Sabrina Craide
Repórter da Agência Brasil
Brasília - A falta deinformação é o principal motivo que leva amaioria dos brasileiros a se posicionar contra o aborto, na avaliaçãode integrantes de movimentos feministas que são favoráveisao aborto no Brasil. Segundo Dulce Xavier, do movimento CatólicasPelo Direito de Decidir, as pessoas não levam em conta adificuldade de acesso aos métodos contraceptivos e a violênciasexual contra as mulheres, o que leva, muitas vezes, a uma gravidezindesejada."Issofaz com que as pessoas se manifestem radicalmente contra, semanalisar toda a questão que envolve a interrupçãoda gravidez de forma clandestina no Brasil", afirma, lembrandotambém que esses fatores fazem com que o índice demortalidade materna continue alto no país.Na avaliação damilitante, que também participa da Jornada pelo Direito aoAborto Legal e Seguro, é preciso discutir a questão doponto de vista da saúde, e não apenas como uma questãomoral. "Contra o aborto todas as pessoas são. Ninguémdefende o aborto como método anticoncepcional. O que omovimento de mulheres está reivindicando é que eledeixe de ser crime para justamente diminuir a sua prática".
Ela considera as declaraçõesdo ministro da Saúde, José Gomes Temporão,bastante importantes para a questão da saúde públicano Brasil por incluir o tema do aborto clandestino na questãode saúde reprodutiva. "Isso é também umreconhecimento de que as mulheres têm condição detomar decisão sobre o seu corpo e que a sociedade precisarespeitar a decisão das mulheres".
Ela explica que a funçãodos católicos não é julgar as mulheres querecorrem ao aborto. "Nenhum ser humano cristão devejulgar a atitude dos outros, ao contrário, deve acolher edemonstrar a sua solidariedade com essas pessoas que estão nummomento difícil da vida", afirma Xavier.Para Sílvia Marques Dantas, integrante daRede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e DireitosReprodutivos e representante do movimento de mulheres no ConselhoNacional de Saúde, as poucas informaçõesexistentes na sociedade são distorcidas. "Énecessário mais informação, mais educaçãopara que as pessoas se posicionem melhor sobre isso", alega.Ela lembra os avanços obtidos pelo governofederal em relação ao assunto, como na elaboraçãode normas técnicas para os abortos já previstos em lei,com o objetivo de dar uma melhor assistência àsmulheres. Apesar de considerar o posicionamento do ministro da Saúderealista, ela não concorda com a realização deum plebiscito sobre o tema, pois, segundo ela, essa é umaquestão privada.A conselheira admite que a distribuiçãode contraceptivos pelo governo federal ainda é feita de formairregular, e que as mulheres ainda têm dificuldade para seprevenir. No entanto, ela acredita que, mesmo se tivessem mais acessoaos métodos preventivos, as mulheres brasileiras continuariampraticando abortos, embora em menor escala.Analisando a realidade de outros países,Dantas prevê que, se aprovada a legalização doaborto no Brasil haveria um aumento da realização desseprocedimento no início, mas logo após a incidênciadeveria diminuir. "Isso porque a descriminalizaçãodo aborto vem acompanhada de uma série de medidas que garantemàs mulheres fazer o acesso à contracepção.Nos países em que o aborto é legalizado, existe umalegislação que presta uma melhor assistência ásmulheres e que por isso, reduz a incidência de casos degravidez não desejada", explica.Não há chance de discutir alegalização do aborto no Congresso Nacional, afirmadeputada
O Congresso Nacional ainda nãoestá preparado para debater a ampla legalizaçãodo aborto. Esta é a avaliação da deputadafederal Luciana Genro (PSol-RS), que defende a discussão dotema com a sociedade brasileira. Ela apresentou na Câmara dosDeputados um projeto de lei que permite o aborto em casos de fetosque não desenvolveram o cérebro.
Segundo a parlamentar, essa foi umaforma de abordar a questão de forma mais amena. "Euacredito que esse é um caso em que mesmo as pessoas que sãofrontalmente contrárias ao aborto podem compreender eaceitar", explica a deputada. Para Genro, a sociedade brasileirae o Congresso Nacional estão mais preparados para um pequenopasso como este do que para um gigantesco passo que seria o fim dacriminalização completa do aborto.
Luciana Genro acha que é esseraciocínio que move a ação dos demaisparlamentares favoráveis ao aborto. É que a maioria daspropostas apresentadas pelos deputados e senadores brasileiros tratamapenas de casos específicos.
No Senado, existem apenas trêsmatérias tramitando sobre o assunto, e todas abordam apermissão do aborto no caso de o feto se desenvolver semcérebro ou com doença grave que o leve à morteainda no útero.
Na Câmara, 19 propostas tratamdiretamente do assunto, das quais sete são contra o aborto epedem a revogação dos direitos já garantidos(como nos casos de estupro ou risco de morte para a mãe) ou atipificação do aborto como crime hediondo. Noveprojetos são favoráveis ao aborto em casos específicose apenas uma propostas de lei pede a descriminalizaçãototal do aborto. O Projeto de Lei 1.135/91 está na Comissãode Seguridade Social e Família desde 1992.
Para Luciana Genro, essa realidadese impõe porque existe uma bancada extremamente conservadoradentro do Parlamento brasileiro. Segundo ela, embora o CongressoNacional seja a caixa de ressonância da sociedade brasileira,ele também tem algumas distorções. "Isso éresultado do poder econômico, do dinheiro que compra muitosmandatos", avalia a parlamentar. "Então,efetivamente, aqui no Congresso Nacional não há chancede um projeto que defenda a legalização ampla do abortoprosperar. Não há nenhuma possibilidade", conclui.
A discriminação socialé uma das principais razões apontadas por Luciana Genropara defender a legalização do aborto. Segundo ela, nãoé justo que as mulheres ricas recorram a clínicasespecializadas enquanto as pobres tenham que realizar abortos emcondições precárias, arriscando sua saúdee sua vida. "Os números mostram que o aborto é umarealidade na sociedade brasileira", afirma a parlamentar, quedefende a realização de um debate sem a interferênciade crenças religiosas.
Segundo ela, o estado brasileiro,por ser laico, deve priorizar o bem-estar do conjunto da populaçãoe as políticas públicas adequadas para garantir a saúdepública. "Algumas mulheres decidem ter um filho mesmo semcondições, ou diante de um estupro. Essas sãodecisões heróicas que devem ser aplaudidas. Mas aquelasque não conseguem levar adiante, que não tem condiçõesemocionais ou financeiras de levar adiante essa gravidez, nãodevem ser penalizadas", afirma a parlamentar. A deputada gaúcha acredita que a realizaçãode um plebiscito sobre o tema seria a forma mais democráticade decidir a questão, mas ressalta que ele deveria serprecedido por um amplo debate onde todas as partes pudessem seexpressar. Para ela, a discussão na sociedade brasileira aindanão está madura. "Justamente por isso é queprecisamos fazer o debate, para que a população possase posicionar de forma tranqüila e equilibrada sobre o assunto,sabendo que a opção pela fé religiosa éum direito de cada um, mas que isso não pode impor aoconjunto da sociedade a sua opinião", posiciona-seLuciana Genro. Para a Parlamentar, o Brasil ainda não teveum debate tranqüilo e despido de emocionalidades radicais sobre esseassunto. Ela congratulou o ministro da Saúde pela iniciativade abordar o assunto e disse que, pela delicadeza do tema, a decisãonão pode ser imposta à sociedade. "Ninguémquer impor um conceito que não está maduro nasociedade. Abrir essa discussão é o primeiro passo e apartir disso nós vamos poder evoluir para pensar qual a melhorforma de tomar uma decisão", argumenta.