Repúblicas promovem festa com estrutura “empresarial”, mas não agradam a todos

22/02/2009 - 11h20

Marco Antonio Soalheiro
Enviado Especial
Ouro Preto (MG) - As festas de carnavalregadas a quantidades abundantes de bebida alcoólica sempreforam uma marca das repúblicas estudantis de Ouro Preto. Nosúltimos anos, entretanto, elas ampliaram o trabalho com aorganização de blocos grandiosos e a venda depacotes, impulsionada por estratégias de marketing eficientese patrocínio de grandes marcas nacionais. Também pagamImposto sobre Produtos e Serviços (ISS) à prefeitura (3% do que arrecadam).Com abadás apreços médios de R$ 100 e estadia de 5 dias a R$600 – valores que ficam maiores na medida em que a festa seaproxima - as repúblicas passaram a movimentar quantiafinanceira vultosa. Os lucros, segundo os estudantes, sãotodos revertidos para a manutenção dos casarõescedidos pela Universidade Federal de Ouro Preto. Alguns estãoequipados com modernos aparelhos eletrônicos, guardados durantea folia.“A única fontede renda estudantil é o carnaval e a manutenção decasas antigas envolve sempre um custo muito grande”, disse RogérioAlves, estudante de engenharia e morador da RepúblicaNecrotério, que organiza o Caixão, maior blocoestudantil de Ouro Preto. Ele prefere não revelar o lucroobtido com a festa.A cada carnaval, aNecrotério recebe nos seus 11 quartos cerca de 70hóspedes, para os quais disponibiliza 350 caixas de cervejaem garrafa. Para o desfile do bloco, vendeu neste ano 5.500 abadáspelo preço médio de R$ 100 e contratou a bandacarioca Monobloco, por R$ 40 mil, para animar os foliões, queforam servidos com 80.000 latas de cerveja e amparados por estruturade segurança profissional.Separada por poucosmetros da Necrotério, a República Adega tambémmostra força na organização do Bloco Cabrobró, com 3,5 mil integrantes e que tem como principal atraçãoa banda Farofa Carioca. “Vamos ficar perto do 0 a 0”, garantiu oestudante há mais tempo na república, Leandro Felipe, de 24anos, referindo-se aos ganhos financeiros com a festa. “Uma banda custa R$ 50 mil, temos que comprar as bebidas [75mil latas de cerveja, ice, energético, vodka, whiski e água], contratar segurança, gente para cozinhar e servir, alugarespaço”, acrescentou.Junto com o sucessocomercial do modelo de folia das repúblicas estudantis, vieram também ascríticas de parte da população permanente local.O comerciante José Moreira, 53 anos, responsabiliza asrepúblicas pela descaracterização do carnaval deOuro Preto, ao estimularem uma festa inacessível para grandeparte dos moradores.“Hoje o ouro-pretanovirou visitante no seu próprio carnaval. Virou mercado, abusca pelo lucro fácil. [As repúblicas] Estãoimpondo em cima de organização e marketing. Osestudantes não podem ter essa liberdade”, criticou Moreira. O argumento estudantil de que os lucros sãorevertidos na reforma das casas históricas não convenceo comerciante. “Essas casas são do governo federal. Caberiaao governo reformá-las. Tem estudante fazendo panfletagem docarnaval das repúblicas daqui em cruzeiros marítimos.Tem repúblicas tirando R$ 300 mil de lucro. Resta saber o queé feito do dinheiro. Depois do carnaval doam R$ 5 mil decestas básicas para tentar mostrar uma caráterfilantrópico”, atacou.“Por que no ano todoas casas [das repúblicas] não servem de albergueestudantil?”, questionou Vicente Trópia, dono de um dosrestaurantes mais tradicionais da cidade, que se sente prejudicadopelo pacote de alimentação oferecido pelas repúblicase pelo caos urbano provocado pelos estudantes.Quem mais perde com ospacotes das repúblicas é a rede hoteleira, que nãoconsegue concorrer com os preços. O hotel e a pousada depropriedade do empresário Raimundo Saraiva - onde a diáriapara o casal sai por R$ 285 - estão com taxa de ocupação de 50%. O preço cobrado éinviável para a maioria dos estudantes, mas segundo Saraiva, adesordem provocada pelo turismo em massa afasta do carnavalouro-pretano muitos de seus hóspedes em potencial.As críticas sãorespondidas pelo estudante Leandro Felipe com uma provocaçãoaos que são contrários ao modelo de carnaval adotado pelos universitários: “As repúblicas, em geral, garantem uma movimentação importante na economia de Ouro Preto. Achoque as repúblicas deveriam passar um ano sem fazer carnaval nacidade, para a comunidade sentir o impacto”.A suposta descaracterização cultural do carnaval acarretada pelomodelo, por sua vez, é rechaçada pelo estudante RogérioAlves. “O carnaval ficou mais organizado, menos perigoso e maisselecionado. Antes estava virando uma bagunça que era ruimpara a imagem da cidade”, garante.Quem consegue trabalhona estrutura das repúblicas, como o pedreiro JóbsonTeixeira e a doméstica Luciana de Oliveira, garante que elassão importantes geradoras de emprego e não devem sercriticadas por organizarem as mega-festas de carnaval.Na queda de braço,a prefeitura fica com as repúblicas. Segundo o secretáriode Cultura e Turismo, Gleiser Boroni, elas fazem parte da cultura dacidade, desenvolvem todas as promoções dentro dalegalidade e geram receita para o município. “O que aprefeitura tem que fazer é exigir aprovação dosbombeiros para as festas, expedir alvará e cobrar o ISS”,resumiu Boroni.