Cecília Jorge
Repórter da Agência Brasil
Brasília – O despejo de 3,5 mil famílias sem-teto do Parque Oeste Industrial em Goiânia (GO), em fevereiro do ano passado, é um dos casos de violação de direitos humanos analisados no livro Relatorias Nacionais em Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais – Informe 2005, divulgado hoje (9).
A publicação é resultado do trabalho da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Plataforma Dhesca Brasil), que tem apoio do Programa Voluntários das Nações Unidas.
Segundo o documento, as medidas adotadas pela prefeitura e pelo governo estadual desde o despejo pioraram a condição de vida dessas pessoas, que estão instaladas provisoriamente em um acampamento no Setor Grajaú. Após o despejo, cerca de 2,5 mil famílias foram alojadas em dois ginásios de esportes, onde ficaram por cinco meses. Nesse período, o informe revela que ocorreram quatro mortes "devido às condições de higiene do local". No Setor Grajaú, seis pessoas morreram até agora em decorrência da insalubridade.
O relatório diz ainda que os sem-teto vivem em barracas de lonas pretas e têm apenas 12 banheiros e dois chuveiros para atender a toda a comunidade. Também são apontados falta de de energia elétrica, de água e de rede de esgoto, sendo que as instalações elétricas improvisadas pelos próprios moradores provocam acidentes freqüentes.
Também foram verificadas nas famílias doenças como hepatite, meningite e catapora, além de problemas cardíacos. Nas crianças, aponta a publicação, o principal problema é a desnutrição, que afeta quase metade da população infantil da área. Devido à falta de saneamento e à temperatura alta dentro dos barracões, as crianças também sofrem de diarréias, infecções respiratórias e desidratação.
"As pessoas não têm conseguido emprego por serem oriundas da ocupação Sonho Real no Parque Oeste Industrial", diz o documento. "O atendimento em postos de saúde e demais serviços públicos é diferenciado quando é necessário informar o endereço de residência, há implicações no rendimento escolar e aprendizagem das crianças que são discriminadas por pertencerem a famílias sem-teto", acrescenta o texto.
Os relatores também denunciam a violência praticada durante o despejo e a demora na apuração e responsabilização pelos atos praticados e na indenização das vítimas. Duas pessoas foram mortas na desocupação, uma ficou paraplégica e várias pessoas ficaram feridas. A lentidão na adoção de soluções definitivas para o problema de moradia dessas famílias também é criticada pelo estudo.
O acompanhamento feito pelo relatório após a visita a Goiânia identificou que há "explícita manipulação dos instrumentos dos inquéritos civil e criminal". Segundo o texto, as prisões de dois sem-teto que participaram da ocupação ocorreram sem a existência de indícios de materialidade das supostas acusações. Um deles, Josuel Pereira Feitosa, é acusado de ser o autor do disparo que atingiu um policial militar. O fato de o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás ter negado o pedido liminar de habeas corpus aos sem-tetos demonstra, segundo o documento, que não existe imparcialidade por parte do Judiciário goiano.
"Pesam ainda suspeitas de que as testemunhas estão sendo coagidas pelas autoridades policiais para incriminar as lideranças do movimento, no sentido de satisfazer uma vontade política dessas autoridades como forma de compensar o indiciamento de alguns poucos militares pelas mortes, lesões corporais e torturas praticadas durante a desocupação", afirma a publicação.
O documento recomenda a federalização dos crimes cometidos e pede ao Ministério Público de Goiás que dê prioridade aos inquéritos civil e criminal que apuram a responsabilidade das autoridades públicas pelas violações de direitos humanos no despejo.
Outra recomendação é para que seja cumprido o termo de ajuste de conduta assinado pelos governos municipal e estadual com a Promotoria de Cidadania. O termo prevê que todas as famílias cadastradas durante a ocupação sejam contempladas com uma moradia digna. Os relatores também defendem o início do processo de discussão com a comunidade do projeto do novo loteamento. Em caráter emergencial, o informe propõe a realização de melhorias nas atuais moradias, a garantia de atendimento de saúde, acesso à educação e distribuição de cestas básicas.