Ana Luiza Zenker
Da Agência Brasil
Brasília - “Eu me sinto melhor,muito melhor”. Quem diz isso é Mariana*, 13anos, moradora de Ceilândia (DF). Ela não lembraquantos anos tinha quando começou a trabalhar com a irmã mais velhacatando latinhas nas ruas da cidade, para ajudar a mãe. "Agente catava, e minha mãe vendia", conta. Na época,ela também estudava, mas era difícil manter o rendimento na escola. Mariana é uma das cerca de três mil criançasatendidas pelo Programa de Erradicação do TrabalhoInfantil (Peti) no Distrito Federal. Pela manhã, ela participade atividades no Centro de OrientaçãoSocioeducativa (COSE). À tarde, freqüenta aescola.De acordo com dados daPesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) 2005, do Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística (IBGE), depois de 14 anos em queda, onúmero de crianças entre 5 e 15 anos trabalhando no DFaumentou em aproximadamente 4,7 mil crianças, chegando aoíndice de 1,6% da população nessa faixa etária.Foi o maior crescimento registrado em todo o país, apesar de oDF continuar com o menor percentual entre todas as unidades da federação.Mais de uma centena decrianças do Distrito Federal são atendidas por outroprojeto, o Catavento, um piloto da OrganizaçãoInternacional do Trabalho (OIT), desenvolvido com auxílio deorganizações da sociedade civil. São criançasque trabalhavam no lixão, catando papelão e latinhasnas ruas, guardando carros, fazendo fretes e até na construçãocivil. "Eu trabalhava em aterrar casa", conta José*,um dos garotos do Catavento. Ele também nãosabe dizer desde que idade trabalhava, mas ainda lembra com detalhes oque fazia: "Só colocar terra no carrinho e jogardentro da casa, colocava terra na casa todinha, pra colocar o piso".Para José, ficar sem trabalhar é ruim, mas estudar é a melhor opção. "Gosto mais de estudar", afirma sem sorrisono rosto.Renato Mendes,coordenador de projetos do Programa Internacional de Erradicaçãodo Trabalho Infantil (IPEC, sigla em inglês), da OIT, lembra que, entre as mais de7,5 mil crianças que trabalham no DF, segundo a PNAD, o emprego no trabalho informal urbano (como vendedores ambulante,catadores de recicláveis) e no trabalho domésticorepresenta cerca de 80% do total.Mendes diz que, no DF, localiza pelo menos três categorias decrianças que trabalham: crianças nascidas no próprio Distrito Federal, cujos pais precisam do trabalho dos filhos para sustentar a família; crianças que vêm de cidades goianas próximas para trabalhar normalmente à noite nas ruas de Brasília; crianças que saíram doNordeste rumo às metrópoles do Sudeste, mas pararam em Brasília. "É inadmissível que umasociedade que detém o melhor Índice de Desenvolvimento Humano do país ainda acolha dentro das suas casas criançasno trabalho doméstico", lamenta o coordenador, em referência ao Distrito Federal.Para ele, asiniciativas apresentadas pelo Governo do Distrito Federal no último12 de junho, Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil, são positivas,mas não suficientes. "É necessárioque a sociedade colabore. Não sãosuficientes os programas de proteçãoà criança e ao adolescente se a sociedade como um todonão se conscientiza." A secretária-executiva do Fórum DF dePrevenção e Erradicação do TrabalhoInfantil, Valesca Monte, lembra que a questão cultural atrapalha. "Há um mito de que o trabalhoinfantil é um mal menor diante de tantos problemas que nóstemos na nossa sociedade", diz ela. Monte frisa que o problema não é menos grave em Brasília por ocorrer em menor escala. "Nósestamos falando de violação de crianças, queestão nas ruas, dentro de casas, trabalhando como domésticas,como babás. São crianças que podem, a qualquermomento, ser, por exemplo, abusadas sexualmente."No caso das crianças que trabalham comodomésticas, a delegada titular daDelegacia Regional do Trabalho (DRT) do DF, Elizabeth Maroja Silva, lembra que não é fácil identificar essa situação, uma vez que a polícia não pode invadir uma residência a menos que haja denúncias."E, por incrívelque pareça, não são tantas [denúncias] quanto se precisaria”,diz. “Está faltando maisconscientização. Ainda existe aquele tabu de quea criança estaria melhor trabalhando do que na rua, mas aopção não é entre a rua e o trabalho, aopção seria entre o trabalho e a educação,a escola, o lazer."