Qual a identidade da Agência Brasil?

26/10/2007 - 10h23

Paulo Machado
Ouvidor da Radiobrás
Brasília - A pergunta foi feita pelo leitor Vilson Vieira Júnior a esta Ouvidoria em razão do uso das expressões “mensalão do PT” e “mensalão mineiro” na matéria P-SOL entra com representações no Conselho de Ética contra Renan e Azeredo, publicada em 18 de outubro. Segundo o leitor, “a matéria acima referida fez um uso infeliz dessas duas expressões, que não esclarecem absolutamente nada ao leitor. Ao contrário, apenas imprimem no imaginário do cidadão uma visão simplista e maniqueísta de certos grupos políticos que atuam na sociedade, como é o caso do PT. É evidente a intenção da grande imprensa privada e mercantil nacional ao fazer uso dessas expressões em seus textos. Entretanto, observar as mesmas falhas em reportagens de uma empresa que se arvora como pública e de compromisso com a informação de interesse público nos deixa preocupados!”.Justificando sua preocupação, o leitor diz que: “a linguagem é um meio de expressão carregado de sentidos político-ideológicos, e como tal foi exaustivamente usada (no pior significado dado ao verbo) para desestabilizar certos movimentos políticos e sociais, além de governos democraticamente eleitos pelo povo”. Relembrando, o termo “mensalão” foi usado pelo deputado federal Roberto Jefferson para nominar a suposta prática de pagamentos efetuados pelo Partido dos Trabalhadores a deputados de outros partidos. Portanto, o termo envolveu em sua gênese a tese de que deputados de partidos da base aliada vendiam seus votos no Congresso Nacional para aprovar matérias de interesse do governo. Daí se justifica o sentido político-ideológico, referido pelo leitor, e que reveste o seu uso desde então.  Em 6 de junho de 2005, a Agência Brasil publicou sua primeira matéria se referindo ao termo. À época, o assunto veio parar em suas páginas eletrônicas para informar que o presidente Lula reuniria o Conselho Político do governo para tratar das denúncias do deputado. A Agência entrou no assunto utilizando uma entrevista que o deputado deu a um jornal impresso. Dizia a matéria, Lula reúne coordenação política para tratar de denúncias feitas por Roberto Jefferson, que: “Na entrevista ao jornal, Jefferson diz que soube por diversos parlamentares que existia um esquema de 'mensalão' no Congresso. Deputados do PP e do PL, segundo ele, recebiam até o início deste ano [2005] R$ 30 mil por mês para votar favoravelmente ao governo”.Línguas são vivas, formam palavras novas, chamadas de neologismo. No caso, “mensalão” substantivo deriva e aumenta o adjetivo “mensal”. Neologismos podem “pegar” ou não. Para isso, o uso que a imprensa faz do termo, geralmente, ajuda a propagá-lo – ajuda a fazer seu uso “pegar” na opinião pública. O neologismo, para “pegar” na imprensa, depende do conteúdo político-ideológico que carrega. Esses conteúdos geralmente envolvem julgamentos de valor. Daí se justifica a preocupação do leitor em apontar que a Agência Brasil, sendo uma agência pública de notícias, que tem compromisso com a isenção da informação que veicula e tem por princípio não empregar juízos de valor nem opiniões pessoais de repórteres e editores, utiliza o termo da maneira como vem fazendo. Sabendo que o assunto seria objeto da campanha eleitoral que se aproximava, em março de 2006, partidos políticos da oposição e da situação se apressaram a tentar desconstruir a tese que ele continha. Na matéria PT e PSDB reuniram dados contra e pró tese do ''mensalão'', publicada em 29 de março de 2006, a Agência noticiou essa tentativa dos partidos. Todavia, parece que o conteúdo político-ideológico inicial do termo continuou prevalecendo na imprensa e na opinião pública, até os dias de hoje. Mas a tentativa dos partidos serviu para informar a opinião pública de que havia outras justificativas para o suposto pagamento a deputados. Embora todas indicassem violação das regras da legislação eleitoral, o mérito desses crimes e o processo que os envolvia nunca foram devidamente esclarecidos para a opinião pública e ainda se encontram sob investigação da Justiça.Naquela época, acompanhando a referida matéria, a Agência publicou gráficos que reproduziam e relacionavam os pagamentos a outras causas, como, por exemplo, dívidas de campanha ou mudança/permanência de parlamentares em partidos, ampliando ou reduzindo bancadas a favor ou contra o governo. A Ouvidoria fez uma análise do uso do termo pela Agência Brasil. A grosso modo constata-se que antes e durante o período da campanha eleitoral de 2006 havia mais cuidado em utilizá-lo, colocando-o entre aspas e associando-o com palavras que condicionavam sua existência a uma futura investigação e julgamento, como: "chamado" e "suposto". Esses critérios começaram a mudar a partir de dezembro de 2006, quando o Ministério Público entrou com as primeiras peças de acusação no STF. De lá para cá o uso do termo "mensalão" aparece com freqüência crescente sem aspas nem palavras condicionantes, como se o simples fato de o Judiciário acatar denuncias já implicasse em condenação.O assunto foi objeto da coluna deste ouvidor publicada em 7 de setembro (Clima de julgamento em torno de denúncia), por ocasião da aceitação da denúncia feita pelo procurador-geral da República ao Supremo Tribunal Federal (STF), contra 40 acusados envolvidos na questão. Essa tendência parece ter se intensificado durante o julgamento no STF, quando o Ministério Público e os próprios ministros do Supremo utilizaram o termo em declarações públicas e até em documentos oficiais. A Ouvidoria entende que agindo dessa maneira a Agência outorgou a terceiros a legitimidade da utilização do termo e de seu conteúdo político-ideológico. Ultimamente, em vez de palavras condicionantes, a Agência vem adicionando outros termos ao original para qualificá-lo. O uso dessas expressões é contraditório, como apontou Vilson Vieira – à expressão “mensalão do PT” não corresponderia “mensalão do PSDB”, em vez de “mensalão mineiro”? Para uma agência de notícias, que abastece de informação o cidadão e os demais veículos da imprensa, a questão da identidade, questionada pelo leitor, implica não só na credibilidade da informação que veicula como também na legitimidade que desfruta em fornecer informações objetivas, isentas e apartidárias. Assim, podemos dizer que a credibilidade e a legitimidade conquistadas dão a ela o poder de ajudar a legitimar ou não uma informação ou um termo e seu conteúdo político-ideológico. A maneira como a AgênciaBrasil utiliza esse poder é decisivo para manter sua credibilidade. Suaidentidade está intimamente associada a isso.A redação da Agência Brasil leu ediscutiu a mensagem do leitor e fez as seguintes ponderações a esta Ouvidoria:“A Agência Brasil discorda de quesua cobertura 'reproduza os vícios e práticas de uma imprensa em constantedescrédito', como avaliou o leitor. Ressalta que a atenção dada ao tema sebaseou no entendimento de que faz parte do papel da comunicação públicaacompanhar acusações envolvendo políticos, representantes eleitos dos cidadãose cidadãs (ou nomeados pelos eleitos), e, dentro disso, buscar ser referênciade informação precisa sobre essas denúncias. A Agência afirma também que manteve o acompanhamento dos fatos dentrode parâmetros claros, em especial os quais os seguintes: não publicamosinformações off the record (semautoria identificada), que podem esconder as intenções da pessoa ouvida sobreos dados; não fazemos investigação em substituição às autoridades policiais –nossa apuração se dá dentro de critérios legais, objetivos e transparentes, semdisfarces de identidade; procuramos em todos os momentos ouvir o investigados edenunciados. Na cobertura do julgamento da denúncia do mensalão, ouvimos agrande maioria dos advogados de defesa.Sobre a discussão de linguagem, a Agênciaobserva que o conjunto de fatos e investigações em questão ficou conhecido comocaso mensalão. Cabe lembrar que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu abrirprocesso contra todas as 40 pessoas denunciadas pelo procurador-geral daRepública como participantes de ‘esquema de compra de votos em troca de apoiopolítico conhecido como mensalão’, como identificaram nossos textos. A adoçãodo termo não significou concluir que os acusados eram culpados, e sim permitirque o leitor soubesse de que caso se estava falando. Diferentemente de outraspublicações, o veículo não adotou a palavra ‘mensalão’ de bate-pronto, quando oque havia era uma denúncia de um parlamentar (com interesses envolvidos) e nadaainda apurado pelas instituições competentes.Ressaltamos que em nenhum momento a AgênciaBrasil rotulou as pessoas investigadas – em processos que estão em estágioavançado, mas ainda não concluídos – como 'mensaleiros', como fez parte daimprensa. Assim como não chamou de 'sanguessugas' aqueles que foraminvestigados pela Operação Sanguessuga, da Polícia Federal, nem de ‘vampiros’os que foram acusados a partir da Operação Vampiro. Já a expressão ‘mensalão doPT’, que aparece apenas em três matérias recentes, sai realmente dos parâmetrosda cobertura. O termo é impreciso por dois motivos: há acusados de diversospartidos nos processos; e não estão totalmente claras as responsabilidades dePT e de instâncias do governo federal no esquema documentado de pagamentosirregulares. Por isso, a partir da sugestão do leitor, a expressão foisuprimida das matérias.”A Ouvidoria considera que a mensagem do leitor contribuiu para a Agência reafirmar os princípios queconstruíram sua identidade até aqui e permitiu que a abordagem sobre o assuntofosse corrigida.Até a próxima semana.