Amanda Mota
Repórter da Agência Brasil
Manaus - Nos próximos dias, a Polícia Federal (PF) no Amazonas vai instaurar inquérito para investigar as denúncias apresentadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai) a respeito da venda indiscriminada de bebida alcoólica a centenas de indígenas que vivem no município de Envira. A cidade está localizada a cerca de a 1.200 quilômetros de Manaus, na divisa entre o Amazonas e o Acre.Segundo a assessoria de comunicação da PF, a investigação atenderá a um pedido feito pela Funai, depois que um jovem, não-índio, de 21 anos, foi brutalmente assassinado dentro da aldeia indígena Cacau, em Envira.De acordo com um dos responsáveis pelo acompanhamento do caso na cidade, o sargento da Polícia Militar Osmildo Ferreira, o crime teria ocorrido entre os dias 1º e 2 deste mês. Em entrevista à Agência Brasil, Ferreira disse que Océlio Alves Carvalho foi esfaqueado e depois esquartejado. Parte dos órgãos do rapaz, como coração, fígado e cérebro não foram encontrados no corpo da vítima. Segundo o sargento, a polícia local trabalha com a hipótese de os criminosos terem praticado canibalismo, já que um dos suspeitos teria confessado que o grupo comeu parte do corpo da vítima, depois de matá-lo."O que compete à PM está sendo investigado aqui. Recebemos uma denúncia direta que nos levou ao corpo da vítima e aos suspeitos. Coletamos alguns depoimentos e um dos suspeitos, que é o Antônio Valdecir, nos declarou que os índios comeram as vísceras do Océlio. A vítima tinha problemas mentais, mas não apresentava nenhum potencial ofensivo contra ninguém", relatou o sargento.Quatro homens e uma mulher – todos indígenas da etnia Kulina - são suspeitos de praticar o crime. No local do assassinato, às margens de um igarapé localizado dentro da aldeia Cacau, também foram encontradas garrafas de aguardente que indicam o consumo de bebida alcoólica antes do crime.O coordenador da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Jecinaldo Sateré, afirmou que desconhece qualquer registro que trate da prática de canibalismo entre o povo Kulina. Para a organização, a divulgação equivocada desse tipo de ato pode ser mais uma tentativa de denegrir a imagem dos indígenas no país. "O caso vai ser investigado. Entretanto, de imediato, o que também está nos deixando mais preocupados é o consumo de bebida alcoólica na região", afirmou Sateré.Para a direção da Coiab, as acusações contra os Kulina fortalecem o preconceito e a discriminação racial. A organização indígena informou que também enviará à direção da Funai pedido para formação de uma equipe de antropólogo e assistente social para fazer um laudo técnico sobre o episódio. O objetivo, segundo a direção da entidade, é garantir segurança e proteção do povo Kulina. Em Envira, segundo a Coiab, vivem aproximadamente 800 indígenas da etnia.Em entrevista à Agência Brasil, a presidente da Comissão Organizadora do Movimento Indígena Regional (que reúne índios do Acre, do sul do Amazonas e noroeste de Rondônia), Letícia Yawanawa, ressaltou que o fato de o assunto ter tomado repercussão nacional causou aos outros indígenas uma situação de desconforto. Segundo a líder indígena, que atualmente vive em Rio Branco (AC), o assunto chegou às escolas e provocou novas situações de preconceito entre as crianças. Ela criticou a abordagem dos veículos de comunicação sobre a questão."Estou chocada com as matérias veiculadas sobre o assunto. Hoje meus filhos foram à escola e voltaram chorando e entristecidos porque os colegas disseram a eles que não poderiam se aproximar porque eles [meus filhos] comiam ser humano", lamentou.