Livro revela potencial transformador de assentamentos rurais

24/04/2004 - 13h39

Brasília, 24/4/2004 (Agência Brasil - ABr) - Os assentamentos rurais no Brasil são, equivocadamente, tratados como "favelas rurais" ou mesmo como exemplo de políticas assistenciais. Essa idéia distorcida oculta o significado dessas comunidades e empobrece, ao invés de aprofundar, o debate sobre suas complexidades e desafios.

Para desmistificar essas convenções e ampliar as discussões em torno da questão fundiária brasileira, o Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD), em parceria com a Fundação Editora Unesp, lança o livro Impactos dos Assentamentos - um estudo sobre o meio rural brasileiro amanhã (25), durante a 18ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo.

Trata-se de um dos mais importantes estudos sobre a reforma agrária no Brasil nos últimos anos. A publicação baseia-se em dados de pesquisa realizada entre janeiro de 2000 e dezembro de 2001 conjuntamente pelo Curso de Pós-graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ) e Núcleo de Antropologia da Política (Nuap) do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de janeiro (UFRJ). O estudo foi encomendado pelo NEAD, órgão do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) responsável pela promoção e realização de estudos e pesquisas sobre reforma agrária, agricultura familiar e desenvolvimento rural sustentável.

Os professores Sérgio Leite, Beatriz Heredia, Leonilde Medeiros, Moacir Palmeira e Rosângela Cintrão foram os coordenadores nacionais da pesquisa, que contou com a participação de equipes nos 92 assentamentos estudados.

Foram focalizadas na pesquisa seis regiões brasileiras que contam com elevada concentração de projetos de assentamento e alta densidade de famílias assentadas por unidade territorial, pressupondo que esse procedimento traria maior possibilidade de apreensão dos processos de mudança em curso. Essas regiões - sul da Bahia, entorno do Distrito Federal, sertão do Ceará, sudeste do Pará, oeste de Santa Catarina e zona canavieira nordestina - refletem, também, a diversidade da realidade brasileira.

Os pesquisadores analisaram 39 municípios, com uma população de 15.113 famílias assentadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), entre 1985 e 1997.

A pesquisa examina os processos de mudanças socioeconômicas provocados pelos assentamentos da reforma agrária não no agronegócio ou nas importações, mas nas regiões onde estão inseridos, incluindo os pequenos mercados.

À luz dessa perspectiva, o livro mostra como esses impactos, a médio e longo prazo, repercutem combatendo a pobreza em comunidades com poucas alternativas de emprego e baixa escolaridade.

Muitos dos dados da pesquisa reforçam a idéia de que os assentamentos retomam trajetórias interrompidas e estabelecem espaços de sociabilidade comunitária e novas situações de inserção política, econômica e social. Por mais percalços que estejam presentes na vida das populações rurais, o processo de acesso à terra acarretou, em muitos casos, num nítido progresso em relação ao passado, uma vez que 91% dos assentados entrevistados consideram que suas vidas melhoraram e 87% acreditam que o futuro é promissor.

Os dados apontam, também, que cerca de 90% da população maior de 14 anos trabalham no lote e o número médio de pessoas envolvidas nas atividades agrícolas e não-agrícolas (educação, saúde, construção) chega a três assentados por lote. Ou seja, além de gerar empregos para a família, os assentamentos proporcionam trabalho para outras pessoas, indicando uma grande contribuição da reforma agrária para o desenvolvimento rural.

Das famílias entrevistadas, 66% apontaram uma melhora na alimentação, e 62% consideram que seu poder de compra aumentou. A condição de assentado possibilitou, ainda, a essa população o acesso ao crédito pela primeira vez. Mesmo com grandes dificuldades de integração ao mercado financeiro, 93% das famílias entrevistadas nunca tinham tido acesso ao crédito antes de serem assentadas.

A pesquisa revela também que os assentados ainda enfrentam problemas graves de saúde, educação e infra-estrutura. Exemplo disso é a educação dos filhos, uma das maiores preocupações dos assentados. Em 86% dos projetos investigados existem escolas, a maioria criada depois da instalação do assentamento. Em 71% dos casos houve necessidade de reivindicações dos assentados para a criação das escolas. Uma porcentagem alta da população freqüentava a escola, apesar das deficiências como salas multisseriadas e oferta apenas do ensino fundamental.

O livro, segundo os autores, não tem por objetivo afirmar sucessos ou fracassos da política de assentamentos, mas sim apontar indicadores e relações que permitam mensurar e qualificar o significado da existência dos assentamentos, a partir da comparação entre as situações atual e anterior dos assentados (tanto em termos objetivos como subjetivos), e da comparação entre as condições socioeconômicas existentes no assentamento e aquelas verificadas em seu entorno.

(Com informações do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural)