Lula parte 4: Paulo Lacerda é um profissional "da mais alta competência"

17/09/2008 - 23h35

Ana Luiza Zenker
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é necessário queabusos sejam combatidos no uso de escutas telefônicas. Mas antes dedizer se o diretor afastado da Agência Brasileira de Inteligência(Abin), Paulo Lacerda, tem culpa no suposto uso de grampos ilegais peloórgão, é preciso que a investigação esteja completa, segundo ele.“Seria tudo mais fácil se o cidadão que fez o artigo dizendo quehouve o grampo dissesse quem foi. Seria tudo mais fácil, mas não temosvarinha de condão, nós temos que fazer investigação e vamos fazê-la”,afirmou o presidente à TV Brasil, em entrevista exibida hoje (17) à noite pelo programa 3 a 1.Lula também negou que já tenha se decidido pelo afastamentodefinitivo de Lacerda. Na entrevista, o presidente ainda semostrou favorável às restrições ao uso de algemas.Confira o segundo trecho da entrevista concedida pelo presidenteLula ao jornalista Luiz Carlos Azedo, apresentador do programa 3 a 1, àdiretora de jornalismo da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Helena Chagas, e ao jornalista convidado Cristiano Romero, do jornal Valor Econômico.TV Brasil: Ontem, o segundo homem na hierarquia da Polícia Federalfoi preso pelo primeiro. Há poucos dias, a gente teve uma crise motivadapor grampos irregulares, ilegais. O senhor não acha que essasinstituições (Polícia Federal e Agência Brasileira deInteligência) estão fora do controle do Estado? Como o senhor vê uma maneira de botar isso nos eixos?Lula: Elas fazem parte da estrutura do Estado, do próprio Estado.Eu não vejo problema quando um cidadão é preso como foi ontem, até queseja esclarecido uma denúncia feita pelo Ministério Público, que tambémnão se sabe se é verdadeira, mas tinha uma ordem judicial, então vocêcumpre a ordem judicial. No caso da Abin, eu te confesso que eu tenho oPaulo Lacerda como um homem extraordinário que o Estado brasileiroproduziu. Agora tinha uma denúncia, de que a Abin tinha feito escuta.Ora, a melhor forma para que a gente possa apurar, inclusive deixar oPaulo Lacerda muito mais à vontade, foi afastá-lo de lá para que ainvestigação seja feita pela  Polícia Federal, porque era muito difícilvocê mandar a Polícia Federal lá para dentro, com várias pessoas daprópria Polícia Federal dentro da Abin. Então eu acho que a gente tomoua medida correta. Vai ter a investigação. Seria tudo mais fácil, tudomais fácil, se o cidadão que fez o artigo dizendo que houve o grampodissesse quem foi. Seria tudo mais fácil, mas não temos varinha decondão, nós temos que fazer investigação e vamos fazê-la.TV Brasil: Um dos funcionários da Abin admitiu que 52  agentes doórgão haviam participado da investigação a pedido do delegadoProtógenes da PF. Esse fato foi inclusive surpreendente porque haviauma negativa do próprio Paulo Lacerda com relação a isso. O senhor achaque há um certo descontrole em relação a essa questão? O Paulo Lacerdavolta para o cargo? Como fica essa questão da Abin? Volta a ser comoera antes ou ela precisa de uma mudança, uma reestruturação?Lula: A gente na verdade, o que nós estávamos fazendo erareestruturar a Abin, porque a Abin foi desmontada. Tiraram os doisbraços, as duas pernas e deixaram o corpo lá, sem poder fazer nada. Nós,quando levamos o Paulo Lacerda para lá, era para aproveitar aexperiência dele e estruturar a Abin enquanto uma agênciade defesa do Estado nacional. Aconteceu esse problema, nós agora nãotemos que ficar mais nervosos ou menos nervosos. Nós temos apenas queapurar e vai ser apurado. Tem a CPI [dos grampos]. Na hora que a gentetiver o veredito final, você dá o veredito. E se o Paulo Lacerda nãotiver culpa no cartório... O Paulo Lacerda é um profissional do Estadobrasileiro da mais alta competência, pode voltar a hora que quiser,depois que for terminada essa investigação.TV Brasil: O senhor desmente então a informação de que teria tomado a decisão de afastá-lo definitivamente?Lula: É lógico que desminto. Porque eu tenho que tomar [umadecisão, para que ele seja afastado definitivamente] e eu não tomei.Como é que alguém supõe que eu tomei se não tomei? E quero dizer, éimportante dizer: Paulo Lacerda é uma pessoa que eu respeito comoprofissional como poucos neste país. Agora todo mundo pode cometererros também.TV Brasil: Como conciliar essa equação, nesta sociedade moderna emque se tem milhares de aparelhos de escutas? Por um lado, aprivacidade do cidadão está sendo claramente invadida, está havendoexcesso. Por outro lado, a polícia precisa investigar, os órgãosprecisam fazer seu trabalho e estão fazendo um trabalho bom, porqueestão descobrindo muita coisa. Qual é a formula para resolver isso aí?Lula: Veja. Nós já mandamos os projetos de lei que tínhamos quemandar. O Supremo Tribunal Federal, junto com o Conselho [Nacional] deJustiça, tomou algumas atitudes. O que nós  precisamos é coibir abusos,ou seja, você não vai coibir as investigações, você vai coibir osabusos.Você vai evitar que a sociedade brasileira fique refém da maldadede alguém. Muitas vezes ela pode ser feita até por um órgão como aAbin, mas muitas vezes ela pode ser feita clandestinamente e você nãosabe. Então, o que eu acho, neste momento, nós não temos o direito deficar exaltados. O que nós temos é que, com muita prudência, veronde há os exageros e começar a consertar isso. E depois, não temsegredo gente! É o exercício da democracia. É a denúncia, é apuração,são os enfrentamentos que a gente tem no Congresso Nacional, que vãopermitindo que a gente consiga construir aquilo que um dia nóspoderemos chamar de perfeito.TV Brasil: Presidente, o senhor não acha que é ruim para um paísmarcado pela impunidade, principalmente pela impunidade dos mais ricos,mais poderosos, não é ruim limitar por exemplo o uso de algemas? NosEstados Unidos, por exemplo, quando se tem uma operação deste tipo deinvestigação, quando há empresários envolvidos e banqueiros, eles sãopresos e as algemas são mostradas para a sociedade e para a mídia, comoforma de mostrar "neste país ninguém está acima da lei". E noBrasil, na hora que a polícia começa a prender peixe graúdo...Lula: Peço a Deus que não aconteça com você. Eu acho que você temque colocar algema se for necessário no pé, no braço, no pescoço, se ocidadão for culpado. Mas você colocar algema para fazer investigação, éno mínimo autoritarismo demais. Ou seja: eu se fosse te prender parainvestigar, você é um cidadão inocente até que provem o contrário. Oque eu não posso é te prender. Você coloca algema em alguém que vaireagir, em alguém que vai te esmurrar, em alguém que vai te atacar.Mas você entrar na casa do cidadão, com endereço, residência fixa,prendê-lo e fazer um carnaval, não é prudente, nem para quem já foipreso e depois  foi inocentado. Porque quando é inocentado, não aparecena televisão e não aparece na página dos jornais "Fulano de tal, que foipreso, é inocente". Não aparece. Fica a culpa da manchete do diaanterior. E isso eu acho muito ruim. Ruim para mim, ruim para você eruim para qualquer pessoa que seja condenada previamente. O que euquero é que todos tenham o direito de ser investigados corretamentee serem punidos na hora que forem determinados culpados pela Justiça. Equem determina a culpa é a Justiça, sabe? As vezes o policial ficachateado... "Poxa, eu prendi, mas a justiça soltou". Mas é assim que sefaz democracia. A Justiça não pode prender, determinar a prisão, porqueo policial prendeu. A Justiça vai tomar decisão com base no inquérito,é o inquérito que vai determinar se a pessoa vai ser presa ou não. Olha,eu vou lhe falar uma coisa. Eu já fui cidadão comum e sou presidente.Eu sei o que eu sentia do lado de lá. A mesma coisa que você falou:devia prender, devia nunca mais sair... mas é tão bom que haja Justiça,porque quando não há, aí o arbítrio toma conta do país e nós já vivemosisso, e não é bom. Nós temos que ter paciência com a democracia, sabe,as pessoas estão sendo processadas. Todos os processos estão correndona Justiça, um dia vai sair uma decisão.TV Brasil: Mas a prisão não é decisão da polícia, é decisão da Justiça.Lula: Veja. A polícia prende e eu acho um equívoco também a horaque um juiz determina a prisão na casa de uma pessoa para pegar papel.Eu posso de contar uma situação que me deixou chateado? A operação Joãode Barro. Ou seja, você pega 100 prefeitos antes das eleições. Todosficaram maculados como corruptos. Agora, quando você procura a PolíciaFederal ou procura a Procuradoria e pergunta: quantos efetivamente sãoculpados? "Não sei porque ainda não analisamos os papéis". Ora, entãocomo é que eu posso banalizar a imagem da pessoa para depois eu dizer:"Eu não consegui investigar ainda, são mais de 5 mil folhas, maisde 50 mil folhas". Ora, você não prende uma pessoa para pegar folha! Olha,eu acho que o Brasil não pode permitir nem o abuso para prender deforma exagerada e nem o abuso para inocentar de forma exagerada. Oequilibro é que vai permitir que a gente consolide nossa democracia eque a gente tenha Justiça nesse país.(continua)