Artigo

12/07/2002 - 10h10

Crescimento econômico e preservação ambiental

Miguel Krigsner (*)

Na década de 60, no ápice da guerra fria e da corrida armamentista, os movimentos da contra-cultura iniciavam a resistência à política ambiental dos países industrializados. Numa atmosfera dominada por transformações sociais, políticas e comportamentais, a sociedade mundial reivindicava ética, transparência e, principalmente, zelo no trato com a natureza. Grupos ecológicos previam o colapso do planeta diante do desmatamento desenfreado, o acúmulo de detritos sólidos, a emissão de poluentes no ar e o conseqüente envenenamento do ambiente por substâncias tóxicas. Naquela época já se questionava a exploração humana em torno dos recursos naturais. As dúvidas se perpetuaram por três décadas e ainda hoje fomentam os debates atuais sobre o tema, pois como promover o crescimento econômico e manter a preservação da qualidade ambiental?

A preocupação é pertinente, urgente, e fundamental para a sobrevivência e oxigenação do ecossistema e, por conseqüência, esticar a sobrevida da humanidade. Os números da devastação impressionam pelo caráter emergencial da causa. A destruição das florestas tropicais, por exemplo, monopoliza os esforços de ecologistas. Cálculos seguros apontam que elas desaparecem a uma taxa de 32 milhões de hectares por ano. No Brasil, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), anualmente o índice é de aproximadamente 2,15 milhões de hectares. As florestas tropicais ocupam 7% da superfície terrestre, mas acomodam cerca de 40% de todas as formas de vida do planeta. Traduzindo esses dados, são cerca de 15 milhões de espécies de vida animal e vegetal que sofrem com ação humana.

Tanta preocupação é respaldada no gerenciamento da atividade comercial, investimento, e criação de emprego. Esse despertar, que mostrou suas garras há cerca de 40 anos, mantém-se legítimo e sem solução. Diante dos impactos negativos, resultado dos graves problemas ambientais, criaram-se fóruns e conferências para se discutir uma nova consciência verde e politicamente correta. Líderes mundiais incluíram a ecologia em sua agenda e a mídia esparramou a mensagem: "o mundo pede socorro". Foi um período em que o setor produtivo percebeu a intrínseca e perversa relação entre a degradação ambiental com pobreza. Enfim, surgia a proposta de integração entre economia e meio ambiente para conservar as necessidades básicas das futuras gerações através de novos patamares de produção. Tentava-se assim pelo menos garantir as reservas biológicas do planeta.

Começou-se a discutir, na verdade, as formas e o futuro do desenvolvimento. A reflexão em torno da degradação ambiental produziu um único ponto de congruência: do jeito que está não podia ficar. Cabe aos empresários empreender e coordenar uma transformação nas mais diversas maneiras de produzir lucro. Está em nossas mãos o poder de manter a atividade econômica e preservar a natureza, aliados aos valores sociais. É imperativo que se una a questão ambiental ao planejamento estratégico das corporações. Reconhece-se, porém, que o desenvolvimento está atrelado à preservação.

A devastação coloca a nossa sobrevivência no cerne dos debates. Em meio aos interesses que envolvem uma negociação dessa envergadura, cercada por múltiplas facetas, chegou-se à conclusão de que não há como transitar num terreno movido por incertezas. Trata-se de um reconhecimento bilateral, em que ambas as partes concordam que é necessário virar o jogo, numa costura essencial para a saúde do mundo. Nesse mesmo pacote, há que se juntar empresas e responsabilidade social. Vencida as barreiras ideológicas, o que se busca é a formatação de modelo de desenvolvimento, distante das rinhas, críticas ou troca de acusações.

Apesar das diferenças filosóficas e conceituais, os grandes conglomerados econômicos estão cada vez mais comprometidos com a gestão ambiental. Prova disso é que algumas corporações adotaram este tipo de preocupação como missão. Nessa relação já se constatou que a administração socialmente responsável agrega valor aos negócios, produtos e serviços. São atitudes que angariam respeito, competitividade, e funcionam como uma espécie de caixa de ressonância na comunidade. Dentro desse prisma, o mercado consumidor começa a reconhecer uma nova postura das empresas atentas à proteção da natureza. Busca-se, nesse caso, pelo menos minimizar os efeitos devastadores da miséria global, inaceitável sob qualquer ponto de vista. É inadmissível que metade dos 6,2 milhões de habitantes da Terra conviva com US$ 2 por dia. Um terço desse total está na linha de miséria.

Os trágicos e lamentáveis problemas ambientais e suas conseqüências desastrosas na atividade econômica são o ponto de partida para uma profunda reflexão. A sobrevivência das futuras gerações está em nosso poder de transformar a realidade e pelo menos amenizar o quadro caótico produzido pelas mazelas. E não se discute nem contesta a necessidade da globalização dos mercados. Não se trata de filantropia ou assistencialismo: é necessidade. Este sim é o nosso grande desafio. É possível crescer e distribuir renda sem destruir.

(*) Miguel Krigsner é presidente de O Boticário e idealizador da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza