Daniel Lima
Repórter da Agência Brasil
Brasília - OPlano Real acabou em 1999 diante da crise cambial. Essa é a avaliação do secretário de Acompanhamento Econômicodo Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa. Ementrevista à Agência Brasil, ele considerou asmedidas adotadas em 1º de julho de 1994 importantes porquereduziram a inflação a níveis administráveis,mas afirmou que vê como um equívoco comparar a atualpolítica econômica do governo Lula com o Plano Real, que completa 14 anos.Osecretário concordou com o Banco Central no que diz respeito àtrajetória da inflação. Segundo ele, os preçosdevem subir até outubro ou novembro e, depois, começam aceder. Para Barbosa, o desafio agora está na arte debalancear crescimento com controle da inflação.Agência Brasil - Secretário, oque mudou com o Plano Real?Nelson Barbosa - Foi um plano muitoimportante porque acabou com a alta inflação que haviano Brasil, foi engenhoso e fez uma reforma monetária. Foi bemsucedido em reduzir a inflação de níveiselevadíssimos para níveis administráveis.Naquela época, [o plano] conseguiu reduzir o grau deindexação da economia e reduziu a inflaçãoutilizando uma âncora cambial que, naquela época, era oinstrumento disponível. Acho que nesse sentido foi um grandesucesso. Na minha visão, o Plano Real acaba em 1999. Desdeentão, houve uma mudança no regime de políticapara o câmbio flutuante, para meta de inflação,para meta de resultado primário, que não faziam parteda concepção inicial. Acho que o Plano Real foi muitobem sucedido no sentido de reduzir [a inflação]e desindexar a economia, mas depois ele pecou por utilizar em excessoo instrumento da âncora cambial [câmbio fixo] paramanter a inflação baixa aumentando a vulnerabilidadeexterna da economia.ABR - Então não é umacontinuação?Barbosa - Muitas pessoas dizem que éuma continuação, mas eu não vejo como pode seruma continuação. Primeiro, você tem uma políticade câmbio flutuante e no Plano Real você tinha câmbiofixo. Também não é a mesma coisa da políticade câmbio flutuante pós Real do segundo mandato dogoverno Fernando Henrique, porque hoje você tem um câmbioflutuante com altas reservas internacionais. Câmbio flutuantecom baixa vulnerabilidade externa, enquanto antes era um câmbioflutuante com alta vulnerabilidade externa, com baixas reservasinternacionais.ABR - E no campo fiscal?Barbosa - No campo fiscal, certamente nãoé igual ao Plano Real porque acho que ele chegou a ter, emalguns anos, déficit primário. Uma das grandes falhasque se aponta do Plano Real - não acho que é aprincipal - acho que foi a cambial, mas havia uma políticafiscal relativamente folgada que era inconsistente com as metas doplano. Isso muda em 99, você começa a ter as metas de[superávit] primário [a economia que ogoverno faz para honrar compromissos financeiros]. Então,a política atual é diferente da política do reale também, na minha opinião, diferente das políticasde superávit primário praticadas até 2003,porque agora você combina superávit primário comresponsabilidade social, com alto investimento em programas detransferência de renda e investimento público. Nãoé a mesma coisa. Está sendo provado que épossível fazer ajuste fiscal com crescimento. Não ésó o número do [superávit] primário,mas como você faz o primário, qual a qualidade desseprimário. Você fez um programa que privilegiainicialmente as políticas sociais, as transferências derenda que vêm para combater a pobreza e as desigualdades nadistribuição de renda. Mais recentemente, de 2007 paracá, vem privilegiando o investimento público para darsustentação ao crescimento.ABR - E no caso monetário?Barbosa - No Plano Real, você nãotinha a meta de inflação, mas tinha uma meta cambialque funcionava para reduzir a inflação. A partir de1999, a âncora vai embora e se institui o sistema de meta deinflação, que passa ser uma âncora expectacional,que prova ser mais bem-sucedida por ser bem mais versátil.Acho que foi um acerto e essa política continua desde então.ABR - Mas e no período 1999 a 2002,correspondente ao segundo mandato de FHC, quando se optou pelas metasde inflação?Barbosa - Na minha opinião, a nossa[meta de inflação] não é igual aessa pois nós tentamos compatibilizar meta de inflaçãocom aceleração do crescimento. Não sópuramente metas de inflação. Você tem que mantera inflação sob controle sim, você tem que manterela estável, mas também manter o crescimento em umnível adequado para gerar emprego, para melhorar a situaçãosocial da economia. É isso que a gente vem tentando.Compatibilizar esses dois objetivos. Por isso que a meta de inflaçãotem que levar em conta a expectativa de potencial de crescimento daeconomia para aproveitar esse potencial. Nesse sentido, acho que elaentão, que apesar de ser o mesmo instrumental, o mesmoarcabouço institucional, ela tenta balancear as coisas. Éo mesmo carro que a gente está dirigindo só que nãoestá dirigindo da mesma forma e essa é a diferença.ABR – E agora, não volta apreocupação com a inflação. Existe essetemor?Barbosa - Nós temos que tomarcuidado com o jogo de palavras. Porque neste momento de volatilidade,de preocupação, de muita incerteza internacional, ogoverno tem que transmitir - e ser o agente que transmite -tranqüilidade e serenidade. Isso não deve ser confundidocom passividade. O governo está atuando. Atuou fortemente paratrazer a inflação para baixo, para reduzir a inflaçãode volta ao centro da meta dentro do prazo considerado adequando paramanter o crescimento da economia. O Banco Central atuou, o Ministérioda Fazenda atuou dentro da política fiscal, então ogoverno está atento e está monitorando issodiariamente, tomando medidas. Mas também o governo nãoquer alimentar boatos e medos infundados, porque a gente tem umsistema institucional forte, capaz de trazer a inflaçãopara baixo a médio prazo, e isso já está emmovimento. Nesse sentido, nós já estamos monitorando asituação sem grandes sobressaltos, mas sem nenhumapassividade. Pelo contrário.ABR - Nesse momento existem novas medidassendo elaboradas?Barbosa - Algumas medidas já foramtomadas. A gente não anuncia medidas hipotéticas oufuturas. O que a gente teve foi aumento de taxas de juros, aumento dosuperávit primário, gasto público – o chamadoimpulso fiscal – já é negativo, o que significa que apolítica fiscal do governo federal está contribuindopara o controle da demanda agregada e essas coisas levam tempo paraaparecer. Esta semana o governo vai lançar o Plano Safra. Quenão tem o impacto imediato sobre os preços neste ano,mas ao viabilizar o aumento da safra no final deste ano e do ano quevem vai contribuir para o controle do preço dos alimentos etambém para reduzir a inflação a médioprazo.ABR - E quanto à curva de inflação?Até onde ela pode ir?Barbosa - Como está apresentada peloboletim do Banco Central, por questão de inércia, deefeito estatístico, esta inflação acumulada em12 meses, como é uma média móvel, deve continuarsubindo até outubro, talvez até novembro, e aíela começa a cair. Até onde ela vai, é questãode modelo. Segundo expectativa do BC, fecha um pouco acima de 6% edepois cai ligeiramente e continua caindo até chegar perto de4,5% no final de 2009 e [fica em] 4,5% em 2010.ABR - Esse é o desafio?Barbosa - O desafio da políticaeconômica agora é sempre administrar o que a gente chamade trade-off [as trocas]. Ou seja, você tem agorauma questão que é baixar rapidamente a inflaçãosem desacelerar muito a economia. Se você quiser sóbaixar a inflação rapidamente, você conseguedesacelerando bastante a economia. Se você quiser nãodesacelerar a economia você consegue mantendo a inflaçãoalta. A arte está em balancear, não escolher um dosextremos. A mesma coisa é no câmbio. Como é quevocê mantém o câmbio flutuante, mas sem aumentarmuito a vulnerabilidade externa. É muito fácil manter ocâmbio completamente flutuante e deixar a vulnerabilidadeexterna residual ou manter uma baixa vulnerabilidade externacontrolando o câmbio como alguns países fazem. A mesmacoisa na política fiscal. Você vai cortar gasto, podecortar sem nenhuma responsabilidade social. Mas também se agente vai manter a responsabilidade social gastando demais sem nenhumpreocupação com equilíbrio fiscal é outroextremo. A gente está nessa fase de administrar a políticaeconômica dentro desses extremos. Eu vejo no debate que asposições são polarizadas. Algumas pessoas queremque a gente vá para alguns extremos, desconsiderandocompletamente os outros efeitos. Isso obviamente não éa política que a gente vem praticando nem acho que essa éa melhor política, pois isso introduz mais volatilidade naeconomia.