Paulo Machado
Ouvidor da Radiobrás
Brasília - A Ouvidoria recebeu esta semana uma mensagemda leitora Aline Scherer dizendo queestava indignada com a cobertura criminosaque a mídiatem feito no caso doacidente da TAM. Elaescreveu: “Não podemos deixarque a mídia dê o veredicto, o laudotécnico, a verdade,aponte o culpado, enforque o supostoculpado em praçapública e tudoisso antessequer de sair aanálise da caixapreta”. Não compete a esta Ouvidoriafazer análisessobre o comportamentoda mídia emgeral, mascomo a Agência Brasil está inserida entre as principaisagências de notícias,resolvi analisar suaa cobertura sobreo acidente paraver se a críticaera procedente.Neste momento, emque boa parteda sociedade brasileirase encontra consternada pela tragédia emobilizada na busca de suas possíveis causas, parece relevanteconsiderar o papel da Agência Brasil nesse debatee ver se sua cobertura conseguiu refletiros preceitos do jornalismode uma empresa públicade comunicação. Desde as 19h36 do dia 17 de julhoaté as 19h36 horasdo dia 25 foram publicadas 276 matérias sobreo acidente. Às 19h58 da terça-feira, dia17, já na terceiramatéria, a Agência informava que a companhiade aviação disponibilizava uma linha telefônicagratuita parafamiliares dos passageirose tripulantes. Em uma matériapublicada às 20h24 era informado que o aviãohavia atravessado os limites do aeroporto e cruzadoa Avenida Washington Luís, batendo num depósito de cargae um postode gasolina e, imediatamente,incendiando-se. Informava também que o avião que se incendiou, umA320 da TAM, fazia o vôo 3054, procedente de Porto Alegre, levando 170 passageirosmais a tripulação.Por últimodizia a reportagem que a Aeronáuticahavia iniciado investigaçõespara apurar as causas do acidentee as condições emque a pistahavia sido liberada pela EmpresaBrasileira de Infra-EstruturaAeroportuária (Infraero) parapousos e decolagens em29 de junho, porémainda semas ranhuras conhecidas na aviação como grooving, queauxiliam no escoamento de água e na frenagem dos aviões.Até a meianoite de 17 de julhoforam publicadas 23 matérias: média de uma matériaa cada 11 minutos.Nelas foram ouvidos, entre outros, opresidente Lula,o procurador-geral de Justiça do Estado, Rodrigo Pinho,e o governador José Serra.A reportagem ouviu também o especialista em aviação civil ecomercial Valtécio Alencar, que afirmou serpossivelmente um conjuntode fatores o desencadeador do acidente,mas queuma das causas maisprováveis erao deslize do aviãona pista. “Entregaruma obra [inacabada]que custou maisde R$ 30 milhões é, no mínimo,uma coisa crítica”,afirmou. “Uma coisa é pousarno Aeroporto SantosDumont [no Rio de Janeiro],que está ao níveldo mar. Outracoisa é pousar em Congonhas, que está 860 metrosacima do níveldo mar.” Segundoele, comaltitude maior,o ar fica maisrarefeito, o que exige “mais pista ou então mais recursosde frenagem para a aeronave”.No diaseguinte ao acidente,18 de julho, foram publicadas 89 matérias: média de uma a cada 16 minutos.Essas matérias, ao mesmotempo em que informavam sobre as açõesde resgate procedidas por bombeiros, policiais e membrosda defesa civil,também falavam das providênciastomadas porautoridades da Aeronáutica,da Infraero e por funcionáriosda companhia aérea.As repercussões foram feitas com o presidenteda Câmara dos Deputados,Arlindo Chinaglia, e outros parlamentares, promotoresdo Ministério Público– pedindo o fechamento do aeroporto –, testemunhasoculares, parentesdas vítimas e moradores próximos do localonde ocorreu o acidente.As matérias divulgaram ainda notas oficiais do presidenteda República, da Aeronáutica,da TAM, da Infraero e as mensagens de condolências enviadas pordiversos chefesde Estado. Nesse diafoi ouvido tambémo professor de Aeronáuticada Escola de Engenhariade São Carlos, da Universidadede São Paulo (USP), James Waterhouse, que afirmou quea pressão psicológicadificulta a tomada de decisões em que o condutor precisa definir, de forma rápida, osprocedimentos para evitarum acidente.Segundo o professor, as principais falhasde Congonhas sãoo excesso de tráfegoaéreo e o tamanhodas pistas, quetêm 1.940 metros. “Empista curta,o piloto sabe quenão pode errar,senão é obrigadoa arremeter”, avaliou o professor,que citou comoexemplos de comparação as pistas dos aeroportosde Galeão, com4 mil metros,e Viracopos, com 3,7 mil. A do Galeãotem na verdade 4.240, e, segundoa Infraero, é a mais longa do Brasil. Algumas fontesouvidas nesse dia 18, quarta-feira, atreveram-se a indicaras possíveis causasdo acidente. Dentreelas, o presidenteda Ordem dos Advogadosdo Brasil, Cezar Britto, que divulgou nota, pedindo o afastamento imediatode “todos os envolvidos com a má gestãodo espaço aéreobrasileiro”. Outrapessoa ouvidafoi Angelita de Marchi, presidente da Associação de Familiarese Amigos e das Vítimasdo Vôo 1907 da Gol.Ela afirmou queo descaso e a omissãodo governo coma infra-estrutura dos aeroportos brasileirosforam responsáveis peloacidente como Airbus A320 da TAM. Já o senadorDemóstenes Torres (DEM-GO), relator da ComissãoParlamentar de Inquérito(CPI) da Crise Aérea,ouvido pelareportagem, informou que os dados indicariam queo avião pousou emuma velocidade superiorà recomendada. Torres disse que um dos vídeos a queteve acesso havia mostrado que o avião daTAM havia percorrido em 3,5 segundos um trecho, usado para desaceleração,que os aviõesnormalmente levam 11 segundos para percorrer. Em outramatéria no mesmodia 18, a reportagem ouviu o ministro da Justiça,Tarso Genro,informando que o presidenteda República havia determinadoà Polícia Federala abertura de uminquérito paraverificar se a pistana qual o aviãoaterrissara havia sido entregue em condições técnicas adequadas ao uso.No dia19 de julho, foram publicadas 34 matérias, quecontinuaram informando sobre as dificuldades encontradas pelosbombeiros nas açõesde resgate dos corpose as providências tomadaspor entidadesde defesa dos familiaresdas vítimas e peloEstado para garantir os direitosdos envolvidos na tragédia. Nessas matérias, o presidenteda Infraero aparece várias vezesdescartando hipóteses levantadas por especialistase outras fontes ouvidas nos dias anteriores, comodeficiências na pista,excesso de pesoou de velocidadeda aeronave. O ministroda Fazenda, Guido Mantega, foi ouvido pelareportagem e afirmou que não faltaram investimentospara ampliaçãoe reforma de praticamente todos os aeroportos do país.Faltou à reportagem perguntar qualo montante desses recursos,onde e comoforam aplicados. Em outramatéria, neste mesmodia, foi ouvidoo coronel Carlos Minelli de Sá, chefe do Serviço Regional de Proteçãoao Vôo de SãoPaulo. Ele disse queo movimento no espaçoaéreo do Aeroportode Congonhas e o volumede chuva nãoestavam num nível perigosona hora do acidente.Nas 26 matériaspublicadas na sexta-feira, 20 de julho, os leitorestiveram acesso a dadossobre o andamentodas investigações, as dificuldades na identificaçãodos corpos e as primeiras providências tomadaspela AgênciaNacional de AviaçãoCivil (Anac) parasolucionar os problemasde congestionamento aéreoem Congonhas. As matérias nãoesclareceram quais sãoas competências de cadaórgão envolvido na administraçãodo setor aéreo. Duas matériasreproduziram o pronunciamento do presidente Lulaà nação. Durante o fim de semana,foram publicadas 16 matérias sobre as buscaspelos corposem meioaos escombros, a identificaçãode vítimas peloslegistas do InstitutoMédico Legale a missa dominicalda Catedral da Sé,que contou coma presença de familiaresde vítimas e funcionáriosda TAM. O ato transformou-se em um protesto por mais segurança no sistema aéreo brasileiro, segundo areportagem. Nela, o arcebispo de São Paulo, domOdilio Scherer pediu: “Que tudo seja feitopara que o acidente e as responsabilidadessejam esclarecidas e que tragédias comoessa sejam evitadas”. No dia23, segunda-feira, foi o presidente Lulaque abriu a coberturada Agência Brasil emuma matéria sobreo Programa Cafécom o Presidente,tratando do assunto e pedindo para que se evitassemjulgamentos precipitados. O ritmo da semanaanterior foi retomado com 26 matériaspublicadas. Continuação do resgate, identificaçãodos corpos e situaçãodo aeroporto, comseu possívelfechamento, foram a tônicada cobertura. Na terça-feira,uma matéria anunciava as providências tomadaspela Anac paratentar resolver os problemas do aeroporto.Outra informava sobreo ato ecumênicode sétimo diado acidente realizado por familiares,funcionários da TAM e mulheres dos controladores de vôoem Congonhas. Ao todo foram publicadas 23 matériasnesse dia. Foram ouvidospilotos, quefalaram das dificuldades em pousar em Congonhas, efuncionários da Aeronáutica,além de deputadosda CPI da Crise Aérea,que trataram do andamentodas investigações. Finalmente, poisconcluo aqui essa análiseda cobertura, no dia25 foram publicadas 17 matérias até as 19h36, depoisde o presidente Lulanomear seu novo ministro da Defesa, depoisde o presidente da Anac dizerque a agêncianão teve culpapelo acidente,depois de os legistasdivergirem sobre as técnicaspara identificaçãodos corpos, depoisde o vice-presidente da TAM dizer que a falha no reverso nãoprovocou o acidente, depois de um dia inteiro de debates na CPI da CriseAérea e depoisde o prefeito de SãoPaulo prometer uma fiscalização intensacontra construçõesirregulares nosarredores do aeroporto.Tudo isso o leitorpôde acompanhar pelas matériaspublicadas no dia 25 na página da AgênciaBrasil.A Ouvidoria em sua análise nãoconstatou motivos paraconsiderar a coberturatendenciosa ou,como afirmou a leitora, de maneiragenérica em relaçãoà cobertura da mídia, “criminosa”. Elaestá dentro dos parâmetrosdo jornalismo da Radiobrás. Esperamos poder contar também com a opiniãodos demais leitores.Tudo indica quehá uma crise cujoslimites e responsabilidadesainda nãoforam definidos, mascertamente o cidadãoencontrará na cobertura da Agência Brasil informaçõessuficientes paratirar suaspróprias conclusões e avaliara credibilidade das fontesouvidas nas matérias, sem precisar serinduzido a nada, porninguém. Até a próxima semana.