Para especialistas, consulta popular em Santa Cruz tenta enfraquecer governo Evo Morales

02/05/2008 - 10h23

Alex Rodrigues
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Uma disputa política,de fundo econômico e que visa a enfraquecer o governo de EvoMorales, presidente da Bolívia. Assim, dois especialistasbrasileiros ouvidos pela Agência Brasil classificam aconsulta popular marcada para este domingo (4).Consideradoinconstitucional pelo governo federal e sem o respaldo do ConselhoNacional Eleitoral (CNE) boliviano, o polêmico ‘Estatuto doEstado Autônomo de Santa Cruz’ concede aos governantes doestado mais rico do país, próspero em petróleo egás mineral, poder para legislar sobre questões fiscaise fundiárias, entre outras coisas.“O que o movimentopor maior autonomia quer é reter no estado uma maiorquantidade de recursos. E, na visão do governo federalboliviano, isso inviabilizaria a maior parte de seus projetos”, dizo professor de Relações Internacionais da Universidadede Brasília (UNB), Virgílio Arraes, para quem nãohá, no momento, condições políticas paraa fragmentação da República boliviana, compostapor nove estados.Para Arraes, o projetoautonômico é mais uma etapa da acirrada disputa entregrupos políticos antagônicos. “De um lado, estáa elite tradicional. A mesma que, durante décadas, sebeneficiou do sistema econômico e político entãovigente. De outro lado, há a nova elite, que vem basicamentedo movimente indígena. Eu compararia à históriado cobertor curto. São duas elites puxando o mesmocobertor”.A autonomia requerida por Santa Cruz, avaliaArraes, possibilitaria aos políticos da região nãosó manter a atual estrutura socioeconômica, comoatrapalhar os planos de Morales e de seus partidários.“Arepartição dos recursos existentes éinsuficiente para atender aos dois grupos. E se for feita como algunsestados querem, inviabilizará o governo Morales, repercutindonegativamente nas próximas eleiçõespresidencial.”Para o professor deHistória Contemporânea da Universidade de SãoPaulo (USP) Osvaldo Coggiola, a aprovação do estatutode Santa Cruz e de outras localidades que já manifestaram aintenção de fazer o mesmo transformaria o governofederal numa espécie de “marionete” dos poderesestaduais.Para Coggiola, a questão de fundo ésaber quem vai ficar com os lucros da exploração dopetróleo e do gás mineral, reinvestindo-os de acordocom suas prioridades. “É preciso lembrar que a Bolíviapossui a segunda reserva natural de gás da AméricaLatina, uma reserva muito fácil de explorar”.Coggiolaacredita que, independentemente do resultado da consulta populardeste domingo, a situação política na Bolíviacaminha em direção a “uma radicalizaçãomuito forte que só será decidida nas ruas”.Oprofessor sugere que a estratégia do governo federal de tambémconvocar um referendo popular para verificar a posiçãoda população sobre a eventual reforma da Constituiçãosó vai acirrar o embate com grupos oposicionistas. “Osreferendos autonômicos departamentais e o constitucionalapenas preparam o terreno para um enfrentamento muito mais acirrado,que vai ser decidido como historicamente sempre se decidiram ascoisas na Bolívia. Nas mobilizações econtra-mobilizações populares”.A AssembléiaConstituinte boliviana aprovou a reforma constitucional no final de2007, sem a presença de parlamentares oposicionistas. Osgovernadores de Santa Cruz, Pando, Beni e Tarija reagiramimediatamente, ameaçando declarar a autonomia de seusestados.Para entrar em vigor, a nova Constituiçãotem de ser ratificada por meio de um referendo nacional que ainda nãotem data marcada para acontecer.