Apesar de crises, Congresso conseguiu aprovar assuntos importantes, considera diretor do Diap

23/07/2006 - 13h40

Edna Dantas
Repórter da Agência Brasil
Rio - Nos últimos 21 anos, o trabalho do jornalista Antônio Augusto Queiroz tem sido acompanhar a atividade dos deputados e senadores brasileiros. Em 1985, ele coordenou a elaboração da histórica publicação Quem é Quem, estudo do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) sobre o último Congresso Nacional sob a ditadura militar. A publicação foi a primeira do gênero que deu conta do voto dos parlamentares no período de abertura política, após três décadas de regime militar. Por meio do levantamento, foi possível antecipar a posição destes políticos sobre temas polêmicos como, por exemplo, aborto e eleições diretas. De acordo com as regras em vigor naquela época, o Presidente da República era eleito pelo Colégio Eleitoral e não pelo voto dos cidadãos. Depois deste primeiro livro, o Diap elaborou o Quem é Quem na Constituinte, e séries como o Quem Foi Quem no Congresso, sobre várias legislaturas, e Os Cabeças do Congresso Nacional, um perfil dos parlamentares mais influentes nas duas casas legislativas. O Diap é constituído for cerca de 900 entidades sindicais de trabalhadores, entre centrais, confederações, sindicatos e associações. Hoje diretor de Documentação do Diap, Antônio Augusto Queiroz faz um diagnóstico do atual Congresso e analisa os avanços políticos desde a redemocratização. Leia a seguir mais alguns trechos da entrevista: Agência Brasil: O que diferenciou os parlamentares deste mandato que está acabando dos outros que já passaram pelo Congresso, qual foi a marca deste grupo?Antônio Augusto Queiroz: O problema central desta legislatura foi o erro da primeira mesa diretora da Câmara e do Senado. Esse foi o ponto central depois deste escândalo que envolveu vários parlamentares e paralisou o processo decisório.ABr: De que erro o senhor está falando?Queiroz: Foi a tentativa do [José] Sarney [PMDB-AP, ex-presidente do Senado] e do João Paulo [Cunha, deputado pelo PT-SP, ex-presidente da Câmara] de aprovar uma emenda à Constituição para permitir que eles pudessem ser reeleitos à frente das presidências das duas Casas. Isso fez com que houvesse disputa no interior dos partidos, já que, por exemplo, o PMDB não queria que o Sarney fosse reeleito. O candidato do PMDB era Renan Calheiros (AL), que tinha se preparado para isso há muito tempo. Os outros partidos também queriam postular cargos na Mesa. E isso teve o efeito de paralisar o Congresso e de dividir o Congresso naquele momento. Foi um elemento tão perturbador quanto foi a emenda de reeleição no governo Fernando Henrique. Naquela época, o governo vinha de vento em popa e quando entrou a emenda da reeleição praticamente parou e se criou uma disputa muito grande em torno daquela matéria, que prejudicou enormemente a agenda de reforma que estava em curso. Agora, a oportunidade que o Congresso teve para deliberar, ele deliberou bem. ABr: Do ponto de vista do trabalhador?Queiroz: Do ponto de vista do interesse geral da sociedade. Ele aprovou, por exemplo, uma lei de falências, que permite a recuperação de empresas, aprovou o Estatuto do Desarmamento, aprovou o Estatuto do Idoso, aprovou o ProUni, ampliou o Pronaf [Programa de Nacional de Agricultura Familiar], aprovou a reforma do Judiciário, do sistema financeiro, a reforma da previdência, enfim, aprovou algumas matérias que são importantes e algumas delas que são até de caráter moralizador, como o fim da figura do jetom [o pagamento que era feito aos parlamentares que compareciam a sessões extraordinárias do Congresso] e reduziu o recesso parlamentar.ABr: Mas não acabaram com o voto secreto.Queiroz: Mas o voto secreto é um assunto polêmico. De uma maneira geral o julgamento político se dá por votação secreta, porque a pessoa ficaria na mesma situação de quem está num júri. A pessoa ficaria extremamente vulnerável. Também não dá para esperar de um Congresso envolvido no grau de denúncia que foi envolvido este tivesse condições de avançar tanto quanto a população deseja numa única legislatura. De qualquer maneira, é um processo que vem evoluindo. O problema foi esse da agenda bloqueada e da dificuldade de legitimidade e de credibilidade no Congresso envolvido com denúncias. ABr: Do ponto de vista de cortar na própria carne, no entanto, uma das principais reformas que se discute no Congresso é a reforma política, mas ela continua parada.Queiroz: De fato a reforma política tem tido dificuldade em evoluir, mas existem vários modelos para uma reforma política. Como são os parlamentares que votam e os partidos não se entendem sobre o modelo ideal, tem havido atraso e adiamento. Mas mesmo neste campo, eu vou te dar dois exemplos de que houve alguma mudança e a tendência é de que no futuro aconteçam outras positivas. Uma mudança importante foi a redução do gasto de campanha, que dá ao Judiciário agora as condições de, efetivamente, implementar aquela lei elaborada pela CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil), e de iniciativa popular, que combate as fraudes eleitorais. A lei é de 1999 e não tinha sido aplicada plenamente ainda porque existia a figura do brinde na eleição e aí as pessoas fugiam do crime de doar, prometer dinheiro em troca de voto por esse mecanismo. Como agora está proibido, a Justiça Eleitoral tem todas as condições de cassar o registro daqueles que abusaram do poder econômico ou utilizarem a máquina pública em campanha. ABr: Qual o segundo exemplo?Queiroz: o segundo ponto positivo é na legislação que foi aprovada recentemente que é a questão da cláusula de barreira, que vai limitar o número de partidos e fazer com que os partidos sejam mais rigorosos no recrutamento de seus quadros. É claro que haveria necessidade, para resolver de modo definitivo esses problemas na política brasileira, a necessidade da garantia da fidelidade partidária e do financiamento público de campanha. Essas são duas medidas que seriam efetivamente moralizadoras. ABr: A fidelidade partidária é uma bandeira defendida pela maioria. Afinal, o que mais se vê é o troca-troca de partido, etc. Por outro lado, no que se refere ao financiamento público de campanha, chegar a um consenso é mais complicado, o senhor não acha?Queiroz: O problema é que o financiamento privado de campanha leva inevitavelmente à corrupção e finda sendo mais caro. A população brasileira paga mais por isso que se efetivamente fosse o financiamento público. Quem financia campanha de parlamentar em geral tem algum tipo de interesse e esses interesses são de algum modo contemplado em decisões de governo, no retorno através de obras e outros mecanismos que existem e que levam a essa relação promíscua do setor público com o setor privado. Além do mais, a equidade na eleição se amplia com este financiamento público. Sem contar, que o parlamentar seria mais independente. Ele não estaria devendo favor a financiador privado. De modo que as vantagens são enormes comparativamente com o financiamento privado que volta para quem financiou de algum modo. Em geral, de modo irregular, o que é ruim para a democracia e também num volume muito maior de recursos do que se gastaria com financiamento público.