Entrevista 2 - Brasil pode estreitar agenda entre União Européia e América Latina, diz embaixador

01/07/2007 - 17h02

Mylena Fiori
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Portugal assume hoje (1º), pela terceira vez, a presidência rotativa do conselho de ministros da União Européia (UE). Com a entrada de novos membros no bloco, é provável que a liderança só volte ao país daqui a pelo menos 14 anos. Nesta segunda parte da entrevista exclusiva à Agência Brasil, o embaixador de Portugal no Brasil, Francisco Seixas da Costa, comenta sobre as relações entre o Brasil e a União Européia (UE). A proposta de parceria que será formalmente apresentada pela UE ao Brasil na cúpula que começa dia 4 sugere que o aprofundamento do diálogo é também um caminho para aproximação com a América Latina. De que forma isso se daria?Francisco Seixas da Costa - Uma das razões desse desviar do olhar europeu da América Latina teve a ver com o fato de, nos últimos anos, o diálogo entre a UE e a América Latina ter evoluído de uma forma menos positiva e menos entusiasmada. Não apenas o acordo entre UE e Mercosul tem vindo a marcar passo, mas também os próprios quadros de cooperação que a União Européia tem - seja com o Pacto Andino, com o grupo do Rio, com o grupo de São José - têm mostrado um escasso dinamismo. Pensamos que o trazer o Brasil para esse diálogo vai, seguramente, contribuir para que a agenda da América Latina esteja mais presente na UE em matéria de relações exteriores. Essa prioridade pode causar suscetibilidades na região, especialmente no âmbito das negociações entre o Mercosul e a União Européia?Não pensamos que essa aproximação se faça em detrimento de qualquer outro quadro de cooperação, em particular do quadro da relação entre a UE e o Mercosul. Pelo contrário, pensamos que pode ser um fator de dinamização dessas negociações. As negociações da Rodada Doha estão com perspectivas muito pouco positivas, embora não possamos eliminar a possibilidade de que possa ser retomada no longo prazo. Muito provavelmente teremos que privilegiar, neste momento, o relacionamento UE-Mercosul. E a presidência tudo fará para conseguir dar um impulso a isso. Contamos com o Brasil e com os outros países do Mercosul para estarem abertos a uma revisitação do acordo.Na semana passada, o senhor esteve na sede do Mercosul, em Montevidéu, justamente para esclarecer essas questões. Como foi? O que os parceiros do Brasil pensam dessa relação privilegiada?Minha ida foi para tentar explicar que nada disso funciona em detrimento do relacionamento entre UE e Mercosul. Pareceu-me que ficou muito claro que esse quadro de dimensão com o Brasil não comporta nenhuma dimensão de natureza comercial. Comporta, sim, várias dimensões de natureza econômica em questões energéticas, em questões que podem ter implicações diretas na facilitação do relacionamento econômico. Mas não comporta nenhum quadro de liberalização comercial alfandegária. Bem, que haja países na América Latina que possam estar menos agradados com a circunstância de ao Brasil ter sido dada uma distinção prioritária no quadro do relacionamento da União Européia, é uma outra coisa. A proposta européia fala o que o bloco espera da relação com o Brasil, sugere inclusive uma maior abertura do mercado brasileiro, mas não diz o que a UE ofereceria em troca. Ela também estaria disposta a abrir o seu mercado?A União Européia, ao colocar essa temática no quadro da parceria, está aberta a discutir essas questões. Muito provavelmente, quando o Brasil puser sobre a mesa algumas de suas reivindicações para essa negociação, se verá que são aquelas que provavelmente a UE esqueceu. Estamos numa fase ainda de apresentação de propostas. Essa é a primeira proposta. Veremos o que o Brasil responde e qual o saldo global que vai se apresentar. Na última reunião da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (Ocde) esperava-se que o Brasil fosse convidado a aderir ao grupo. Acabou ficando na sondagem. A parceria estratégica com a UE é um primeiro passo para um futuro convite de adesão?Não sei se o Brasil quisesse aderir a Ocde se não teria esse convite. A questão que se coloca, para o Brasil, é a gestão do seu próprio posicionamento no quadro global. Se o Brasil passasse à Ocde, passava para outro clube, e não sei qual o interesse do Brasil em estar nesse clube ou estar como campeão dos países do Sul.O Brasil poderá ou não entrar para a Ocde independentemente desse quadro específico de parceria estratégica. Dado a seu desenvolvimento, a seu papel cada vez mais crescente no plano mundial e à sua aproximação com o G8, o Brasil poderá um dia ver-se quase no muro entre os países do Norte e os do Sul. Julgo que o Brasil está quase nesse muro, mas acho que prefere manter-se do lado do Sul do muro, onde tem um papel de grande liderança. Essa é a mera leitura de um embaixador e observador estrangeiro.Mas volto a salientar ser muito importante que a representação dos países do Sul nos grandes quadros multilaterais se faça através de sólidas democracias como é o Brasil. Acho que pode ser muito útil à própria imagem do Sul que o Brasil continue a representá-lo.