Vladimir Platonow
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro – O antigo prédio do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), que serviu de aparelho repressor estatal em duas ditaduras, a de Getúlio Vargas e a do regime militar, pode se transformar em um centro de memória dos movimentos sociais e políticos. A iniciativa é da Comissão Estadual da Verdade do Rio (CEV-Rio), que hoje (4) iniciou um seminário para debater o tema. Atualmente, o prédio está sob responsabilidade da Polícia Civil, que pretende inaugurar ali o Museu da Polícia.
O presidente da CEV-Rio, o advogado Wadih Damous, participou de uma mesa de depoimentos de ex-presos políticos que foram torturados nas dependências do antigo Dops. O evento foi organizado na calçada em frente ao prédio, na esquina da Rua da Relação com a Rua dos Inválidos.
“Foi um ato para dar voz aqueles que aqui estiveram presos em determinados períodos da repressão ditatorial, para poderem relatar tudo aquilo que sofreram, todas as arbitrariedades, os espancamentos, as torturas. Nós queremos transformar o prédio em um museu da resistência e da repressão. Isso é um modelo que está sendo efetivado em diversos países, inclusive da América Latina, onde ocorreram ditaduras”, disse Damous.
Uma das presas políticas que ficaram confinadas no local é a farmacêutica Ana Miranda, que contou o que passou no antigo prédio do Dops e também no quartel do Exército da Rua Barão de Mesquita, na Tijuca, onde funcionava o extinto Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), responsável pela maior parte dos atos de violência e tortura.
“Nós precisamos nos apropriar deste espaço para que as próximas gerações possam entender e saber o que se passou, para que a gente possa refletir e criar políticas públicas para que não se repita o que aconteceu. É uma das formas de impedir que a violência policial continue acontecendo, com desaparecimentos e mortes em confrontos”, disse.
Ana ficou presa durante a ditadura por cerca de cinco anos, sendo nove meses no antigo Dops, em um local nos fundos do prédio conhecido como depósito de presos: “Era um local de presos comuns e de condenados pela Lei de Segurança [Nacional]. Em 1964, muita gente foi torturada ali dentro. Mas a tortura sistemática ocorreu nesse prédio em todo o século passado, sob a chefia de Filinto Müller, no Estado Novo, e depois até 1969”.
O gaúcho João Figueiró, de 88 anos, também ficou preso no antigo prédio do Dops, porque na época ele militava no Partido Comunista Brasileiro (PCB). Até hoje ele tem pesadelos com as torturas que sofreu no local. “Eu me sinto mal [próximo ao prédio], pois me faz lembrar quando a gente estava no pau de arara [em que o torturado é preso em um pedaço de madeira, amarrado pelas mãos e pelos pés] e na cadeira do dragão [onde eram aplicados choques elétricos]. Eu não posso ouvir um miado de gato de noite, porque me faz lembrar as torturas dos companheiros e os gritos deles. É horrível. Tenho pesadelos. Isso não passa nunca”, lembra.
Figueiró também foi preso político na ditadura Vargas e ficou detido no antigo presídio da Ilha Grande, no sul do estado, de 1943 a 1945. “As minhas unhas foram arrancadas duas vezes: na ditadura do Vargas e na ditadura militar”, disse. Ele se aposentou como auxiliar de administração escolar em um colégio na zona sul do Rio.
Procurada para se manifestar sobre o desejo da CEV-Rio de transformar o prédio do antigo Dops em um memorial político, a Polícia Civil informou, por meio de nota, que aceita ceder parte do imóvel. “De acordo com o subchefe Administrativo, Sérgio Caldas, em reunião com integrantes da Comissão da Verdade do Estado do Rio de Janeiro, há cerca de seis meses, ficou acordado que parte do terceiro andar do Palácio da Polícia será destinado à comissão”.
Edição: Fábio Massalli
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