Morillo Carvalho
Repórter da Agência Brasil
Brasília - "Humilhaçõesforam tantas, dizem que tem segurança, mas pra mim tanto faz,eu não aguento mais: paz não existe por aqui (...) vocêvai ver chacinas freqüentes onde se morrem muitos inocentes”.Os versos são da música “ExecuçãoSumária”, do grupo de rap paulista Pavilhão 9 eretratam a realidade dequem vive atrás das grades. Formadopor ex-detentos, o Pavilhão 9 traz em suas composiçõeso retrato do cotidiano de cerca de 420 mil pessoas em todo o Brasil.É como se todos os habitantes de Florianópolis, capitalde Santa Catarina, vivessem atrás das grades. Umdos principais problemas enfrentados pelos presos é asuperlotação. O déficit de vagas nas penitenciáriasbrasileiras é de cerca de 120 mil. O cantor Mr. Catra tambémilustra essa realidade: “Moram mais de 30 num cubículo. Avida na cadeia não dá nem pra imaginar. Acredite, meuamigo, não dá nem para falar. (...) No dia da visita éque é dor no coração, é ver os maisqueridos passando humilhação”, canta, embalado ao somdo funk.Segundoo presidente do Conselho Nacional de Política Criminal ePenitenciária (CNPCP), Sérgio Schecaira, a legislaçãobrasileira que trata sobre a capacidade das celas, em geral, nãoé cumprida.“Alegislação prevê que, quando a pessoa estejacondenada, as celas sejam individuais e tenham seis metros quadradospor preso. Isso praticamente não é cumprido no Brasiltodo. Mesmo nas prisões que dispõem desses espaços,é comum você colocar um beliche na cela e duplicar onúmero dos que estão presos naquele local”, aponta opresidente do conselho, órgão consultivo do Ministérioda Justiça que delibera, por exemplo, sobre a concessãodo indulto natalino. Parao sociólogo eespecialista em segurança pública Antônio FlávioTesta, outro problema é que, muitas vezes, presos quecometeram crimes mais graves dividem celas com aqueles que cumprempenas mais leves. Ele defende que as medidas de ressocializaçãodeveriam começar por uma triagem que separasse os detentosentre os perigosos e os ressocializáveis. Também éa favor de um trabalho de educação empreendedora nasprisões.“Elestêm muito tempo livre dentro da cadeia para planejar açõescriminosas, e como a corrupção é muito grande,conseguem mandar nas suas quadrilhas, como é o caso doFernandinho Beira-mar, e toda a sua grande quadrilha, que controlaboa parte do crime organizado no Brasil de dentro de um presídiode segurança máxima. Não adianta sóquerer alfabetizar ou ensinar uma profissão aos condenados, sequando eles saírem para a liberdade, não têmemprego, não têm nada. Eles serão induzidos,novamente, à ação criminosa.” Asituação das penitenciárias brasileiros motivoua instalação, no ano passado, de uma comissãoparlamentar de inquérito (CPI) na Câmara dos Deputados paraapurar as deficiências do sistema e apresentar soluções.Para o deputado federal Neucimar Fraga (PR-ES), presidente da CPI doSistema Carcerário, a questão deve ser enfrentada comoum tabu, que precisa ser quebrado.“Hoje,mais de 60% dos crimes são comandados de dentro das cadeiasbrasileiras. Então, nós temos que quebrar um tabu, deque não adianta mais construir presídios, e sim,escolas. Precisamos construir novos presídios, para quepossamos implantar políticas de ressocializaçãodentro do sistema carcerário brasileiro”, defendeu.Segundoa advogada e militantedo Movimento Negro Ana Flauzina, outro problema que precisa sercombatido é o racismo. Ela é autora de um estudomostrando que as raízes do sistema carcerário estãona época da escravidão, quando o único ramo dedireito que considerava os negros como seres humanos era o direitopenal.“Osistema penal é agressivo, é letal, porque o racismonão é empobrecedor, somente. O racismo édesumanizador. E o sistema penal é agressivo assim,simplesmente, porque ele é formatado para controlar e agirsobre pessoas e sobre seres que não são humanos”, afirma.