Escritores lusófonos acreditam que acordo não altera a prosa

21/12/2012 - 13h47


Alex Rodrigues*
Repórter da Agência Brasil

Brasília – Dez anos antes da Academia Brasileira de Letras estabelecer o Formulário Ortográfico (1943) - uma das primeiras tentativas de se organizar no Brasil o vocabulário ortográfico da língua portuguesa; o compositor Noel Rosa indicava que o idioma de matriz europeia era apropriado pelos brasileiros de modo peculiar e que a língua é de quem usa. “Tudo aquilo que o malandro pronuncia com voz macia é brasileiro, já passou de português”, escreveu o “Poeta da Vila” na canção Cinema Falado.

O mesmo fenômeno de apropriação, enriquecedor nos vocábulos e na expressão de sentimentos, também pode ser notado no trabalho de escritores de outros países lusófonos. Para eles, assim como para Noel Rosa, “já passou de português” o que se quer dizer aos leitores e as regras do idioma escrito, em mudança com o acordo ortográfico (no Brasil estabelecida pelo Decreto 6.583/2008), não alteram as intenções autorais e a maneira de como escrevem.

“O escritor, enquanto artista, deve poder trabalhar a língua da maneira que ela gere uma linguagem estética capaz de acompanhar seu processo criativo, pois isso gera uma marca identitária [adjetivo relativo a identidade] própria a cada escritor. Isto é uma urgência que vem de dentro. Partimos de pressupostos, de uma gramática semelhante, mas aquilo que faz a literatura de cada um nem sequer é o fato de ser angolano, moçambicano ou brasileiro, mas sim as urgências, os anseios e os medos de cada um”, explica o o escritor angolano Ndalu de Almeida, que assina com o pseudônimo de Ondjaki.

Ele defende a supremacia da literatura como “espaço de mediação identitária entre os países de língua portuguesa” acima do idioma oficial. A escritora moçambicana Paulina Chiziane é clara ao dizer “o acordo não afeta a minha produção”, apesar de sentir “pena” de ter que comprar “novos livros, novas gramáticas, novos dicionários”. O escritor cabo-verdiano Germano de Almeida concorda com seus colegas e avalia que, embora novas regras possam alterar “hábitos instalados”, o acordo não acarretará maiores transtornos.

“Em Cabo Verde não há problemas quanto ao acordo. A língua é um instrumento e defendemos que temos que nos preocupar com [o fato de ] que cada um de nós [países de língua portuguesa] tenha um português. Na medida em que conseguimos aproximar a língua, que todos tenhamos um português próximo, fazemos isso”, diz Germano.

Germando, Ondjaki e Chiziane estiveram em Brasília em abril passado para participar da 1ª Bienal Brasil do Livro e da Leitura; assim como a historiadora e poetisa angolana, Ana Paula Tavares. Na ocasião, ela também revelou boa vontade com a reforma ortográfica. “Não tenho problema nenhum em escrever segundo o novo acordo para minha comunicação normal”. Ela ressalvou, no entanto, a diferença entre escrever em prosa ou em verso. “Quando escrevo poesia, surgem algumas dificuldades, já que a palavra poética obedece a um ritmo, a uma musicalidade, que lhe está implícita. Se eu de repente tiro o "p" de egípcio, esta simples letra faz falta”.

Feita a ponderação, ela salienta que “algumas pessoas que recusam o acordo escondem preconceitos como se acharem as donas do idioma e não aceitarem que este seja modificado ao sabor do que consideram um serviço aos [países] herdeiros da língua. Não tenho esse preconceito. Acho que, se é possível simplificar a comunicação, deve-se seguir este caminho. Já os escritores, os criadores, vão ter que pensar esta questão. O acordo é ortográfico. Não tem implicações no sentido fundamental da escrita. A escolha da ortografia, contudo, vai depender muito do autor. Se o poema me exigir que eu fique com a grafia antiga, vou optar por ela”, afirma, para destacar que a criação tem liberdade ortográfica.

*Colaborou Gilberto Costa, de Lisboa

Edição: Tereza Barbosa