Para especialista, urbanização mostrada em relatório da ONU é "tragédia mundial"

01/07/2007 - 0h08

Ana Luiza Zenker
da Agência Brasil
Brasília - A partir de 2008, o mundo passa a ter tanta gente morando em cidades quanto no campo, revelou relatório divulgado na última semana pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Mas, se outrora as cidades foram enxergadas como locais aonde se ia em busca de melhores condições de vida, hoje a situação é bem diversa, na avaliação da arquiteta e urbanista ErmíniaMaricato, da Universidade de São Paulo. Para ela, vivemos uma "tragédia mundial".De acordo com os dados apresentados pelas Nações Unidas, até oano que vem, pelo menos metade da população mundial,cerca de 3,3 bilhões de pessoas, morará em centrosurbanos. Para os pesquisadores da ONU, a hora de os governosnacionais e organizações internacionais agirem paraaproveitar o que esse crescimento pode trazer de bom é agora."Não há como negar que nós estamos vivendouma tragédia mundial no que se refere às metrópolesda Ásia, da África e da América Latina”, diz ErmíniaMaricato, que é também ex-secretária-executiva do Ministério das Cidades. Para ela ,isso se deve, sobretudo, ao recuo do papel do Estado em relação àspolíticas públicas de bem-estar social. A professoraafirma que esse crescimento urbano está se dando após25 anos do início da implantação de uma políticaneoliberal que levou a esse recuo de investimentos estatais.Maricatoexplica que problemas de moradia e de desemprego, por exemplo, tambémexistem hoje em países mais ricos. No entanto, para ela, taispaíses têm uma base democrática mais sólida,que se reflete no acesso a previdência,educação, saúde, habitação.“No nosso caso, não. Os países mais pobres, e oBrasil é um país que fica, digamos, numa situaçãointermediária, não tinham essa base rica, e houve umreal aprofundamento da violência”, afirma.Paraa professora, a única forma de melhorar as condiçõesde vida da população nas metrópoles,principalmente, é ampliar as políticas sociais. Ela diz que não há como melhorar a vida dos jovensnas cidades se eles não tiverem acesso a escola, a umaprofissão e possibilidade de entrar no mercado de trabalho. “OEstado não é substituível”, diz.Uma das áreas negligenciadas nos últimos anos, segundo a especialista, é o transportepúblico, que "conheceu oapagão muito antes dos aeroportos". Maricato diz que deveser elaborada e aplicada uma política urbana adequada deplanejamento que obedeça ao interesse público e social.Outraquestão importante para a professora é o acesso àterra no contexto urbano, a qual, hoje, tem um custo muito alto, devido à especulação imobiliária. “É muito difícil anossa sociedade admitir que a população de baixa rendatenha o direito de morar dentro da cidade”, diz. “Colocar essapopulação fora da cidade custa muito caro para todosnós, não só para ela, para levar água,esgoto, o transporte, a drenagem, por causa das distâncias emrelação ao emprego. há uma imensairracionalidade no crescimento das nossas cidades.”ErmíniaMaricato afirma que uma das expressões dessa irracionalidade são as áreas vazias dentro das cidades, hojesubmetidas a grande valorização. “O que você tem hoje, principalmente nascidades do Centro-Oeste, e Palmas é o paradigma, mas estáem Goiânia, Brasília, Cuiabá, Campo Grande, éum número imenso de terrenos vazios servidos de asfalto, água,esgoto, iluminação pública, e todo mundo pagoupor essa infra-estrutura, sendo que só o proprietárioganha a valorização imobiliária decorrente doque o poder público investiu, e aí vai fazer conjuntohabitacional e colocar essa população (pobre) fora dacidade.”