Especial 20 - Relatório de fiscais agropecuários é questionado por especialistas

27/04/2006 - 9h30

Paulo Machado
Repórter da Agência Brasil

Brasília – Dois especialistas contestam conclusões do relatório dos fiscais agropecuários que investigaram a ocorrência de uma pulverização com agrotóxicos na área urbana e em pequenas propriedades de Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso. Os técnicos concluíram que o que aconteceu foi uma "deriva", ou seja, "o deslocamento não intencional de produto químico após a sua emissão". Isso aconteceria por condições climáticas (ventos fortes e inversão térmica).

Para James Cabral, engenheiro agrônomo do Fórum Matogrossensse de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad), o documento do Ministério da Agricultura em Cuiabá é "bastante ingênuo". "Tem uma carga de irresponsabilidade muito grande. O que a gente constatou é que uma enorme diversidade de plantas foi atingida e que apresentavam o mesmo sintoma", diz em entrevista à Agência Brasil. O documento foi elaborado pelos fiscais agropecuários Márcia Albuquerque e Antonio Hideu Inoue, nove dias após o ocorrido.

O engenheiro James Cabral esteve na cidade sete dias após o fato, a pedido do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso. Em companhia do doutor Wanderley Antonio Pignati, eles fotografaram e coletaram amostras das plantas atingidas, entrevistaram autoridades municipais, chacareiros e moradores e encaminharam ao Ministério Público local a denúncia para que fosse instaurado inquérito civil. Eles também elaboraram a notificação, com detalhes do que observaram na cidade, encaminhada às autoridades sanitárias do estado e do governo federal.

O professor César Koppe Grisólia, do Departamento de Genética e Morfologia da Universidade de Brasília (UnB), autor do livro Agrotóxicos: mutações, câncer e reprodução, explica que a investigação precisa de técnicas capazes que fazer um mecanismo de prova e contra-prova. "É responsabilidade do Ministério da Agricultura fazer a coleta de amostras dentro das normas técnicas. Devem ser coletadas no mínimo três amostras em frascos separados e armazenadas em locais diferentes para possibilitar prova e contra-prova. Elas devem ser mantidas sob refrigeração constante e devem ser coletadas logo após a contaminação. Alguns agrotóxicos desaparecem rapidamente", explica.

Após o contato dos agrotóxicos com a luz ou calor, os princípios ativos do produto mudam, segundo o professor. "No caso de não haver vestígios dos agrotóxicos no prazo, pode-se pesquisar os seus metabólitos, que são resíduos deixados pelos agrotóxicos, produto da sua degradação", diz.

Para o engenheiro James Cabral, a citação do relatório de que não houve "injúrias" em gramíneas não é verdade. "O que mais descarta essa possibilidade de doença é que nos verificamos in loco que foram atingidas mais de 40 espécies de diferentes tipos de plantas. Foram atingidas plantas agrícolas, plantas cítricas, plantas ornamentais, plantas fitoterápicas, plantas hortícolas e plantas florestais todas com a mesma sintomatologia. É muito questionável qualquer documento que apresente uma versão que isso é um problema fitopatológico", contesta.

Com relação ao "exame laboratorial", citado pelos fiscais federais agropecuários do Ministério da Agricultura em Cuiabá, o professor da Universidade de Brasília César Koppe também diz que não funcionam para detectar o objeto da investigação. "Exames fitossanitários servem para pesquisar fungos e outras doenças, são exames totalmente diferentes. Não tem validade em questões jurídicas para se provar que se cometeu um crime. Os exames têm que ser específicos para resíduos de agrotóxicos."

A Agência Brasil procurou a fiscal agropecuária Márcia Albuquerque para comentar as críticas sobre o relatório de Lucas do Rio Verde, mas ela não quis comentar o assunto, alegando que o documento era conclusivo.

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AM