Spensy Pimentel
Repórter da Agência Brasil
Brasília - O Brasil pode estar deixando passar a oportunidadehistórica de o Haiti superar seu isolamento internacional, afirma oativista Camille Chalmers, da Plataforma Haitiana em Defesa doDesenvolvimento Alternativo (Papda, na sigla em francês). Nos últimos anos, ele tem sido uma das principais vozes haitianas na denúncia da situação do país em reuniões internacionais como o Fórum Social Mundial.“Como foi libertado por uma rebelião de escravos e sofreu muitadiscriminação por isso, o Haiti permaneceu isolado por muito tempo”,diz ele. “A missão de paz no Haiti poderia ser a ponte para superarmosesse isolamento, mas isso não está acontecendo.”Enquanto o Brasil se prepara para defender, junto ao Conselho deSegurança das Nações Unidas, a extensão por mais um ano do mandato daMissão da ONU para a Estabilização do Haiti (Minustah), a oposiçãopopular à presença militar das forças de paz no país caribenho écrescente, segundo Chalmers.“O rechaço é cada vez maior”, relata ele. “Nas eleições presidenciais,o povo escolheu o candidato que parecia ser mais contrário à presençamilitar estrangeira”, completa, em referência à vitória de René Préval,nas eleições de fevereiro de 2006. Os pleitos realizados no anopassado, foram, para ele, um “êxito”. “Mas não pela presença dastropas, e sim pela participação popular.” A constatação da oposição crescente às tropas foi registrada emdezembro no último relatório do ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan,sobre a situação no país. O ativista concorda com a defesa que Préval tem feito da permanênciadas forças de paz no país, para que haja tempo de o governo sereorganizar. Só que, para isso, Chalmers acredita que precisa haver uma“conversão” da natureza da missão. Para Chalmers, existe uma distância entre as necessidades do povohaitiano e a forma de funcionamento da Minustah. “A força é formada por90% de soldados, mas não há uma situação de guerra, há apenasinsegurança causada pela pobreza, o desemprego e o êxodo rural”, diz.“Isso se resolve com políticas sociais, não com soldados.”O haitiano reconhece que a Minustah tem executado algumas obras eprojetos sociais no país, mas diz que não é suficiente. “Quase todo odinheiro está investido nas tropas. Os outros projetos que há sãocoisas decorativas, marginais”, diz. “Precisamos é de uma missãoverdadeiramente solidária, com cooperação em projetos concretos.”Como modelo alternativo de cooperação, Chalmers cita o trabalhorealizado por médicos cubanos no país. Segundo o ativista, são cerca de800 profissionais que vivem junto a comunidades rurais do interior doHaiti. “A ONU diz que não pode trazer médicos ao Haiti, porque háinsegurança. Mas os cubanos estão ali há anos e não são agredidos.Durante quase um ano, entre 2004 e 2005, deixaram de receber auxíliofinanceiro do governo e foram mantidos pela própria população, quereconhece a importância da sua presença.”Mesmo nas áreas consideradas prioritárias pela Minustah, Chalmers vêdeficiências. A reforma da polícia haitiana, diz ele, ainda éincipiente, e o desarmamento da população não vem sendo executado.Essas falhas são reconhecidas pela ONU e pelos militares da Minustah,que estabelecem como prioridade para este ano o investimento nessasáreas.O ativista também acredita que algumas propostas que o Brasil vemfazendo para a geração de desenvolvimento no Haiti precisam serrevistas. “Falam em biocombustíveis. Mas somos um país pequeno, nãotemos espaço suficiente para produzir o etanol que seria necessário”,exemplifica.Segundo Chalmers, recentemente, também tem havido manifestações deestudantes pela saída dos militares de prédios que foram construídospara abrigar uma universidade. Segundo o Itamaraty, essas construções foram ocupadas pelos militaresem atendimento a um pedido das próprias autoridades haitianas. Elashaviam sido doadas pelo governo de Taiwan e estavam vazias em 2004, porisso o governo pediu que a Minustah se instalasse ali para evitar quefamílias sem-teto ocupassem o lugar.Para ilustrar como se consolidou, historicamente, o isolamento do Haiti em relação à América Latina, Chalmers lembra que Simón Bolívar, o libertador de países como Venezuela e Colômbia, obteve, em 1816, forte ajuda do então presidente haitiano Alexandre Pétion para suas expedições contra os espanhóis. A única condição colocada por Pétion foi que, em todos os países que Bolívar libertasse, ele decretasse a abolição da escravidão. Efetivamente, Bolívar começou sua jornada assinando decretos de abolição, mas, na prática, em países como a Venezuela, a libertação, de fato, só aconteceu quase 30 anos depois. Ao mesmo tempo, o Haiti foi excluído das iniciativas de integração dos novos países formados a partir das ex-colônias espanholas. Pétion não foi sequer convidado para o Congresso dos Estados Americanos, organizado por Bolívar, entre outros, no Panamá, em 1826. Mais detalhes sobre esses episódios podem ser obtidos na página www.haiti-usa.org, mantida pelo Trinity College Haiti Program, de Washington (EUA).