Municipalização contribui para esvaziar várzea amazônica, dizem pesquisadores

05/12/2006 - 17h20

Thais Brianezi
Repórter da Agência Brasil
Manaus - O atual modelo de descentralização daspolíticas públicas – especialmente nas áreas de saúde e educação – estácontribuindo para esvaziar a várzea amazônica, região periodicamentealagada ao longo do rio Amazonas-Solimões, onde vivem cerca de 1,5milhões de ribeirinhos. A avaliação foi feita hoje (5) pelaspesquisadoras Delma Pessanha Neves, da Universidade Federal Fluminense,e Edna Ferreira Alencar, da Universidade Federal do Pará. Desde a administração passada, o governo federal está trabalhando com a descentralização, disse Delma Neves, em palestra durante a conferência internacional Conservação e Desenvolvimento da Várzea Amazônica: aprendendo com o passado, construindo o futuro.

"A vantagem é que a população pode participar da implementação das políticas. O problema é que isso ocorre a partir de um modelo muito formal, inadequado a muitas situações”, disse a pesquisadora. “No caso da Amazônia, como há muitas comunidades espalhadas ao longo dos rios, a descentralização termina sendo uma seleção que privilegia quem está na sede do município. Ela também incentiva a migração, na medida em que fica muito caro o custo para levar serviços para as comunidades ribeirinhas”.

Delma Neves citou o exemplo de escolas rurais que são fechadas quando há menos de 20 crianças em idade escolar morando no povoado. “Isso é decretar a morte da comunidade, porque as famílias se mudam de lá, em busca de estudo para os filhos”, afirmou. “Para o atendimento e fixação dessa população, a organização dos serviços não pode estar dentro do modelo do Estado neoliberal, que decide a partir do gasto”, afirmou.

 

Edina Alencar citou dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), segundo os quais, atualmente, 70% dos cerca de 20 milhões de habitantes da Amazônia vivem em núcleos urbanos. “As cidades que mais crescem são aquelas com menos de 50 mil habitantes. E o principal fator de migração é a falta de assistência na área da saúde, da educação e de produção”, disse a  pesquisadora.

Ela citou também prefeitura de São Paulo de Olivença (AM), na fronteira com a Colômbia, que oferecia R$ 9 mil às famílias que quisessem se estabelecer na sede do município. “Muitos prefeitos têm adotado estratégias de esvaziar a várzea porque a população de lá não costuma ser contabilizada nos censos oficiais. Logo, eles não recebem dinheiro por ela”, completou.

 

Já o pesquisador da Universidade Federal do Amazonas e superintendente regional do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Henrique Pereira, lembrou a falta de política agrícola para a várzea amazônica. “Na parte do conhecimento sobre a várzea, tivemos nos últimos anos avanços significativos. Hoje já há agenda de pesquisa dedicada a esse ecossistema. Mas, do ponto de vista das políticas, vejo vários retrocessos. Na minha percepção, a várzea sofreu uma deseconomia de escalas, um empobrecimento. Depois de 50 anos do ciclo da juta [fibra de uso comercial], nenhuma outra atividade econômica se fortaleceu”.

 

A conferência sobre conservação edesenvolvimento da várzea amazônica termina quinta-feira (7), emManaus. Ela está sendo organizada pelo Projeto Manejo dos RecursosNaturais da Várzea (ProVárzea/Ibama), em parceria com o Centro paraPesquisa e Conservação Ambiental da Universidade de Columbia, além daUniversidade de Indiana, do Jardim Botânico de Nova Iorque, daSociedade Civil de Mamirauá e da Organização do Tratado de CooperaçãoAmazônica (OTCA).

 

A várzea ocupa cerca de 300 mil quilômetros quadrados, o que equivale a 6% da Amazônia Legal. Segundo dados do ProVárzea/Ibama, a várzea abriga 25% das espécies de peixes de água doce do mundo. Estima-se que existam cerca de 3 mil tipos de peixes nessa área, dos quais cerca de 200 têm sido explorados comercialmente.