Escritor diz que novo governo do Chile dará primeiros passos para transformações

11/03/2006 - 10h18

Marcela Rebelo
Enviada especial

Viña del Mar (Chile) – Ao comentar a vitória de Michelle Bachelet na eleição presidencial do Chile, o escritor chileno Luis Sepúlveda lembra que ela é uma das vozes críticas do modelo neoliberal. Para o escritor, que é militante do Attac (Ação para a Taxação de Transações em Ajuda ao Cidadão) – movimento internacional que tem como objetivo construir uma ordem sócio-econômica mais democrática e solidária na escala mundial – com a nova presidente é possível dar os primeiros passos para a transformação do país. Leia a seguir o último trecho da entrevista do escritor à Agência Brasil.

Agência Brasil: Mas Bachelet é da mesma frente que está no poder desde 1990. Mesmo assim, o sr. acredita que possa ter alguma mudança significativa na política chilena?
Luis Sepúlveda:O governo do presidente Ricardo Lagos começou um processo de transformação para humanizar um pouco mais o país e deu um grande salto de luta contra a pobreza. Na frente Concertación, há defensores aferrados do modo neoliberal de mercado, mas há também muitas vozes socialistas e creio que Bachelet é uma das vozes críticas desse modelo econômico.

Evidentemente não se pode mudar o modelo porque não há outro, é uma coisa óbvia. Mas, pode-se começar a dar os primeiros passos para fazer uma transformação, a perguntar o que queremos como país. Já se vêem algumas medidas que Michelle vai tomar. Pela primeira vez, o Chile vai ter um ministério do Meio Ambiente, que era algo inconcebível. Evidentemente, vão existir contradições na frente Concertación pela Democracia. No entanto, a vitória de Michelle Bachelet foi bastante contundente, (ela) conta com uma maioria muito ampla e sólida no parlamento e poderá realizar algumas mudanças.

ABr: Qual o principal desafio do país?
Sepúlveda: Ela tem desafios muito grandes, os principais na área social. É preciso eliminar esse enorme abismo que separa a pobreza e a riqueza do Chile, redistribuir essa riqueza gerada por todos os chilenos, mas aproveitada por poucos. Somos um país muito grande, com poucos habitantes (são 16 milhões de habitantes, segundo dados do ano passado). É possível, então, fazer do Chile um país que caminha em direção a um estado de bem-estar social, que é a grande meta socialista.

ABr: Quais principais mudanças promovidas pelos seus antecessores que poderão ajudar o novo governo?
Sepúlveda: Os dois primeiros governos da Concertación no país foram muito tímidos em romper com a ditadura, romper com as leis da ditadura e com todo lastro que a ditadura deixou. E somente Ricardo Lagos se atreveu a dar alguns passos muito importantes, como por exemplo terminar com os senadores designados. E terminar com o Conselho de Licença Nacional, que era uma vergonha que existisse. Os três comandantes das Forças Armadas tinham mais peso que o presidente da República para decidir sobre coisas que interessavam ao país. Lagos fez uma política muito sábia de "desprivatizar" algumas áreas, como a saúde e a economia, que tinham sido violentamente privatizadas. Isso é fundamental para o Chile que é um país que está em vias de desenvolvimento, não é um país desenvolvido. Creio que Michelle tem que continuar e aprofundar justamente essas reformas que Lagos começou.

ABr: Com o novo governo, deve melhorar a relação chilena com os vizinhos latino-americanos?
Sepúlveda : A idéia central de Michelle Bachelet na área econômica é a integração. Mas é preciso discutir que modelo de integração é esse. Atualmente, a única forma que existe é o Mercosul, do qual Chile não participa abertamente. E não o faz por uma razão fundamental, porque conseguiu abrir outros horizontes econômicos mediante os tratados de livre comércio. O Chile tem acordos de livre comércio não somente com os Estados Unidos, mas com a União Européia e com alguns países da Ásia.

Então os esforços de integração latino-americana são partes da preocupação de Michelle Bachelet, mas ela também se preocupa em manter os acordos de livre comércio porque têm sido bastante bons para a economia chilena. Ela pode humanizar as relações econômicas, terminando com o abismo que separa a pobreza da riqueza, mas a abertura de mercado não pode parar porque não há outro modelo econômico possível no momento.