Mylena Fiori
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Estão agendados, para este ano, quatro encontros para darseqüência à 1ª Cúpula América doSul – Países Árabes que reuniu em Brasília, emmaio de 2005, 34 países – 12 naçõessul-americanas e os 22 países que integram a Liga Árabe.Responsável pela área, o ministro Ánuar Nahes,coordenador do Seguimento da Cúpula América doSul-Países Árabes no Ministério das RelaçõesExteriores, concede entrevista exclusiva sobre as tentativas deaproximação entre os dois blocos. Confira, a íntegrada entrevista.Agência Brasil: O queavançou desde a 1ª Cúpula? Ainda há muito afazer?Ministro Ánuar Nahes: Planospolítico, comercial e cultural avançaram bastante. Notouma certa barreira ainda na área de ciência etecnologia. O Brasil já cumpriu com sua promessa, houve umseminário preparatório para a Cúpula, em 2004.Os peritos que se reuniram fizeram uma série de recomendaçõespara uma operação científico-tecnológicaque foram aceitas pelos chefes de estado e figuram na Declaraçãode Brasília. A principal destas recomendaçõesfoi construir um site, na área de ciênciae tecnologia, que fosse um veículo para maior conhecimento dasinstituições nestes países e troca deinformações entre peritos. Já fizemos o site, está no ar, é bom. Temos agoraque lidar com dois problemas. Primeiro,como vai ser a operaçãono Brasil, que estamos discutindo. E em La Paz, na próximareunião de Altos Funcionários, vamos discutir como vaiser o gerenciamento internacional disso.ABr:Quais países sul-americanos mais avançaram nessacooperação?Nahes: O Brasil éo país que está mais avançado, por algumasrazões. Primeiro, por ter sido o mentor e executor da idéiada Cúpula [entre América do Sul e PaísesÁrabes]. Segundo, por ser, de longe, a maioreconomia dos dois blocos. Terceiro, por ter a maior rede deembaixadas nos países árabes de toda a Américado Sul. Quarto, por já ter o maior volume de comérciocom o mundo árabe. Quinto, por ter a maior comunidade deorigem árabe. Tudo isso credencia o Brasil a ter,naturalmente, esta função de liderança noprocesso de seguimento da Cúpula.ABr:E os demais países?Nahes: Depois doBrasil, a Venezuela é o país que mais tem se envolvidopor um motivo simples: já tem contatos tradicionais com omundo árabe por causa do petróleo. A Argentina estáparticipando, com o Marrocos, da criação de uminstituto de pesquisas sobre a América do Sul no Marracos.Paraguai e Uruguai desde o começo disseram têm tidooportunidade de fazer negócios que jamais teriam de outramaneira. Nem todos participam com a mesma intensidade por causa deseus interesses, suas prioridades, isso é normal, mas todosparticipam de todas as reuniões.Desde o primeiromomento, os dois blocos tinham plena consciência de que cada umtinha suas prioridades. Nossa prioridade é a integraçãoda América do Sul. A prioridade dos árabes é aintegração do mundo árabe, as relaçõescom a Europa. Essa aproximação foi feita com profundorealismo. Por enquanto não somos prioridade um do outro. Comesse raciocínio, os países vão operando namedida de seus interesses e possibilidades.ABr:Especialistas dizem que o interesse dos países sul-americanos,nessa associação bi-regional, é prioritariamentecomercial, enquanto o interesse dos árabes é político.É isso mesmo?Nahes: Sim, éverdade. Nesse diálogo com a América do Sul, aimportância do diálogo político, para os árabes,é sempre grande. Se há um desejo de cooperaçãobi-regional, isso tem que incluir cooperação política.Pouco a pouco isso foi ficando evidente. Os países árabesbuscam, intensamente, mostrar ao mundo que são detentores deuma cultura muito rica e que os atos terroristas que ocorrem por meiode extremismo religioso não é , necessariamente, o queo mundo árabe deseja. No começo tivemos divergênciasquanto à linguagem empregada nas declaraçõespolíticas.Não podíamos carregar demaisnas tintas de uma declaração, como eles queriam, porquetemos outros interesses. Na questão palestina, por exemplo,temos no Brasil uma comunidade judaica grande e influente que se dámuito bem com os árabes e nós queremos que se mantenhaassim. Na Argentina é o mesmo. Eles entenderam perfeitamenteisso. O diálogo político enriqueceu muito e hoje emdia, todo mundo sabe dos interesses de cada um, dos limites de cadaum e dos objetivos de cada um. Isso é muitoimportante.ABr: E quanto àsoportunidades comerciais para os sul-americanos?Nahes:Digamos que o comércio, claro, interessa muito àAmérica do Sul por causa da complementaridade que existe entreas duas economias. Também interessa a atração deinvestimentos árabes. Os árabes, sobretudo os paísesdo golfo, têm grandes reservas, e depois do atentado em NovaIorque, em 2001, eles têm diversificado suas destinaçõesde investimentos. A partir do momento em que os projetos deintegração da América do Sul forem viáveise abertos a investimentos estrangeiros eles poderão, sim,investir. São investidores potenciais.ABr:No mês que vem, ministros da economia dos dois blocos seencontrarão no Marrocos. Além da questãocomercial, onde mais é possível avançar no campoeconômico? mercado financeiro, por exemplo, o que épossível fazer?Nahes: Épossível cooperação, pro exemplo, entre bancosde fomento. Existem bancos de fomento nacionais e regionais naAmérica Latina. De repente, esses bancos podem se coordenar ecriar um capital comum para investimento bi-regional, pro exemplo.Essa aproximação é de longo prazo. Nada aconteceantes da maturidade.ABr: Os árabespropuseram cooperação entre agencias reguladoras dasduas regiões. Como seria essa cooperação?Nahes:É para trocar experiências, informaçõesentre países em grau similar de desenvolvimento. Trabalhei naAgencia Nacional de Energia Elétrica e recebemos delegaçõesde Angola, da Coréia, dos Estados Unidos, Emirados Árabes..Omundo árabe já está desenvolvendo agênciasreguladoras, é a imposição do modelo neoliberalno mundo inteiro.ABr: Quais aspossibilidade de cooperação na áreaenergética?Nahes: O Brasil já importa petróleodeles há muito tempo. O Brasil vai construir gasodutos, épossível que eles queiram investir nisso. De repente podemplantar cana norte da África e a Embrapa pode ajudar porquetem tecnologia em produção de cana de açúcarem vários ambientes, desde dos mais úmidos aos maissecos... Não se sabe, isso só vai surgir com as trocasde idéias.ABr: Há interessedos árabes pela tecnologia de produção debiocombustíveis?Nahes: Eles estãoolhando, estudando. Isso vai ser objeto de um semináriopreparatório à reunião do Marrocos. Nósconvidamos o Ministério de Minas e Energia para fazer umaapresentação sobre energia em geral.ABr: O relatório final da reunião de Altos Funcionáriosde países sul-americanos e árabes, realizada no Cairo(Egito), em janeiro, menciona a elaboração de umaagenda comum na área social. O que pode serfeito?Nahes: Troca de experiências.Vou citar alguns exemplos. A Tunísia tem um programa deplanejamento familiar extremamente bem-sucedido, a populaçãoestabilizou em 9 milhões de habitantes. Tem também umprograma de financiamento e construção de casas que fazcom que 80% da população tunisiana tenha casa própria.A Tunísia quase não tem analfabetismo. Certamente, elestêm algo a repartir com a gente.Por outro lado, háprogramas bem-sucedidos no governo federal, como agricultura familiare Fome Zero, que podem ser compartilhados com o mundo árabe..Na Síria e no Líbano se tem bons exemplos deagricultura familiar. Os ministros de temas sociais vão sereunir no Cairo, nos dias 2 e 3 de maio, para discutir isso. Pelonosso estágio de desenvolvimento, a gente sempre buscacooperação com os países mais desenvolvidos. Àsvezes, nessa cooperação Sul-Sul, com países emdesenvolvimento, há idéias boas e mais adequadas ànossa realidade. Então, vamos explorar isso.ABr:Em fevereiro deste ano, em reunião em Nairóbi (Quênia),América do Sul e Países Árabes assinaramcomunicado conjunto na área de meio ambiente. Quais asperspectivas nessa área?Nahes: Afrente ambiental é nova, acabou de ser aberta em Nairóbi,na reunião ministerial. Já está prevista umareunião sobre desertificação e recursos hídricosna Arábia Saudita. A gente vai começar a discutir aquestão ambiental nos temas mais concretos, esse vai ser oprimeiro passo. São 22 países árabes e 12sul-americanos, 34 países que podem ter uma voz mais ativa emforos internacionais.ABr: Épossível coordenar posições em organismosinternacionais, como Organização Mundial do Comércio(OMC) e Banco Mundial, conforme proposto no plano de açãopara implementação da Declaração de Quito(documento final da primeira reunião de Ministros da Economiae áreas afins das duas regiões, realizada em Quito, noEquador, em abril de 2006). Há interesses comuns entre as duasregiões?Nahes: A idéia decooperação nos foros internacionais, já estána Declaração de Brasília [documentofinal da 1ª Cúpula América do Sul-PaísesÁrabes] e certamente vai ser um dos pontos dediscussão da reunião de chanceleres que vai acontecerem Buenos Aires. Naturalmente, já há um maiorconhecimento das políticas de cada um Na Cúpula deBrasília, por exemplo, os países concordaram que aAmérica do Sul apoiaria os pleitos dos países árabesde adesão à OMC, e isso tem acontecido. .Já háuma predisposição para a aproximação.Temos que aumentar essa coordenação, quando houverinteresses semelhantes, para termos uma voz mais ativa nos forosinternacionais. É a cooperaçãoSul-Sul.ABr: As duas regiõesdefendem a reforma das Nações Unidas. Os árabesapóiam o Brasil na demanda por uma vaga permanente no Conselhode Segurança da ONU?Nahes:Depende do país, nãohá um consenso árabe.ABr:Qual o objetivo da 2ª Cúpula?Nahes:O objetivo desta Cúpula é não só colocargoverno em contato, mas também agencias como a Embrapa,acadêmicos, empresários, ou seja, ai a criatividadehumana vai permeando, nesse processo, a atividade diplomáticaé meio para fazer pontes. O brasil tem uma grande expertise na área de semi-árido, porexemplo, a Embrapa é um sucesso. Em todo o mundo árabevocê tem histórias de sucesso em projetos de irrigação,de aproveitamento de terras áridas. A Arábia Saudita jáchegou a ser um grande produtor de trigo em áreas secas. Entãoas oportunidades existem.