutos de pesquisa de São Carlos, Campinas, São José dos Campos e São Paulo.
O contato com esses centros está presente na história de 33 anos da empresa marcada sempre pelo desenvolvimento de tecnologia e formação de pessoal. No início das operações, em 1969, o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (Ita) e o Centro Técnico Aeroespacial (CTA), criados na década de 50, foram os grandes formadores de engenheiros e fornecedores de assessoria tecnológica para a Embraer.
Para a nova unidade, a empresa transfere de sua sede em São José dos Campos a montagem dos jatos executivos Legacy e dos aviões militares AMX e Super Tucano ALX, além da modernização dos caças F-5 da Aeronáutica. Também está prevista para a nova unidade a montagem dos caças supersônicos Mirage 2000, caso a empresa, que tem um acordo com as francesas Dassault, Snecma e Thales, ganhe a concorrência da Força Aérea Brasileira (FAB).
Ao lado das instalações da nova fábrica, a empresa construiu a mais extensa pista de pouso e decolagem do hemisfério sul do planeta. Ela já está em uso nos testes do mais novo modelo da empresa, o EMB-170, um jato comercial de 70 lugares, que decolou pela primeira vez em fevereiro último. Com 5 quilômetros de extensão (a do Aeroporto Internacional de Cumbica, em São Paulo, tem 3.700 km), ela serve como apoio aos vôos e é essencial para os testes em que os aviões devem decolar e pousar com peso máximo, frear na pista e abortar decolagens. "Além disso, ao redor da pista só existe mato e plantações, diminuindo os perigos de um acidente em terra, caso um avião tenha de fazer um pouso de emergência fora da área prevista", diz Satoshi Yokota, vice-presidente executivo industrial da Embraer.
A nova empreitada da Embraer está vinculada a um acordo com o governo do estado, que cedeu por 35 anos o terreno de 17,5 milhões de m², incluindo a área fabril de 3 milhões de m², mais pista e as áreas de estacionamento de aviões e de reflorestamento. O acordo assinado pelo governador Mário Covas, em junho de 2000, também abrangeu a instalação da infra-estrutura de redes de água, luz, esgoto e estradas até a porta da fábrica. A previsão da empresa é investir, até 2005, US$ 150 milhões em Gavião Peixoto e contratar, nos próximos dez anos, 3 mil funcionários.
No acordo que o governo estadual fez com a Embraer está implícita a transformação da região num pólo de desenvolvimento aeronáutico. Para colaborar na implementação desse pólo e dar continuidade as parcerias entre os centros de pesquisa e a empresa, a Fapesp criou em 2000 o
programa especial Parceria para Inovação em Ciência e Tecnologia Aeroespacial (Picta). Ele funciona nos moldes do programa Parceria para Inovação Tecnológica (Pite), que financia projetos entre universidades, institutos de pesquisa e empresas. No total, a Fundação destina R$ 18 milhões por ano para o Picta.
Desde o ano passado, três projetos foram aprovados entre a Embraer e o Ita e um em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O primeiro, iniciado em junho de 2001, prevê a construção de um laboratório de ensaios aerodinâmicos, também chamado de túnel de vento, no Ita, em São José dos Campos. E ainda a modernização do túnel de vento já existente no CTA, na mesma cidade, e novos equipamentos para o túnel da Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos.
Os túneis de vento são uma ferramenta essencial para a fabricação de aviões. São eles que determinam boa parte das características aerodinâmicas das aeronaves. No lugar de fazer testes com modelos em escala real, o que seria extremamente custoso, são simuladas no túnel as diversas fases de vôo. "Para isso, utilizamos um modelo em escala reduzida e geometricamente idêntico à aeronave e o submetemos a uma corrente de vento, simulando o escoamento de ar em torno do avião. Os resultados obtidos fornecem a melhor configuração do perfil aerodinâmico da aeronave e da asa, em particular de dispositivos de sustentação como slats, flapes, ailerons e winglets (componentes da asa e da cauda que ajudam na navegabilidade e no controle do aparelho), explica Olympio Achilles de Faria Mello, engenheiro do CTA e coordenador do projeto que tem término previsto para maio de 2004.
Quando o túnel do Ita estiver pronto e os outros dois remodelados, a Embraer poderá realizar até 90% dos ensaios de vôo a baixa velocidade de suas novas aeronaves no Brasil. São vôos que atingem até 500 km/h e acontecem na decolagem ou antes do pouso. Por enquanto, boa parte desses ensaios é realizada no exterior, causando demora nos projetos e altos custos.
"Os novos laboratórios darão mais agilidade à Embraer e farão o país dominar uma tecnologia de ponta na área de projetos aeronáuticos", afirma o engenheiro do CTA. "Com eles, será possível reduzir os prazos de desenvolvimento de novos projetos e, ao mesmo tempo, obter resultados confiáveis." Os ensaios transônicos, aqueles entre 500 km/h e 1.200 km/h (a velocidade do som), que simulam vôos em alta velocidade, continuarão sendo feitos no exterior, porque o único túnel transônico no país, localizado no CTA, é de pequenas dimensões. "Um túnel desses, de porte industrial, custaria perto de US$ 80 milhões", informa Mello.
O segundo projeto do Picta-Pite também está associado às simulações de escoamento do ar para definição do perfil aerodinâmico de novas aeronaves. Mas desta vez, além dos túneis de vento, a ferramenta utilizada é a mecânica dos fluidos computacional - ou Computational Fluid Dynamics (CFD). Esse sistema é uma sofisticada ferramenta que permite fazer simulações numéricas dos escoamentos em torno do avião. Por enquanto, poucas empresas usam essa tecnologia no país. A Embraer e a Petrobras (no estudo do escoamento de água nos cabos e oleodutos nas plataformas submarinas), provavelmente, são as únicas.
"Na Embraer, a CFD será uma ferramenta voltada principalmente para a fase de concepção de novos aviões. No túnel de vento e nos ensaios em vôo buscaremos comprovar as tendências obtidas por meio das simulações em CFD", diz Guilherme Lara de Oliveira, engenheiro da Empresa e um dos coordenadores do projeto. "Seria muito caro e demorado fazer essas primeiras simulações em um túnel de vento", conta ele.
Segundo Oliveira, a Embraer já domina a metodologia de análise da CFD, mas dispõe de ferramentas limitadas para trabalhar. A intenção dos pesquisadores é desenvolver uma tecnologia calibrada para as necessidades atuais e futuras da empresa. Os benefícios serão muitos, desde a diminuição nos custos e no ciclo de desenvolvimento de produtos à independência tecnológica e segurança de informações em áreas estratégicas de acesso restrito. Isso implica maiores garantias de confidencialidade dos projetos da empresa. A Embraer deve ter o núcleo de CFD em ação dentro de três anos, período previsto para o fim do projeto iniciado em janeiro último. A equipe responsável pelo projeto tem a participação de cerca de 50 pessoas, coordenadas por engenheiros do CTA e da Embraer.
O terceiro projeto prevê o desenvolvimento de uma tecnologia que otimizará os ensaios em vôos para certificação dos aviões da empresa. Trata-se de um sistema GPS (Global Positioning System) Diferencial - sistema global de posicionamento composto de 24 satélites, que indicam a posição de latitude e longitude, também chamado DGPS. Com ele, ao realizarem vôos de teste, os pilotos da empresa receberão na cabine informações precisas sobre o posicionamento da aeronave e não terão dificuldades para percorrer trajetórias previamente definidas, condição fundamental para o sucesso dos ensaios. O DGPS é baseado em dois receptores GPS, um no avião e outro numa base fixa no solo, que corrige os sinais enviados pelos satélites, reduzindo a margem de erro do sistema de 30 para 3 metros ou menos.
O uso do DGPS trará enormes ganhos à Embraer, reduzindo os custos de ensaios e horas de vôo necessárias para homologação de suas aeronaves. "A hora de vôo para certificação é muito mais cara do que a de um vôo comum em função da parafernália envolvida, tanto a bordo quanto em terra, para medições, telemetrias, antenas, processamentos em computador e análises pós-vôos", diz o engenheiro aeroespacial do Inpe Hélio Koiti Kuga, coordenador do projeto.
Com isso, estima-se que o DGPS permitirá uma diminuição das horas de trabalho requeridas para a análise de dados de vôo de pouso e decolagem, assim como uma redução significativa de repetições de ensaios de ruído, necessárias para homologação dos aviões. Por exemplo, nos ensaios de ruído, a aeronave deve fazer pelo menos duas passagens sobre o local onde são feitas as medições sonoras. Hoje, sem auxílio do DGPS, boa parte desses vôos é perdida, pois o piloto não consegue atingir a precisão necessária. O novo sistema, por sua vez, fará os cálculos necessários para o piloto realizar a passagem com perfeição, disponibilizando os dados num display na cabine do avião.
O projeto foi iniciado em março passado e termina em setembro de 2003. Quando isso ocorrer, a Embraer estará se equiparando aos seus concorrentes, principalmente à canadense Bombardier, que parece usar um sistema similar. "O GPS diferencial traz enormes ganhos para os fabricantes e por isso essa tecnologia não é repassada de um para outro. Cada empresa desenvolve seu próprio sistema DGPS", conta o engenheiro Hélio Kuga, que conta com mais três pesquisadores em sua equipe, além dos engenheiros e técnicos da Embraer.
Os pesquisadores responsáveis pelo quarto projeto têm um enorme desafio pela frente: reproduzir numa simulação numérica todos os parâmetros relacionados ao comportamento do avião em vôo. É a chamada modelagem dinâmica, ou seja, a determinação dos parâmetros e das derivadas aerodinâmicas de estabilidade e de controle das aeronaves, a partir de ensaios em vôo. Com esses modelos matemáticos, a Embraer disporá de mais dados de suas aeronaves e poderá reduzir o número de ensaios e acelerar o desenvolvimento de seus projetos aeronáuticos. "A modelagem dinâmica define características relacionadas à qualidade de vôo e ao desempenho do avião", afirma o professor Elder Hemerly, do Ita, um dos coordenadores do projeto. "Isso viabilizará uma melhoria, em qualidade e redução de tempo, no projeto de diversos sistemas aeronáuticos, como piloto automático, amortecedor de derrapagem, simulador de vôo e sistemas para aumento de estabilidade", diz ele.
Todos os projetos de pesquisa da Embraer dentro do Picta-Pite têm o objetivo de dotar a empresa de ferramentas para a concepção dos projetos de aviões e dos testes pré-operação comercial. Não há, portanto, pelo menos nesse momento, a preocupação de a empresa desenvolver peças mais sofisticadas no Brasil. Como as montadoras estrangeiras de carros que atuam no país, a Embraer busca peças e sistemas para seus aviões em qualquer parte do globo. Segundo Yokota, o grau de nacionalização de peças e sistemas dos aviões da Embraer é variável, mas não passa dos 40%. "Nós temos de ter conhecimento sobre todos os sistemas e peças do avião, mas a sua produção não precisa ser feita aqui. Importamos muitos componentes, mas o produto final, o avião, é brasileiro. Nossos engenheiros lideram as equipes que cuidam da concepção dos projetos das aeronaves", diz ele.
Para Yokota, algumas partes do avião, como os motores, provavelmente sempre serão importadas. Isso porque há três grandes fabricantes de turbinas no mundo, a General Electric (GE), a Rolls-Royce e a Pratt&Whitney. Para dar suporte técnico aos seus clientes, esses fabricantes mantêm serviços de manutenção em vários cantos do globo. Obviamente, o custo desse serviço técnico não é nada desprezível.
A Embraer firmou 16 parcerias de risco com empresas do exterior para o desenvolvimento de componentes e sistemas para sua nova família de jatos. Assim, em vez de a Embraer bancar integralmente os custos de concepção de todos os componentes de um novo modelo de avião, parte ou mesmo todos os gastos referentes ao desenvolvimento de certas peças da aeronave são bancados por esses fornecedores-parceiros. "Se o parceiro de fora vai ou não ganhar dinheiro depende do sucesso da transferência de tecnologia. Não é uma transferência por contato, é pela prática, onde conta muito a competência do receptor", comenta Maurício Botelho, diretor-presidente da Embraer. Em resumo, se o novo avião for um sucesso comercial, todo mundo ganha. A Embraer venderá mais aeronaves, e seu parceiro, produzirá mais componentes para a empresa brasileira. Se for um fracasso, todo mundo perde.
Não é por acaso que, além de ser a maior empresa exportadora do país (vendas de US$ 2,897 bilhões em 2001), a Embraer é também a segunda maior importadora (compras equivalentes a US$ 1,843 bilhão no ano passado). Em termos de importação, a empresa fica atrás apenas da Petrobras, com o petróleo. O mercado externo responde por 98% do faturamento. A internacionalização começou na década de 80, quando o EMB-120, o Brasília, um turboélice para 30 passageiros, se tornou o primeiro avião da Embraer a entrar diretamente em operação comercial no exterior, em 1985, antes de ser entregue a uma companhia nacional. A partir da segunda metade dos anos 90, a empresa colocou no mercado uma linha de pequenos jatos destinada à aviação regional. Das mais de 600 unidades vendidas do ERJ-145 (jato para 50 lugares), apenas 15 voam no país.
Essa capacidade em projetar e montar aviões a preços competitivos é, certamente, um dos motivos do sucesso da Embraer, que faz dela a quarta maior indústria de aviões comerciais do mundo, atrás apenas da norte-americana Boeing, da européia Airbus e da Bombardier. Privatizada em 1994, a empresa aplica hoje de 7% a 8% de seu faturamento bruto em pesquisa e desenvolvimento, um alto percentual para uma empresa nacional que investe em tecnologia, índice normalmente situado entre 3 e 4%. Em valores, o investimento da Embraer nesse campo gira em torno dos US$ 220 milhões por ano. Por esse esforço e pela capacidade de montagem apresentada pela empresa, Yokota se orgulha de, entre os mais de 11 mil empregados da Embraer, ter 3 mil engenheiros no quadro de funcionários.
A grandeza da Embraer depende muito da conjuntura política e econômica mundial. A crise na aviação comercial pós-atentados terroristas nos Estados Unidos, em setembro de 2001, atingiu também a empresa paulista, que viu diminuir o número de pedidos. De um total de 161 aviões entregues no ano passado, haverá uma queda para 135 neste ano. Um resultado que não parece assustar a empresa. Segundo Botelho, as perspectivas de vendas são grandes, por exemplo, na China, onde a Embraer já tem escritório. Também anima o anúncio, feito no final de junho, da encomenda feita pela italiana Alitalia, de seis jatos ERJ-145, mais seis EMB-170 e seis EMB-190, um jato de 90 lugares, ainda em elaboração, que tem sua primeira entrega prevista para 2005.
(Pesquisa Fapesp)
Empresa paulista cria conjunto tecnológico que amplia a segurança em aviões
Plataforma integrada de sensores torna mais preciso o vôo dos aviões de pequeno porte
Brasília, 19 (Agência Brasil - ABr) - O sistema de navegação dos aviões de pequeno porte está prestes a receber a incorporação de um equipamento que unirá dois tipos de sistemas hoje utilizados para determinar a posição, trajetória e atitude (posição angular) de aeronaves. A novidade é uma plataforma integrada de sensores inerciais e do Global Positioning System (GPS) - Sistema de Posicionamento Global -, que dará mais segurança à classe desses aviões, como já acontece com aeronaves de grande porte. Essa plataforma está em fase final de desenvolvimento na empresa Navcon - Navegação e Controle, de São José dos Campos, interior de São Paulo.
Os sensores inerciais são considerados instrumentos primários de navegação e são independentes de sinais externos para funcionar. Eles são formados, principalmente, por dois instrumentos: os giroscópios e os acelerômetros. Os primeiros registram todos os movimentos do aparelho durante o vôo e funcionam por meio de princípios mecânicos, com um rotor girando como um pião e registrando os movimentos da aeronave em relação à caixa em que está instalado. Também funcionam com laser emitido por meio de fibras ópticas. O movimento do avião é sentido na diferença de velocidade de recepção do laser que percorre a fibra. Eles disponibilizam para os pilotos informações sobre a atitude do avião em três eixos: direção, ângulo do bico (inclinação para baixo ou para cima) e ângulo das asas (inclinação para os lados), mostrando se o avião está voando paralelo ao solo. Os acelerômetros fornecem dados relacionados à velocidade do avião.
O GPS é um sistema secundário de auxílio à navegação - seu uso como sistema principal ainda está em teste. Ele é formado por uma constelação de 24 satélites, na órbita de 20 mil quilômetros de altitude, que enviam sinais captados por aparelhos receptores nas cabines dos aviões. Os sinais são usados para determinar posição e trajetória dos aviões, por meio de coordenadas de latitude e longitude, linhas imaginárias que cortam o planeta. A margem de erro dos sinais GPS, que no passado era da ordem de 100 metros, hoje fica entre 1 e 3 metros, graças à correção das estações de referência localizadas em terra chamadas de Differential Global Positioning System (DGPS).
A plataforma integrada melhorará o uso do GPS e dos sensores e foi concebida para suprir falhas que possam existir nos dois sistemas. Os giroscópios podem ser pouco confiáveis e imprecisos e podem precisar de constantes correções ao longo do vôo. Em modelos mais simples e baratos, a margem de erro pode chegar a 10 graus por hora, o que levaria o avião a uma trajetória completamente equivocada. Giroscópios de alta precisão, entretanto, têm desvio de apenas 0,01 grau por hora, mas são aparelhos que podem custar por volta de US$ 300 mil. O sistema GPS, por sua vez, só funciona se o sinal de quatro satélites da constelação for captado simultaneamente pelo avião. Mas isso nem sempre é possível, o que pode levar a aeronave a fazer um vôo cego por alguns instantes.
"Falhas na transmissão do sinal, restrições geométricas de posicionamento e até mesmo uma manobra da aeronave podem fazer com que o sinal do sistema GPS não seja captado pelas antenas localizadas no avião", explica o engenheiro eletrônico Valter Ricardo Schad, diretor da Navcon. Batizada de Sistema Modular de Atitude e Navegação (Sman), a plataforma também pode ser usada por foguetes, mísseis, satélites, automóveis e navios. Depois de três anos de pesquisas e desenvolvimento, os engenheiros da Navcon concluíram, em abril, um protótipo do equipamento, que teve apoio do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe), da Fapesp. "Vamos utilizar sensores inerciais mais baratos e de baixa precisão e, mesmo assim, graças à integração com o receptor GPS, os resultados obtidos são bastante satisfatórios", afirma Schad também um dos inventores do Sman.
A forma modular é outra grande vantagem do Sman que faz com que ele possa ser utilizado por diferentes veículos. "O Sman é um sistema de prototipagem (elaboração de protótipos) rápida. Isso significa que para cada aplicação podemos definir o nível de integração desejada", conta o engenheiro industrial do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Otávio Santos Cupertino Durão, coordenador do projeto. Por causa dessa característica, a plataforma pode ser usada por automóveis, para navegação ou monitoramento de frotas. Na Europa e Estados Unidos, vários sistemas de navegação veicular estão em uso. Eles têm a função de mostrar em uma tela no painel do veículo a rua em que o carro está percorrendo e mostrar o melhor caminho ou, ainda, mostrar o estado do trânsito nas ruas e avenidas à frente. "Nesse caso, o sistema não precisará ser tão complexo como em aviões, já que na navegação veicular só estamos interessados em projetar a posição do automóvel no mapa", explica Durão.
Outra aplicação do Sman é em foguetes, satélites e mísseis, substituindo os caros componentes empregados hoje para controle de órbita e atitude. Por fim, o aparelho também poderá ser usado em navios e plataformas petrolíferas, auxiliando no posicionamento de ambos. Segundo Schad, o uso de uma plataforma integrada com GPS e sensores inerciais de baixo custo é foco de pesquisa e desenvolvimento em todo o mundo. A Navcon é a única empresa no Brasil que conseguiu incrementar um sistema modular integrado com essas duas tecnologias, incluindo determinação de atitude por GPS, e o uso de sensores inerciais. Outras companhias até fizeram a integração, mas focando em apenas uma aplicação.
O modelo mais complexo do Sman, para uso em aviões, será formado por seis módulos, além de um software. A unidade mestre de sensores é composta por giroscópios, acelerômetros e alguns circuitos necessários ao seu funcionamento, enquanto a unidade de sensores e interfaces inclui bússolas, sensores de velocidade (que medem os quilômetros ou milhas percorridas por hora) e sensores adicionais. A unidade GPS pode conter um ou vários receptores. Um teclado e um display gráfico, que servem como interface para o usuário, serão a base da unidade de controle e visualização. Por fim, o software será responsável pela operacionalidade do Sman.
A Navcon entrou com um pedido de financiamento da patente do protótipo ao Núcleo de Patentes e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec), da Fapesp. Paralelamente, está fazendo algumas adaptações no Sman visando a sua colocação no mercado. Algumas negociações já estão em curso. "Conversamos com uma empresa que fabrica sistemas de navegação para automóveis e houve interesse por parte dela em conhecer o produto melhor", diz Schad. O setor aeroespacial também está sendo sondado.
Com apenas três anos de mercado, a Navcon se especializou no desenvolvimento de sistemas inerciais, automação e controle de processos industriais e laboratoriais. Além do Sman, a empresa também conta com outro projeto no Pipe, com a primeira fase concluída, para o desenvolvimento de um receptor GPS para aplicações espaciais. Com os dois projetos, mais perspectivas se abrem para a Navcon, que ganha, assim, mais visibilidade na indústria aeroespacial e se apresenta para outros setores, como o automotivo e o náutico. (Pesquisa Fapesp)