Estatal para cuidar dos lucros do petróleo enfraqueceria Petrobras e ANP, diz especialista

17/08/2008 - 9h44

Sabrina Craide
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Em pouco mais de um mês, o Brasil vai conhecer a proposta do governo para as mudanças no modelo de exploração de petróleo. Além de analisar as alterações necessárias levando em conta as recentes descobertas na camada pré-sal, a comissão interministerial que trata do assunto está estudando os modelos de outros países, para ver o que pode ser adaptado à realidade brasileira.Um dos modelos avaliados é o da Noruega, que prevê a aplicação dos recursos oriundos do petróleo em um fundo soberano. Lá, a exploração é feita por uma companhia nacional, a Statoil, e a contabilização dos recursos fica sob responsabilidade da estatal Petoro.Na última semana, ao discursar em Barcarena (PA), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva citou a Noruega por sua experiência na gestão dos recursos oriundos do petróleo e disse que tem inveja do país, que tem uma renda per capita de US$ 76 mil. O modelo da Noruega também já foi lembrado pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.Mas a criação de uma empresa estatal específica para cuidar dos lucros do petróleo, como existe na Noruega, não é consenso no Brasil. O pesquisador Giuseppe Bacoccoli, do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa em Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), disse que a medida enfraqueceria a Petrobras e a Agência Nacional de Petróleo (ANP).Segundo ele, o governo já tem a estrutura necessária para gerenciar os recursos do petróleo da camada pré-sal.“Já temos uma estatal experiente e competente, respeitada no mundo inteiro, que é a Petrobras. O governo tem a ANP, perfeitamente adaptada e preparada para fazer a contabilidade dos recursos recebidos e o pagamento de royalties”, avaliou.Ele lembrou que, enquanto o Brasil está no início das descobertas de petróleo, a Noruega vive atualmente o fim da produção de petróleo no Mar do Norte, que começou no início dos anos 70, e destacou a diferença dos dois países no gerenciamento dos recursos.“O dinheiro do petróleo da Noruega vai para um fundo soberano, que pertence ao povo da Noruega, e o dinheiro é investido para o futuro do país. É bem diferente do que se quer fazer no Brasil, onde o dinheiro do petróleo seria aplicado no social”, explicou Bacoccoli. Segundo ele, o risco é que os recursos acabem sendo mal utilizados.Outros modelos que também estão sendo avaliados pela comissão interministerial são os da Rússia, da Venezuela, do Irã e dos Estados Unidos, como adiantou o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, após a primeira reunião do grupo.O Brasil também poderá passar do sistema de concessão, no qual as empresas têm direito ao total da produção e pagam tributos ao país, para o sistema de partilha de produção, que prevê o repasse ao governo de petróleo em volume equivalente aos tributos devidos.Bacoccoli explicou que a diferença entre os dois modelos é pequena, mas a vantagem do sistema de partilha é a garantia de que parte do petróleo produzido permaneça no Brasil. “No sistema de concessão todo o petróleo produzido é da operadora, e ela pode dar o destino que bem entender a ele, se pagar os impostos. No caso da partilha, em vez de pagar em dinheiro, tem que deixar o petróleo equivalente”, explicou, lembrando que o petróleo está se tornando cada vez mais caro e escasso.Segundo ele, é possível adotar o modelo de partilha de produção no Brasil, mas para isso é preciso alterar a Lei do Petróleo, aprovada em 1997. O pesquisador teme que, ao legislar sobre o assunto, o Congresso Nacional aproveite para modificar outros pontos, como a distribuição dos royalties do petróleo.Atualmente, o sistema de concessão é utilizado por médios produtores de petróleo, como Brasil e Estados Unidos. Os grandes produtores, como Nigéria, Líbia e alguns países do Oriente Médio, utilizam o modelo de partilha. Nos dois casos, é permitida a participação de companhias internacionais na exploração do petróleo. Já países como Venezuela, Rússia e Arábia Saudita privilegiam as companhias estatais.