Especial Diretas 5 - Pedro Simon: a língua afiada na campanha

24/04/2004 - 12h17

Deigma Turazi
Repórter da Agência Brasil

Brasília, 24/4/2004 (Agência Brasil - ABr) - O senador Pedro Simon (PMDB-RS) é um dos parlamentares mais temidos por políticos e governantes de várias tendências, por sua língua afiada. Capaz, até, de influir na demissão de ministros de Estado que não estejam em consonância com as expectativas e anseios da população.

Aos 73 anos, em seu terceiro mandato, ele já governou o estado do Rio Grande do Sul e foi ministro da Agricultura em 1985, durante o governo de José Sarney. Também deixou sua marca em um dos movimentos democráticos mais memoráveis da história política brasileira, a campanha pelas diretas já. Escolhido em 1983 para presidir a comissão constituída a fim de avaliar a posição do partido em relação à emenda Dante de Oliveira, Simon montou a estratégia que contribuiu para tirar os militares do poder.

É com paixão que ele fala dos comícios realizados de norte a sul, da multidão nas ruas, da coragem das pessoas em enfrentar tanques, baionetas e metralhadoras na luta pela redemocratização do Brasil em 1984, quando a campanha atingiu seu ápice. Lembra a articulação feita entre o então governador de Minas Gerais, Tancredo Neves, e o deputado Ulysses Guimarães (MDB-SP) para que o primeiro, com a derrota da Emenda Dante na Câmara, enfrentasse e derrotasse Paulo Maluf (PDS-SP), o candidato apoiado pelos militares no Colégio Eleitoral, em março de 1985.

O senador também fala do Brasil hoje administrado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, na opinião dele, conseguirá superar os problemas que emperram as ações de governo. Surpreso com a falta de informação dos jovens de hoje sobre a história política nacional – "acham que Tiradentes foi um torturador e não um herói da Inconfidência Mineira" –, Pedro Simon defende a introdução, nos currículos escolares, de uma disciplina que substitua a Moral e Cívica – "uma lavagem cerebral" – adotada durante o regime militar. E é autor de um projeto de lei propondo que as televisões transmitam programas semanais para resgatar nossas principais expressões históricas.

Confira, a seguir, os principais pontos do depoimento do senador:

Vitória sobre as baionetas

"Para mim e para toda a sociedade brasileira, a campanha das diretas representou o momento ético mais bonito e mais emocionante da vida política brasileira. Conseguiu atingir todos os segmentos da sociedade numa época de total ditadura, onde existiam o medo, a tortura, o crime, a morte, a cassação. A sociedade, aos poucos, foi se imiscuindo do sentimento de luta pela eleição direta. Os artistas, os intelectuais, os jovens, os estudantes tomaram conta das praças, de peito aberto, e de mãos vazias derrotaram as baionetas.

Ninguém levava muito a sério a emenda constitucional proposta pelo deputado Dante de Oliveira, um jovem recém-chegado ao Congresso. Vivíamos um momento político duro. Como é que a ditadura ia permitir que se votasse uma emenda daquelas? Em uma convenção do MDB ficou decidido que o partido designaria uma comissão, que eu presidi, para coordenar uma campanha pelas diretas. O movimento estava lançado. As diretas já foram uma grande vitória 20 anos atrás".

Todos unidos

"As primeiras reuniões foram realizadas em Porto Alegre, com o doutor Tancredo e o doutor Ulysses. No comício que aconteceu em 14 de janeiro de 1984 em Camboriú, Santa Catarina, Tancredo não pôde ir, teve uma insolação. A caminhada pela praia reuniu milhares de pessoas. Nos outras que foram sucedendo, o movimento já não era mais apenas do MDB, mas de todos os partidos, de todos os segmentos da sociedade. E aí não parou mais, contaminou todas as cidades, todas as capitais, todos os lugares.

Duas grandes concentrações se destacaram: a primeira no Rio e a segunda, em São Paulo, no feriado do aniversário da cidade. No 'Jornal Nacional' da Rede Globo saíram só as festividades do aniversário. E o comício havia reunido mais de um milhão de pessoas. Isso provocou uma revolta e até algumas caminhonetes da emissora foram viradas. A partir daí, a imprensa começou a entrar mesmo no movimento. Com a adesão dos jornais, rádios, emissoras de televisão, artistas, o movimento superou todas as expectativas."

Proposta indecente

"O general Figueiredo (ex-presidente João Baptista Figueiredo) queria engambelar a opinião pública, dar uma de bonzinho com a proposta de que se nós votássemos a emenda prorrogando o mandato dele por mais dois anos – ele já tinha seis –, ele mandaria uma emenda ao Congresso garantindo a realização das eleições diretas para dois anos depois. Nós não aceitamos essa tese. Nós não acreditamos nisso e levamos adiante o movimento das diretas já.

Na véspera da votação da Emenda Dante de Oliveira pelo plenário da Câmara dos Deputados, o governo baixou um ato complementar proibindo manifestações, proibindo que as pessoas chegassem a dois quilômetros do Congresso Nacional. E no dia da votação, o Congresso amanheceu cercado de tropas do Exército, tanques, metralhadoras, praticamente proibindo a entrada de todos no Congresso. Houve uma pressão enorme, uma coação no sentido de anunciar uma enormidade de cassações que seriam feitas.

A emenda constitucional foi rejeitada e o Tancredo lançou a candidatura dele dentro do Colégio Eleitoral. Isso era meio incompreensível, porque o MDB era contra o Colégio Eleitoral, um instrumento da ditadura pelo qual haviam sido 'eleitos' (nomeados) cinco generais presidentes da República. Mas a tese era a de que nós iríamos ao Colégio Eleitoral para destruir o Colégio Eleitoral."

Ameaças na votação

"A minha reação foi a do mais vibrante protesto. Fiz um discurso duro, porque na época estava inclusive no Congresso o assessor de Imprensa do presidente Figueiredo, o Carlos Átila, que fazia a coordenação dos votos perante o Palácio do Planalto, com promessas, favores, ameaças. Ele estava numa daquelas salas das galerias da Câmara, a gente via atrás do vidro a fisionomia dele. E o Congresso estava cheio de militares à paisana, pessoal da segurança da Presidência da República fazendo pressão e coação. Eu vi gente chorando, gente que não votou dizendo 'eu não sou um covarde, mas eu tenho a minha mulher, os meus filhos...' No final, o Congresso inteiro cantava o Hino Nacional e nós saímos para a rua, em caminhada em volta do Congresso.

No mesmo momento, o doutor Ulysses e o doutor Tancredo iniciaram o movimento de que nós iríamos ao Colégio Eleitoral para deslegitimizá-lo, para dizimá-lo. Mas ficaram as incertezas: como o povo vai entender, se nós passamos a vida inteira com a eleição do Castello Branco, do Costa e Silva, Geisel, do Médici, Figueiredo? Nós sempre esculhambamos o Colégio Eleitoral, como é que nós íamos, agora, querer ganhar no Colégio Eleitoral?

A explicação era a de que, acabando com o Colégio Eleitoral, a democracia seria restabelecida. E foi o que deu força à nossa caminhada. A partir daquele dia da derrota da Emenda Dante de Oliveira, o povo resolveu topar a parada. E era um confronto com as Forças Armadas, um confronto com a ditadura. Tancredo Neves começou a percorrer o Brasil como candidato a presidente, enquanto Paulo Maluf, que era o candidato da Arena, não saía de casa, para não enfrentar as vaias do povo. E aconteceu o inesperado: um racha nessa antiga Arena."

Racha na Arena

"Nós conseguimos fazer um acordo com a dissidência da Arena, onde estavam o José Sarney, o Jorge Bornhausen, o Marco Maciel e muita gente. Mas o governo militar ameaçava pelos jornais todo dia: antes do dia das eleições para presidente, no Colégio Eleitoral, eles iam cassar os deputados e senadores, até chegar ao número necessário para eleger o candidato deles. Essa era a expectativa e a gente imaginava que isso aconteceria mesmo. Mas a manifestação do povo foi tão intensa que eles não tiveram coragem.

Eles foram obrigados a aceitar e na hora o número de pessoas que votou a favor da candidatura de Tancredo Neves foi muito maior do que imaginávamos. O Brasil inteiro parou, o Congresso parou, as emissoras de rádio e de televisão transmitiam a votação diretamente do Congresso. Olha, que eu me lembre, foi uma festa maior do que quando o Brasil ganhou o tricampeonato do mundo (1970) no futebol. Foi o ato mais bonito da nossa vida político-partidária. Mesmo que não tenha sido uma eleição direta, ela foi mais do que isso, foi um verdadeiro plebiscito."

Vitória de Lula

"O Brasil jogou muito, muito mesmo, na eleição do Lula em 2002. Ele viveu um momento muito importante: um líder sindical, um operário, uma pessoa humilde do Partido dos Trabalhadores que teve uma vitória espetacular para a Presidência da República. A angústia desde a morte de Tancredo Neves só foi superada com a vitória de Lula. O povo achou: 'bom, chegou a nossa hora'. Infelizmente, neste ano e meio de governo, o Lula não disse ainda a que veio. E o povo, na verdade, está angustiado à espera de que o governo do Lula comece. Mas não há ainda o sentimento de revolta. O que existe é uma expectativa, e eu acredito nisso, de que o Lula ainda vai dar a volta e o governo dele vai fazer aquilo que a gente espera".

Resgate dos heróis

"Na época da ditadura havia matérias estúpidas, com professores especiais – geralmente militares – querendo fazer uma lavagem cerebral na mocidade. Aquilo foi um escândalo. Agora nós temos professores que analisam a nossa História, que contam a nossa História, inclusive o extraordinário movimento das diretas já.

É preciso ensinar o povo a admirar seus heróis, estimular o Brasil a amar seu povo, a conhecer seus heróis, como acontece nos Estados Unidos, na França, na Argentina e na maioria dos países que têm orgulho de seus heróis. No Brasil há uma certa apatia por causa da ditadura de Getúlio, desses 21 anos de ditadura que o Brasil viveu após o golpe de 1964. Meu projeto prevê uma disciplina escolar para dar um conteúdo de seriedade ao povo brasileiro e principalmente aos nossos estudantes."